Acórdão: Apelação Cível n. 70025576430, de Rio Grande.
Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.
Data da decisão: 18.02.2009.
EMENTA: ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NEGAÇÃO DE PATERNIDADE. PROVA PERICIAL. EXCLUSÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. INEXISTÊNCIA DO LIAME SOCIOAFETIVO. CABIMENTO. 1. Embora o ato de reconhecimento de filho seja irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CC) é possível promover a anulação do registro, quando fica sobejamente demonstrado o vício do ato jurídico. 2. Comprovada a infertilidade do autor, bem como a inexistência do liame biológico através de exame de DNA e ausência do vínculo socioafetivo, justifica-se o pleito anulatório quando fica claro que o autor foi induzido a erro ao fazer o reconhecimento da filiação. Recurso desprovido.
APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL: Nº 70 025 576 430
COMARCA DE RIO GRANDE
J.C.S. P.S.M. S.C: APELANTE
G.V.S: APELADO
DATA DO JULGAMENTO: 18/02/2009
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO E DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR.
Porto Alegre, 18 de fevereiro de 2009.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,
Relator.
RELATÓRIO
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (RELATOR)
Trata-se da irresignação de JULIA C. S., menor, representada por sua mãe, DEJENANE S. C., com a r. sentença que julgou procedente a ação vindicatória de estado diverso por erro registral, declarando a negatória de paternidade que lhe move GUSTAVO V. S.
Sustenta a recorrente que, apesar do recorrido não ser seu pai biológico, existe a relação socioafetiva. Diz que o recorrido esteve presente na vida da recorrente, agindo como pai, durante 5 anos, e passou a renegá-la somente quando descobriu que era estéril. Diz que o convívio entre as partes foi interrompido quando foi ajuizada ação de alimentos. Alega que o afastamento é fato de menor importância frente à posse do estado de filha caracterizado nos seus primeiros cinco anos de vida. Pretende a reforma da sentença recorrida e a continuidade da ação de alimentos apensa, mantendo o recorrido obrigado ao pagamento dos alimentos provisórios. Pede o provimento do recurso.
Intimado, o recorrido ofereceu contra-razões aduzindo que o fato de ir aos aniversários da recorrente e de pagar alimentos, não significa que o aspecto afetivo estivesse presente. Alega que visitava a recorrente de forma irregular mesmo antes dela completar um ano de vida. Ressalta que a prova testemunhal comprova a inexistência de qualquer relação socioafetiva entre as partes. Considera inadmissível ter de continuar a prestar alimentos à recorrente, que não é sua filha, tendo sido induzido a erro pela genitora dela. Pede o desprovimento do recurso.
Com vista dos autos, lançou parecer a douta Procuradoria de Justiça pugnando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o disposto no art. 551, § 2º, do CPC.
É o relatório.
VOTOS
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (RELATOR)
Estou confirmando a sentença hostilizada pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
Com efeito, observo que a prova pericial realizada pelo método do DNA afastou de forma definitiva a possibilidade de existência da filiação biológica, assim como a prova testemunhal também comprovou a inexistência da paternidade socioafetiva, bem como que GUSTAVO foi induzido em erro ao fazer o reconhecimento da filha.
Embora, o ato de reconhecimento de filho seja irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB), é possível promover a anulação do registro, quando fica sobejamente demonstrado o vício do ato jurídico, isto é, coação, erro, dolo, simulação ou fraude. E no caso em exame, o autor foi induzido a erro, como ficou bem demonstrado nos autos.
Como se vê a fls. 09, o autor promoveu o reconhecimento da filha, formalizando o seu registro registro de nascimento apenas 6 (seis) dias após o seu nascimento, o que induz à presunção de que tal ato solene resultou de um agir consciente e voluntário, o que decorreu do fato de ter mantido relacionamento amoroso com a mãe da autora e ter sido procurado por ela e apontado como pai da criança gerada. Tendo havido o envolvimento amoroso no período da concepção, sendo pessoa de cor negra e ela de cor branca, e tendo a criança cor de pele assemelhada à sua, acreditou na informação da mãe da autora e promoveu o reconhecimento da filiação.
No entanto, ao contrair casamento com outra mulher e pretender constituir prole com ela, o autor descobriu que era infértil, tendo sido induzido a erro pela mãe da ré ao promover o reconhecimento dela, formalizado no seu registro de nascimento.
Sendo assim, é forçoso convir que, mesmo quando resta comprovada a inexistência do liame biológico através do exame de DNA, o acolhimento do pleito anulatório somente se justifica quando fica cabalmente comprovada a ocorrência de vício no ato jurídico e quando inexiste um sólido vínculo socioafetivo.
No caso em exame, ficou cabalmente comprovada tanto a infertilidade do autor, como a inexistência do liame biológico através de exame de DNA e, também, a ausência do vínculo socioafetivo, o que justifica plenamente o pleito anulatório, ficando bem claro que o autor foi induzido a erro ao fazer o reconhecimento da filiação.
Embora o autor alcance alimentos para a recorrente, como admite em seu depoimento pessoal (fl. 109), ficou claro que ele mantinha contato com a infante apenas uma vez por mês, quando levava a pensão alimentícia. E a genitora da ré, em seu depoimento pessoal, afirmou que o autor também comparecia nos aniversários dela e que no Natal às vezes também comparecia (fl. 112).
Como se vê, o recorrido não era um pai muito assíduo e mantinha com a recorrente um relacionamento que parecia ser motivado pela obrigação, por ter gerado a filha que supunha fosse sua.
Nesse sentido, é esclarecedor o depoimento prestado pela testemunha MARIZA R. F. (fl. 116), quando afirma a genitora do autor (avó paterna da menor) procurava suprir a ausência de GUSTAVO na vida da criança, pois “a avó gostaria que ele tivesse essa presença. Inclusive, a avó, se sentia meio que responsável, digamos assim, como o Gustavo não se fazia presente, a avó, procurava meio que suprir essa ausência”...
A testemunha MARLEI S. C, a fls. 118, também afirmou que não havia relacionamento entre o autor e a menor.
A esposa do autor, ANA PAULA S. S., no depoimento que prestou como informante, a fls. 121/122, ao ser questionada se já tinha visto a criança antes, disse que viu “no primeiro aninho dela, e depois nós não vimos mais, a não ser ano passado, quando eles fazer exame de DNA, que eu fui junto com ele, ai nós vimos ela”.
E, questionada sobre o relacionamento do autor com a ré, ANA PAULA afirmou, peremptoriamente, que “eles não tinham nenhum tipo de relacionamento, até porque assim, as vezes que ele teve lá, foram poucas vezes, a menina nem chegava perto dele, ele nunca teve afinidade o suficiente para chegar perto dela, também, e quando ele chegava em casa ele me contava isso, inclusive, ele me (...), que uma das vezes a menina ficou o tempo inteiro debaixo da mesa, (com medo dele), não chegava perto dele”.
Diante disso, está claro que, efetivamente, não chegou a ser estabelecido o liame socioafetivo entre recorrente e recorrido, pois a convivência entre ambos era esparsa, irregular e sem freqüência, não chegando a haver nem mesmo relacionamento afetivo entre ambos.
Portanto, tenho que é imperiosa a manutenção da sentença, pois ficou comprovada a infertilidade do autor (fls. 14/19), bem como a inexistência do liame biológico através de exame de DNA (fls. 68/70) e também ausência de qualquer vínculo socioafetivo, motivos estes que justificam plenamente o pleito anulatório, ficando claro que o autor foi induzido a erro ao fazer o reconhecimento da filiação.
ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.
DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (REVISOR) - De acordo.
DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR - De acordo.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES - Presidente - Apelação Cível nº 70025576430, Comarca de Rio Grande: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: ALAN TADEU SOARES DELABARY JUNIOR
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