- Acórdão: Apelação Cível n. 2007.007252-1, de Natal.
- Relator: Des. Aderson Silvino.
- Data da decisão: 20.05.2008.
- Apelação Cível N° 2007.007252-1 - Natal/3ª Vara Cível Não Especializada
- Apelante: Francidaule Leite de Amorim e outro
- Advogado: José de Oliveira Barreto Júnior
- Apelada: Luzia Paiva Fernandes Amorim
- Advogada: Fagna Leiliane da Rocha
- Relator: Desembargador ADERSON SILVINO
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO CIVIL – AÇÃO DE USUCAPIÃO – PERMISSÃO DE USO – INEXISTÊNCIA DO ANIMUS DOMINI – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.208 DO CÓDIGO CIVIL – NÃO CONFIGURAÇÃO DA AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO – CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
– Não configura aquisição por usucapião a simples permissão de uso, onde inexiste o animus domini do possuidor em relação ao bem.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível, entre as partes em referência,
ACORDAM os Desembargadores da 2a Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em consonância com parecer da 6ª. Procuradoria de Justiça, em conhecer e negar provimento ao Recurso de Apelação Cível, mantendo-se a sentença proferida em primeira instância.
RELATÓRIO
Cuida-se de Apelação Cível interposta por FRANCIDAULE LEITE DE AMORIM e SEMÍRAMES CRISTINA FREIRE DE AMORIM, devidamente qualificados nos autos, através de advogado legalmente constituído, contra decisão prolatada pelo MM. Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Mossoró/RN, nos autos de Ação de Usucapião intentada em desfavor de FRANCISCO CARLOS DE AMORIM JÚNIOR e LUZIA PAIVA FERNANDES DE AMORIM.
Em sede de primeira instância, alegaram os Apelantes que são detentores da posse mansa, pacífica e ininterrupta, há mais de (10) dez anos, de um imóvel residencial encravado em terreno localizado na Av. Alberto Maranhão, n.º2806, Bom Jardim, Mossoró-RN. Asseveraram ter adquirido o referido bem do Sr. Julimar Félix da Silva. Requereram aditamento à inicial, o reconhecimento do usucapião e a transferência da propriedade para si, posto que atualmente encontra-se registrada em nome dos apelados.
Juntaram aos autos documentos de fls. 15 a 23.
Ao ofertar contestação (fls. 53 a 66), rechaçou a Apelada os argumentos trazidos na inicial, asseverando que a permanência dos apelantes na posse se deu por pura permissão e tolerância sua e de seu esposo à época.
O Ministério Público, atuando em primeira instância, em parecer ofertado às fls. 251 a 255, opinou pela improcedência do pedido.
Ao proferir seu decisum (fls. 259 a 266), entendeu o Juízo a quo, julgar “IMPROCEDENTE a postulação de reconhecimento da prescrição aquisitiva em favor de FRANCIDAULE LEITE DE AMORIM e SEMÍRAMES CRISTINA FREIRE DE AMORIM – regularmente individualizados – sobre o imível urbano situado à Av. Alberto Maranhão. 2.806, bairro Bom Jardim, nesta cidade de Mossoró – RN,...”
Em suas razões recursais, afirmaram os apelantes que merece reforma a decisão do Juízo singular, pois, no caso, estão presentes os requisitos caracterizadores da posse mansa, pacífica, pública e contínua, de modo a declarar a propriedade dos recorrentes bem sobre o imóvel objeto do litígio.
Ao oferecer suas contra-razões a apelada rechaçou todos os argumentos do recurso, requerendo a ratificação da sentença guerreada em todos os seus termos.
Instado a se pronunciar, o Ministério Público, em parecer exarado pela 6ª Procuradoria de Justiça, opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.
É o que se faz necessário relatar.
VOTO
Recurso bem processado, dele conheço.
Para o melhor deslinde da questão, cumpre lembrar que, para que se configure o direito do possuidor adquirir o bem através de usucapião, há que, necessariamente, encontrar-se presente o que a doutrina civilista denomina animus domini.
Com efeito, o possuidor do imóvel, além de mantê-lo sob seu domínio, deve tê-lo na certeza de que este lhe pertence, sem qualquer fator que ameace sua confiança na posse.
Acerca do assunto, leciona o douto Sílvio de Salvo Venosa que:
"Quando examinamos a posse, deve ser levada em conta sua natureza. Há modalidades de posse que não permitem a aquisição. O locatário ou o comodatário, por exemplo, que posse imediata, não possui com ânimo de dono. Somente poderá usucapir se houver modificação no ânimo da posse.” (VENOSA, Sílvio de Salvo – Direito Civil: Direitos Reais – 4ª. Ed. – São Paulo : Atlas, 2004)
Trazendo as lições acima transcritas ao caso em tela, observa-se que faltou aos Apelantes o ânimo de dono em sua posse, vez que, desde o início do apossamento, sabiam que o bem estava sendo cedido pela apelada e seu esposo para moradia deles, sem se tratar de doação ou venda.
Assim, o que houve, in casu, foi uma permissão de uso feita pelos proprietários aos apelantes, não sendo tal instituto capaz de configurar o usucapião durante sua vigência, por faltar nele requisito indispensável, que vem a ser o animus domini.
Outrossim, não há nos autos qualquer nota que comprove o interesse da apelada e/ou do seu esposo em ceder-lhes a propriedade do imóvel, pois, não houve qualquer menção à suposta doação.
Senão vejamos como vem se posicionando essa Egrégia Corte de Justiça acerca do tema:
“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL. DOCUMENTO NOVO. ADMISSIBILIDADE. USUCAPIÃO. DESNECESSIDADE DE PRESTAR CONTAS PELA EMPRESA DEMANDADA. AUSÊNCIA DO ANIMUS DOMINI. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIR. USUFRUTO EM FAVOR DE PESSOA JURÍDICA. EXTINÇÃO. INOCORRÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 741, CC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS IMPROVIDOS. 1. Preliminar:o Código de Processo Civil estatui que as questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior (CPC, art. 517). Preliminar de não conhecimento dos documentos rejeitada. 2. Mérito: a mera detenção do bem imóvel não é hábil para caracterizar o usucapião. Animus domini não configurado. 3.O usufruto condicionado à existência da pessoa jurídica, que é o usufrutuário da salina em questão, subsiste porque a própria empresa não se extinguiu, tendo sido apenas dissolvida parcialmente pelo fato natural decorrente da morte de um dos sócios. 4. O usufruto de bem imóvel constituído em prol de pessoa jurídica só vem a termo com a sua extinção, ou perdurando, com o decorrer do prazo de 100 (cem) anos em que se começou a exercê-lo. Inteligência do artigo 741, do Código Civil de 1916. Sentença mantida. 5. Recursos improvidos”. (TJRN – Ap. Civ. N. 2002.000704-3 - Rel. Des. Manoel dos Santos – 1ª. Câm. Cív. – Publ. 24/04/2004)
“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE A TÍTULO PRECÁRIO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. RECUSA EM RESTITUIR O IMÓVEL. ESBULHO CONFIGURADO. INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO AQUISITIVA POR USUCAPIÃO. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. INCABÍVEL FACE À AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DO PROPRIETÁRIO. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A apelante estabeleceu-se no imóvel em litígio por razões de cunho meramente empregatício, situação que se mantém até o presente momento, o que induz a precariedade de sua posse. 2. A recusa do possuidor a título precário em restituir o bem após regularmente notificado, configura ato esbulhatório, ensejando o manejo da ação possessória adequada. 3. O possuidor precário não faz jus à indenização por benfeitorias levantadas sem o consentimento expresso do proprietário. 4. Sentença confirmada. Recurso conhecido e improvido”. (TJRN – Ap. Cív. n. 2000.001581-4 – Rel. Des. Célia Smith – 2ª. Câm. Cív. – Publ. 30/04/2003)
Desta forma, forçoso se faz concluir a inexistência da configuração do usucapião requerido, posto encontrar-se ausente um dos seus essenciais requisitos.
Diante do exposto, em consonância com o parecer da 6ª. Procuradoria de Justiça, conheço e nego provimento ao presente recurso, mantendo a decisão proferida em primeira instância, em todos os seus termos.
É como voto.
Natal, 20 de maio de 2008.
Desembargador ADERSON SILVINO
Presidente/Relator
Doutor CARLOS AUGUSTO CAIO DOS S. FERNANDES
18º Procurador de Justiça
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