HABEAS CORPUS Nº 103.121 - SP (2008⁄0066950-1)
RELATOR |
: |
MINISTRO OG FERNANDES |
IMPETRANTE |
: |
AMAURI ANTONIO RIBEIRO MARTINS |
IMPETRADO |
: |
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO |
PACIENTE |
: |
LOWUE JONES (PRESO) |
EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. LEIS 10.409⁄02 E 11.343⁄06. RITO PROCEDIMENTAL. INOBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE DEFESA PRÉVIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. NULIDADE ABSOLUTA.
1. A inobservância do rito procedimental da Lei 10.409⁄02 para o processamento dos crimes previstos na Lei 6.368⁄76 é causa de nulidade absoluta, por violação dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Precedentes desta Corte e do STF. Ressalva do entendimento pessoal do Relator.
2. De ressaltar que a atual legislação antidrogas, Lei nº 11.343⁄06, revogou as Leis nºs 6.368⁄76 e 10.409⁄2002, mas manteve, em seu art. 55, a regra da notificação do acusado, antes do recebimento da denúncia, para o oferecimento de defesa prévia, o que não ocorreu na hipótese dos autos.
3. Ordem concedida para anular o processo a que responde o paciente, desde o recebimento da denúncia, a fim de que seja processado, segundo o rito procedimental da Lei 11.343⁄06, conferindo-lhe, ainda, o direito à liberdade provisória, mediante assinatura de termo de compromisso de comparecimento a todos os atos do processo.
4. Extensão dos efeitos do acórdão, nos termos do art. 580 do CPP, aos corréus Enyinnaya Gabriel Ukandu e Richard Bryant, exceto em relação à corré Jacqulin Nichola Hinds, visto que já cumpriu integralmente a pena que lhe foi imposta, incidindo, portanto, a Súmula 695 do Supremo Tribunal Federal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, com extensão aos corréus Enyinnaya Gabriel Ukandu e Richard Bryant, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ⁄SP), Nilson Naves e Paulo Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília, 03 de março de 2009 (data do julgamento).
MINISTRO OG FERNANDES
Relator
HABEAS CORPUS Nº 103.121 - SP (2008⁄0066950-1)
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Lowue Jones, apontando como autoridade coatora do Tribunal Federal da 3ª Região, que denegou o writ ali manejado em acórdão assim ementado:
HABEAS CORPUS. LEI Nº 10.409⁄02. ART. 38. INOBSERVÂNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADE. OCORRÊNCIA.
1. Cabe à parte, ao alegar a inobservância do art. 38 da Lei nº 10.409⁄02, demonstrar o prejuízo. Nulidade que não se decreta, uma vez que não indicada a matéria de defesa passível de arguição.
2. Ordem de habeas corpus denegada. (fl. 28)
Colhe-se do processado que o paciente foi condenado, juntamente com outras pessoas, pela pratica dos crimes previstos nos arts. 12, c⁄c o art. 18, I, e 14, todos da Lei nº 6.368⁄76, à pena de 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de reclusão, sendo-lhe negado o direito de recorrer em liberdade.
Sustenta-se a nulidade do processo por inobservância do rito procedimental estabelecido na Lei nº 10.409⁄02, uma vez que o Juiz de primeiro grau recebeu a denúncia, sem antes notificar o paciente para apresentação de defesa prévia.
Indeferida a liminar, a Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela concessão da ordem.
Em consulta ao sítio do Tribunal de origem na internet, constata-se que a apelação interposta pela defesa já foi julgada, sendo negado provimento ao recurso, acórdão transitado em julgado em 13.1.09.
É o relatório.
HABEAS CORPUS Nº 103.121 - SP (2008⁄0066950-1)
VOTO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES (RELATOR): De ressaltar, desde logo, que me filio ao entendimento de que a inobservância da defesa preliminar preconizada no art 38 da Lei nº 10.409⁄02 configura tão-somente nulidade relativa. Isso porque, em matéria de nulidades, deve prevalecer o disposto no art. 563 do Código de Processo Penal, que consagra o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual não se declara nulidade onde inexiste prejuízo para a apuração da verdade substancial da causa.
A propósito, veja-se o seguinte precedente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal:
Habeas corpus. Processual penal. Tráfico de drogas e associação para o tráfico. Inobservância do rito do art. 38 da Lei nº 10.409⁄02. Declaração de nulidade que se justificaria somente se comprovado o efetivo prejuízo. Devido processo legal observado pelos demais meios de defesa. Revogação da Lei nº 10.409⁄02 pela Lei nº 11.343⁄06.
1. Presente a realidade dos autos, a alegação de nulidade da ação penal, que decorreria da inobservância do art. 38 da Lei nº 10.409⁄02, se levado em consideração que o paciente pôde exercer a defesa em sua plenitude, como de fato exerceu, tendo a sentença sido condenatória justamente porque os fatos narrados na denúncia foram confirmados durante a instrução criminal, não tem razão jurídica suficiente para que sejam anulados todos os atos processuais legalmente praticados.
2. A Lei nº 10.409⁄02 foi revogada pela Lei nº 11.343⁄06, não havendo nenhuma utilidade no reconhecimento da alegada nulidade, pois a nova norma aplicável aos crimes relacionados às drogas não mais exige o interrogatório pré-processual.
3. Habeas corpus denegado. (HC nº 94.011⁄SP, Relator o Ministro MENEZES DIREITO, DJU 12-09-2008)
A Segunda Turma da Suprema Corte, por seu turno, registra precedente em sentido contrário:
Processo. Tráfico de entorpecentes. Procedimento especial. Defesa e interrogatório prévios ao juízo de recebimento da denúncia. Procedimento não observado. Condenação do réu. Prejuízo presumido. Nulidade processual. Processo anulado desde a denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim. Precedentes (HC nº 88.836-MG; 2ª Turma; Rel. Min. CEZAR PELUSO; j. 08⁄8⁄2006, in RT 856⁄512; HC nº 94.027-SP; 2ª Turma; Rel. orig. Min. ELLEN GRACIE; p⁄ ac. Min. JOAQUIM BARBOSA; j. 21⁄10⁄2008). Inteligência do art. 38, caput, da Lei nº 10.409⁄2002. A inobservância do rito previsto no art. 38, caput, da Lei nº 10.409⁄2002, que prevê defesa e interrogatório prévios do denunciado por crime de tráfico de entorpecentes, implica nulidade do processo, sobretudo quando tenha sido condenado o réu. (HC 95.289⁄SP, Relator p⁄ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, DJU 07⁄11⁄2008)
Importante ressaltar que a atual legislação antidrogas, Lei nº 11.343⁄06, manteve a exigência da notificação preliminar antes do recebimento da denúncia, cuja ausência, conforme orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, acarreta tão-somente a nulidade relativa do processo, portanto, a parte deve indicar os prejuízos sofridos em tempo oportuno.
Todavia, a jurisprudência, no âmbito das Turmas que compõem a Terceira Seção deste Tribunal, continua firme no sentido de que configura nulidade absoluta a ausência de notificação para defesa preliminar, agora prevista no art. 55 da Lei nº 11.343⁄06, por violação dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal .
Vejam-se os seguintes precedentes:
Substâncias entorpecentes (tráfico ilícito). Defesa preliminar (inexistência). Rito previsto no art. 38 da Lei nº 10.409⁄02 (inobservância). Nulidade processual absoluta (caso). Superveniência de sentença condenatória com trânsito em julgado (irrelevância).
1. A inobservância do procedimento previsto no art. 38 da Lei nº 10.409⁄02 é causa de nulidade absoluta.
2. Quando de caráter absoluto, a nulidade não preclui nem é considerada sanada; pode ser argüida em qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória (Relator).
3. De mais a mais, no caso, foi a nulidade argüida desde o início da ação penal.
4. Em caso tal, acolhe-se, portanto, a nulidade, desde que tenha sido suscitada no curso do processo (Turma).
5. Habeas corpus concedido. (HC 54.023⁄SP, Relator Ministro Nilson Naves, DJ de 3⁄3⁄08)
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL DA LEI 10.409⁄02. NULIDADE ABSOLUTA. RECURSO PROVIDO.
1. A inobservância do rito procedimental da Lei 10.409⁄02 para o processamento dos crimes previstos na Lei 6.368⁄76 é causa de nulidade absoluta, por violação dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Precedentes desta Corte e do STF.
2. Com a anulação do processo desde o recebimento da denúncia, em consonância com o art. 2º do CPP, o rito que deverá ser seguido é o da Lei 11.343, de 23⁄8⁄06, que revogou as Leis 6.368⁄76 e 10.409⁄02, mas manteve, em seu art. 55, a regra da notificação do acusado, antes do recebimento da denúncia, para o oferecimento de defesa prévia.
3. Recurso provido para anular o processo a que responde o recorrente, a partir do recebimento da denúncia, a fim de que seja processado segundo o rito procedimental da Lei 11.343⁄06, com a conseqüente expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso. (RHC 21.822⁄SP, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 22⁄10⁄2007)
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E PORTE ILEGAL DE ARMA. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL ESTABELECIDO PELA LEI N.º 10.409⁄02. AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR. NULIDADE ABSOLUTA. LEI N.º 11.343⁄06. REVOGAÇÃO EXPRESSA DA LEI N.º 10.409⁄02. REGRA DE DIREITO PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES.
1. A inobservância do rito procedimental, estabelecido pela Lei n.º 10.409⁄02, constitui nulidade absoluta, pois a ausência de apresentação de defesa preliminar desrespeita o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, encerrando inegável prejuízo ao acusado.
2. Em se considerando que a Lei n.º 10.409⁄02 foi recentemente revogada pela Lei n.º 11.343⁄06, a instrução criminal ora examinada deverá ser ab initio anulada, devendo o juízo processante adotar e observar o rito procedimental previsto na Lei n.º 11.343⁄06, que também estabelece, em seu art. 55, a defesa preliminar, antes estatuída na Lei n.º 10.409⁄02, à luz do princípio do tempus regit actum, que confere à lei processual aplicação imediata. Precedentes.
3. Habeas corpus não conhecido. Concedida a ordem de ofício para declarar a nulidade ab initio do processo instaurado em desfavor do Paciente, desde o despacho de recebimento da denúncia, impondo-se ao juízo processante observar o rito da Lei n.º 11.343⁄06, com a expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso. (HC 88.854⁄SP , Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 19⁄11⁄2007)
CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. DEFESA PRELIMINAR NÃO APRESENTADA. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL DA LEI N.º 10.409⁄2002. PRESCINDIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. NULIDADE CONFIGURADA. REVOGAÇÃO DA NORMA PROCESSUAL. VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.343⁄2006. PROCEDIMENTO QUE DEVE SER APLICADO AO CASO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA DETERMINADA. ORDEM CONCEDIDA.
1- A inobservância do rito procedimental estabelecido na Lei nº 10.409⁄2002, quando do processamento de ação penal cujo objeto é a prática dos delitos previstos na Lei nº 6.368⁄76, constitui nulidade processual absoluta, sendo prescindível a demonstração de prejuízos à defesa, diante da dificuldade de fazê-lo.
2- Evidenciado que a Lei n.º 10.409⁄2002, vigente à época do processamento do feito, foi revogada pela Lei n.º 11.343⁄2006, publicada em 24⁄08⁄2006, a qual se encontra vigente no presente momento, deve ser respeitado o rito processual descrito nesse novo Diploma Legal, em obediência ao art. 2º do Código de Processo Penal.
3- Ordem concedida, para anular a ação penal instaurada em desfavor do paciente, desde o recebimento da denúncia, inclusive, a fim de oportunizar a apresentação da defesa preliminar, devendo ser respeitado o procedimento estabelecido na Lei n.º 11.343⁄2006, com a conseqüente expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso. (HC 82.135⁄SP, Relatora Ministra Jane Silva – Desembargadora Convocada do TJ⁄MG, DJ de 24⁄9⁄07)
Sendo assim, e deixando ressalvado o meu posicionamento de que o vício apontado apenas autoriza a anulação do processo quando demonstrado o prejuízo, por se tratar de nulidade relativa, curvo-me ao entendimento desta Corte para acompanhar a jurisprudência aqui dominante.
Oportuno consignar que, com a anulação do processo desde o recebimento da denúncia, em consonância com o art. 2º do CPP, o rito que deverá ser seguido é o da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que revogou as Leis nºs 6.368⁄76 e 10.409⁄02, mas manteve, em seu art. 55, a regra da notificação do acusado, antes do recebimento da denúncia, para o oferecimento de defesa prévia.
Apesar da expressiva quantidade de droga apreendida (1,5 kg de cocaína em poder do paciente e 5,265 Kg, da mesma substância, em poder de outro corréu), entendo que deve ser expedido alvará de soltura em favor do paciente, diante do evidente excesso de prazo decorrente da anulação de todos os atos da instrução criminal que, agora, deverá ser renovada.
Diante do exposto, concedo a ordem para anular a ação penal, desde o recebimento da denúncia, inclusive, impondo-se ao Juízo processante observar o rito da Lei n.º 11.343⁄06, conferindo ao paciente o direito à liberdade provisória, mediante assinatura de termo de compromisso de comparecimento a todos os atos do processo.
Estendo os efeitos desta decisão aos corréus Enyinnaya Gabriel Ukandu e Richard Bryant, que também deverão ser postos em liberdade provisória, sob as mesmas condições que o paciente.
Entretanto, em relação à corré Jacqulin Nichola Hinds, não há como estender os efeitos deste decisum, visto que já cumpriu integralmente a pena que lhe foi imposta na ação penal de que aqui se cuida, tendo sido expedido alvará de soltura em seu favor em 31.1.07, incidindo, portanto, a Súmula 695 do Supremo Tribunal Federal.
É o voto.
ERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA
Número Registro: 2008⁄0066950-1 |
HC 103121 ⁄ SP |
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MATÉRIA CRIMINAL |
Números Origem: 200561190016795 200703000864618 28973
EM MESA |
JULGADO: 03⁄03⁄2009 |
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Relator
Exmo. Sr. Ministro OG FERNANDES
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EDUARDO ANTÔNIO DANTAS NOBRE
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE |
: |
AMAURI ANTONIO RIBEIRO MARTINS |
IMPETRADO |
: |
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO |
PACIENTE |
: |
LOWUE JONES (PRESO) |
ASSUNTO: Penal - Leis Extravagantes - Crimes de Tráfico e Uso de Entorpecentes (Lei 6.368⁄76 e DL 78.992⁄76) - Tráfico - Internacional
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, com extensão aos corréus Enyinnaya Gabriel Ukandu e Richard Bryant, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ⁄SP), Nilson Naves e Paulo Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília, 03 de março de 2009
ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário
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