- Acórdão: Apelação Cível n. 70052706827, de Santa Cruz do Sul.
- Relator: Des. Eugênio Facchini Neto.
- Data da decisão: 07.02.2013.
EMENTA: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM. ESBULHO NÃO CARACTERIZADO. OBRA REALIZADA NO PRÉDIO SERVIENTE QUE NÃO INVIABILIZA O EXERCÍCIO DO DIREITO DOS AUTORES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Ainda que as obras realizadas no prédio serviente tenham alterado a configuração do trajeto da servidão de passagem, tal alteração não inviabilizou seu exercício. De acordo com o disposto no art. 1.384 do Código Civil, "a servidão pode ser removida, de um local para outro, pelo dono do prédio serviente e à sua custa, se em nada diminuir as vantagens do prédio dominante (...)". No caso em tela, o leve incômodo causado ao titular do prédio dominante, relativamente ao proveito que a obra trouxe ao prédio serviente, é de muito menor relevância, razão pela qual não prospera a irresignação dos autores.
APELAÇÃO CÍVEL
DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70052706827
COMARCA DE SANTA CRUZ DO SUL
JOSE HENRIQUE HECK
APELANTE
SONIA HELENA HECK
APELANTE
PEDRO LUIZ HECK
APELADO
MIRIA ELISABETH FURTADO HECK
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES.ª MYLENE MARIA MICHEL (PRESIDENTE E REVISORA) E DES. EDUARDO JOÃO LIMA COSTA.
Porto Alegre, 07 de fevereiro de 2013.
DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO,
Relator.
RELATÓRIO
DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO (RELATOR)
Para melhor compreensão do litígio, reproduzo o minucioso relatório sentencial:
"Trata-se de "ação de reintegração de posse com pedido liminar" ajuizada por José Henrique Heck e Sonia Helena Heck contra Pedro Luiz Heck e Miria Elisabeth Furtado Heck. Os autores alegaram que são donos de um imóvel que faz divisa com imóvel pertencente aos réus, sobre o qual existe uma servidão de passagem que lhes garante acesso à sua propriedade. Disseram que os demandados construíram uma cerca que acabou invadindo a servidão de passagem, impedindo que ela seja utilizada regularmente por eles. Argumentaram que essa servidão é a entrada principal para sua propriedade e que devido ao ato dos requeridos o imóvel ficou encravado. Em vista do esbulho praticado pelos réus, posturam a reintegração de posse sobre a servidão de passagem.
O pedido liminar restou indeferido pela decisão da fl. 51.
Citados, os réus apresentaram resposta na modalidade de contestação. Sustentaram "preliminarmente" a litigância de má-fé dos autores e, quanto ao mérito, aduziram que a construção da cerca não acarretou prejuízo à servidão de passagem, que continua existindo, porém com um desvio. Afirmaram que, além da servidão objeto do litígio, existem outras vias de acesso para a propriedade dos requerentes, não sendo verdadeira a alegação de que o imóvel ficou encravado.
Houve réplica (fls. 81).
Na sequência, o processo foi instruído com prova testemunhal e pericial, cujos laudos foram juntados nas fls. 171, 200 e 219, sobre os quais as partes se manifestaram."
A sentença julgou improcedente a ação.
Recorrem os autores. Apesar do longo e repetitivo arrazoado, substancialmente insistem em sua pretensão, alegando que a obra realizada impede a continuação do exercício do direito de servidão, impossibilitando que o autor varão se utilize daquele espaço para estacionar sua carreta, como antigamente fazia.
Os recorridos ofereceram contrarrazões, defendendo a manutenção da sentença.
É o relatório.
VOTOS
DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO (RELATOR)
Eminentes colegas. Tenho que a sentença do eminente colega André Luis de Moraes Pinto deve ser integralmente mantida, por seus fundamentos, uma vez que fez uma precisa e correta análise da prova produzida e deu ao litígio o correto desfecho.
De fato, os requeridos não negaram a antiga existência de servidão de passagem ao lado de sua residência. Tal aspecto igualmente restou comprovado pela prova produzida, pericial e testemunhal.
O laudo pericial de fls. 171 a 182 bem esclarece a questão. Ao lado da residência dos requeridos havia uma trilha que servia de passagem ao imóvel dos autores. Tal trilha já não mais era utilizada há algum tempo como passagem, em razão da queda de um pontilhão existente nos fundos do terreno dos requeridos, ao que tudo indica em 2007, que até hoje não foi reconstruído. Mas, ao que tudo indica, o autor varão, na verdade, utilizava aquele espaço para deixar estacionado sua carreta (a prova testemunhal esclareceu que autor e réu são irmãos e ambos são caminhoneiros).
Bem apanhou o julgador originário que, na verdade, essa alegação – uso da servidão não como passagem, mas como estacionamento – não integrou o pedido inicial, tendo sido formulada apenas após a estabilização da demanda, razão pela qual não deveria ser levada em consideração. Tecnicamente, tem razão o magistrado, razão pela qual sua sentença pode e deve ser integralmente mantida. Todavia, como os apelantes insistem nessa questão – do uso da carreta, resolvo enfrentá-la, a fim de mostrar que, mesmo assim, o juízo de improcedência se impõe.
O laudo pericial demonstrou concludentemente que as obras realizadas pelos requeridos apenas alteraram o percurso da servidão, mas de forma alguma a inviabilizaram. As fotos de fls. 105 a 109 mostram que é perfeitamente possível a utilização da servidão, inclusive para passagem de carreta, como é mostrado especificamente nas fotos de fls. 106/109.
Considerando que a passagem não é utilizada como tal, em razão de sua interrupção pela queda do pontilhão, não calha o argumento de que, com uma carreta ali estacionada fica inviável a passagem de um veículo ao lado. Isso porque nenhum veículo passaria por ali, em razão do trecho não ter seguimento. Assim, pode o autor varão continuar utilizando o amplo espaço ali existente, estacionando seu caminhão, sem qualquer prejuízo.
Note-se que a conduta dos requeridos, ao fazer a obra apontada na inicial, não é ilegal, nem abusiva, pois o art. 1.384 do Código Civil refere que "a servidão pode ser removida, de um local para outro, pelo dono do prédio serviente e à sua custa, se em nada diminuir as vantagens do prédio dominante, ou pelo dono deste e à sua custa, se houver considerável incremento da utilidade e não prejudicar o prédio serviente." Constata-se, assim, havia base legal para as obras referidas, em razão dos motivos alegados – ampliação da segurança de sua residência, com dificultação do acesso à mesma. Tais obras não impediram ou dificultaram desarrazoadamente o exercício do direito de passagem dos autores.
De ser referido, também, que tal situação pode perfeitamente ser acomodada entre as partes, especialmente por serem irmãos e colegas de profissão, com um mínimo de compreensão para as necessidades um do outro. Se quisessem exercer direitos de forma inflexível – e potencialmente de forma abusiva – bem que os requeridos poderiam invocar o fato de que a servidão fora constituída para passagem, não para estacionamento, que é muito mais gravosa e onerosa do que aquela. Tal circunstância está a demonstrar que o melhor que as partes devem fazer é aceitar a situação atual, que preserva suficientemente os interesses de ambas.
Voto, pois, por NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES.ª MYLENE MARIA MICHEL (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. EDUARDO JOÃO LIMA COSTA - De acordo com o(a) Relator(a).
DES.ª MYLENE MARIA MICHEL - Presidente - Apelação Cível nº 70052706827, Comarca de Santa Cruz do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. "
Julgador(a) de 1º Grau: ANDRE LUIS DE MORAES PINTO
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