HABEAS CORPUS Nº 96.514 - SP (2007⁄0295543-2)
RELATOR |
: |
MINISTRO OG FERNANDES |
IMPETRANTE |
: |
MÁRIO JOEL MALARA |
IMPETRADO |
: |
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
PACIENTE |
: |
C.R.S (PRESO) |
EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. LEIS 10.409⁄2002 E 11.343⁄2006. RITO PROCEDIMENTAL. INOBSERVÂNCIA. DEFESA PRÉVIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
1. Configura nulidade absoluta a ausência de notificação para defesa preliminar prevista no art. 38 da Lei nº 10.409⁄2002. Ressalva do entendimento pessoal do relator.
2. Com a anulação do processo desde o recebimento da denúncia, o rito que deverá ser seguido é o da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que revogou as Leis nºs 6.368⁄76 e 10.409⁄2002, mas manteve, em seu art. 55, a regra da notificação do acusado, antes do recebimento da denúncia, para o oferecimento de defesa prévia.
3. Ordem concedida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ⁄MG), os Srs. Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti e a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília, 07 de outubro de 2008 (data do julgamento)
MINISTRO OG FERNANDES
Relator
HABEAS CORPUS Nº 96.514 - SP (2007⁄0295543-2)
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Cuida-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de C.R.S, preso sob acusação da prática do delito de tráfico ilícito de entorpecentes, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou ordem anteriormente impetrada.
Sustenta a nulidade do processo por inobservância do rito procedimental estabelecido na Lei nº 10.409⁄2002, uma vez que o Juiz de primeiro grau recebeu a denúncia, sem antes notificar o paciente para apresentação de defesa prévia. Alternativamente, pretende seja aplicada a causa de diminuição do art. 33, § 4 º, da Lei nº 11.343⁄2006, por ser o réu primário e ter bons antecedentes e ser pequena a quantidade da droga apreendida em seu poder.
Ao final, requer a reforma do acórdão impugnado para anular a ação penal desde o recebimento da denúncia.
O pedido de liminar foi indeferido pelo então Relator, Ministro Hamilton Carvalhido, que dispensou informações.
O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 36⁄42).
É o relatório.
HABEAS CORPUS Nº 96.514 - SP (2007⁄0295543-2)
VOTO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): Filio-me ao entendimento de que a inobservância da defesa preliminar preconizada no art 38 da Lei nº 10.409⁄2002 configura tão-somente nulidade relativa, estando, obviamente, condicionada ao efetivo prejuízo.
Aliás, em matéria de nulidades, o nosso Código de Processo Penal consagrou a orientação pas de nullité sans grief, segundo a qual não deve ser declarada a nulidade, salvo quando resultar prejuízo demonstrado pela parte.
Sobre esse assunto, consoante pesquisa na jurisprudência da Casa, pude concluir que o Ministro Paulo Gallotti também defende o mesmo entendimento.
Cumpre ressaltar o entendimento lançado no recente julgamento do HC nº 94011⁄SP, ocorrido em 10⁄6⁄2008, proferido pela 1ª Turma do Colendo Supremo Tribunal Federal, da relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no sentido de, por maioria de votos, indeferir o writ impetrado em favor de condenado pela prática dos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico, cuja citação para oferecimento de defesa preliminar não fora realizada. Eis a íntegra da matéria veiculada no Informativo 510 da Suprema Corte:
“A Turma, embora reconhecendo a inobservância do art. 38 da Lei 10.409⁄2002, indeferiu, por maioria, habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática dos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico (Lei 6.368⁄76, artigos 12 e 14), cuja citação para oferecimento de defesa preliminar não fora realizada. Inicialmente, ressaltou-se a existência de precedentes da Corte no sentido de que a não-observação do rito previsto na Lei 10.409⁄2002, especialmente no que concerne à apresentação de defesa preliminar, nos termos do citado art. 38, pode acarretar nulidade da ação penal, desde o recebimento da denúncia. Entretanto, aduziu-se que o STF já reconhecera a necessidade de ser demonstrado, pelo impetrante, o efetivo prejuízo decorrente da inobservância da aludida regra processual, independentemente de se tratar de nulidade absoluta ou relativa. Asseverou-se que, no caso, não existiriam elementos que indicassem a ocorrência de constrangimento ilegal a ensejar a concessão da ordem para anular a ação penal desde o recebimento da inicial acusatória, tendo em conta que os demais atos processuais foram perfeitamente realizados, e por meio dos quais se oportunizara ao paciente todos os meios de defesa em direito admitidos. Ademais, enfatizou-se que a Lei 10.409⁄2002 fora revogada pela Lei 11.343⁄2006, o que afastaria qualquer utilidade no reconhecimento da alegada nulidade processual, pois a nova norma aplicável aos crimes relacionados às drogas não mais exige o interrogatório pré-processual. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia o writ por entender que o devido processo legal restara violado, no que não se atentara para o que previsto na Lei 10.409⁄2002 quanto à intimação do acusado, a fim de pronunciar-se antes do recebimento ou não da denúncia. “
Registro, por oportuno, que a lei atual (11.343⁄06) repete a exigência da notificação preliminar antes do recebimento da denúncia, cuja ausência, conforme entendimento recente do Supremo Tribunal Federal implica tão-só nulidade relativa, estando a exigir a demonstração efetiva do prejuízo.
Todavia, o entendimento consolidado nas duas Turmas que compõem a Terceira Seção deste Tribunal continua firme no sentido de que configura nulidade absoluta a ausência de notificação para defesa preliminar prevista no art. 55 da Lei nº 11.343⁄06.
Nesse sentido, transcrevo aqui os seguintes precedentes:
“Substâncias entorpecentes (tráfico ilícito). Defesa preliminar (inexistência). Rito previsto no art. 38 da Lei nº 10.409⁄02 (inobservância). Nulidade processual absoluta (caso). Superveniência de sentença condenatória com trânsito em julgado (irrelevância).
1. A inobservância do procedimento previsto no art. 38 da Lei nº 10.409⁄02 é causa de nulidade absoluta.
2. Quando de caráter absoluto, a nulidade não preclui nem é considerada sanada; pode ser argüida em qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória (Relator).
3. De mais a mais, no caso, foi a nulidade argüida desde o início da ação penal.
4. Em caso tal, acolhe-se, portanto, a nulidade, desde que tenha sido suscitada no curso do processo (Turma).
5. Habeas corpus concedido.” (HC 54.023⁄SP, Relator Ministro Nilson Naves, DJ de 3⁄3⁄08)
“PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL DA LEI 10.409⁄02. NULIDADE ABSOLUTA. RECURSO PROVIDO.
1. A inobservância do rito procedimental da Lei 10.409⁄02 para o processamento dos crimes previstos na Lei 6.368⁄76 é causa de nulidade absoluta, por violação dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Precedentes desta Corte e do STF.
2. Com a anulação do processo desde o recebimento da denúncia, em consonância com o art. 2º do CPP, o rito que deverá ser seguido é o da Lei 11.343, de 23⁄8⁄06, que revogou as Leis 6.368⁄76 e 10.409⁄02, mas manteve, em seu art. 55, a regra da notificação do acusado, antes do recebimento da denúncia, para o oferecimento de defesa prévia.
3. Recurso provido para anular o processo a que responde o recorrente, a partir do recebimento da denúncia, a fim de que seja processado segundo o rito procedimental da Lei 11.343⁄06, com a conseqüente expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso.” (RHC 21.822⁄SP, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 22⁄10⁄2007)
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E PORTE ILEGAL DE ARMA. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL ESTABELECIDO PELA LEI N.º 10.409⁄02. AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR. NULIDADE ABSOLUTA. LEI N.º 11.343⁄06. REVOGAÇÃO EXPRESSA DA LEI N.º 10.409⁄02. REGRA DE DIREITO PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES.
1. A inobservância do rito procedimental, estabelecido pela Lei n.º 10.409⁄02, constitui nulidade absoluta, pois a ausência de apresentação de defesa preliminar desrespeita o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, encerrando inegável prejuízo ao acusado.
2. Em se considerando que a Lei n.º 10.409⁄02 foi recentemente revogada pela Lei n.º 11.343⁄06, a instrução criminal ora examinada deverá ser ab initio anulada, devendo o juízo processante adotar e observar o rito procedimental previsto na Lei n.º 11.343⁄06, que também estabelece, em seu art. 55, a defesa preliminar, antes estatuída na Lei n.º 10.409⁄02, à luz do princípio do 'tempus regit actum', que confere à lei processual aplicação imediata. Precedentes.
3. Habeas corpus não conhecido. Concedida a ordem de ofício para declarar a nulidade ab initio do processo instaurado em desfavor do Paciente, desde o despacho de recebimento da denúncia, impondo-se ao juízo processante observar o rito da Lei n.º 11.343⁄06, com a expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso.” (HC 88.854⁄SP , Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 19⁄11⁄2007)
“CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. DEFESA PRELIMINAR NÃO APRESENTADA. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL DA LEI N.º 10.409⁄2002. PRESCINDIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. NULIDADE CONFIGURADA. REVOGAÇÃO DA NORMA PROCESSUAL. VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.343⁄2006. PROCEDIMENTO QUE DEVE SER APLICADO AO CASO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA DETERMINADA. ORDEM CONCEDIDA.
1- A inobservância do rito procedimental estabelecido na Lei nº 10.409⁄2002, quando do processamento de ação penal cujo objeto é a prática dos delitos previstos na Lei nº 6.368⁄76, constitui nulidade processual absoluta, sendo prescindível a demonstração de prejuízos à defesa, diante da dificuldade de fazê-lo.
2- Evidenciado que a Lei n.º 10.409⁄2002, vigente à época do processamento do feito, foi revogada pela Lei n.º 11.343⁄2006, publicada em 24⁄08⁄2006, a qual se encontra vigente no presente momento, deve ser respeitado o rito processual descrito nesse novo Diploma Legal, em obediência ao art. 2º do Código de Processo Penal.
3- Ordem concedida, para anular a ação penal instaurada em desfavor do paciente, desde o recebimento da denúncia, inclusive, a fim de oportunizar a apresentação da defesa preliminar, devendo ser respeitado o procedimento estabelecido na Lei n.º 11.343⁄2006, com a conseqüente expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso.” (HC 82.135⁄SP, Relatora Ministra Jane Silva – Desembargadora Convocada do TJ⁄MG –, DJ de 24⁄9⁄07)
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 14 DA LEI Nº 6.368⁄76 (ANTIGA LEI DE TÓXICOS). CONDENAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL PREVISTO NA LEI DE TÓXICOS POSTERIOR. NULIDADE DO PROCESSO.
I - Na linha de precedentes, a inobservância do rito procedimental estabelecido na Lei nº 10.409⁄02 (antiga Lei de Tóxicos) constitui nulidade processual absoluta, sendo prescindível a demonstração de prejuízo. (Precedentes do STJ e Pretório Excelso).
II –(...).
Writ parcialmente concedido.” (HC 84.980⁄RJ, Relator Ministro Felix Fischer, DJ de 25⁄10⁄07)
Em sendo assim, e deixando ressalvado o meu entendimento no sentido de que o vício apontado apenas autoriza a anulação do processo quando demonstrado o prejuízo, por se tratar de nulidade relativa, curvo-me ao entendimento da Corte para acompanhar a jurisprudência aqui dominante.
Oportuno consignar que, com a anulação do processo desde o recebimento da denúncia, em consonância com o art. 2º do CPP, o rito que deverá ser seguido é o da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que revogou as Leis nºs 6.368⁄76 e 10.409⁄2002, mas manteve, em seu art. 55, a regra da notificação do acusado, antes do recebimento da denúncia, para o oferecimento de defesa prévia.
Prejudicada, portanto, a análise da aplicação a causa de diminuição do art. 33, § 4 º, da Lei nº 11.343⁄2006.
Posto isso, concedo a ordem, a fim de anular a ação penal, desde o recebimento da denúncia, inclusive, determinando-se que seja observado o rito estabelecido na Lei nº 11.343⁄2006.
É como voto.
ERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA
Número Registro: 2007⁄0295543-2 |
HC 96514 ⁄ SP |
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MATÉRIA CRIMINAL |
Números Origem: 3792006 8805593
EM MESA |
JULGADO: 07⁄10⁄2008 |
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Relator
Exmo. Sr. Ministro OG FERNANDES
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. MARIA CELIA MENDONÇA
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE |
: |
MÁRIO JOEL MALARA |
IMPETRADO |
: |
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
PACIENTE |
: |
C.R.S (PRESO) |
ASSUNTO: Penal - Leis Extravagantes - Crimes de Tráfico e Uso de Entorpecentes (Lei 6.368⁄76 e DL 78.992⁄76) - Tráfico
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ⁄MG), os Srs. Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti e a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília, 07 de outubro de 2008
ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário
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