Sob o impacto de duas mortes e a celebração de duas alegrias irrompeu este escrito na sua primeira versão.
Agora, ao me debruçar sobre essa versão, à primeira vista transitória, percebo que há um quê de permanente nela, pelas seguintes razões:
a) defendo que foi uma ótima ideia permitir o desconto, no imposto de renda, de salários pagos a empregados domésticos;
b) sugiro que um pesquisador no futuro resgate a história da imprensa interiorana;
c) apoio o reconhecimento do direito de voto para os presos;
d) exalto pessoas que merecem ser exaltadas.
Vejamos a explicitação de tudo isto na nova versão do texto original.
Alegrias e tristezas fazem mesmo o fluxo da vida. Não se pode fugir dessa contradição. Esses sentimentos díspares frequentam nossa alma.
Encheu-me de alegria saber que uma ideia que defendemos em “A Gazeta”, de Vitória (18/10/2002), estava para ser transformada em lei, o que realmente veio a ocorrer. Trata-se de possibilitar ao contribuinte do imposto de renda o direito de deduzir, na declaração, os salários pagos a empregados domésticos. A cláusula tem a finalidade de incentivar a contratação de trabalhadores domésticos com carteira assinada.
Segundo declarou o secretário da Receita Federal, naquela oportunidade, essa dedução seria uma afronta à Matemática.
Ao ler esse pronunciamento, escrevi textualmente: desde quando devemos ser governados pela Matemática?
Certamente foi por razões idênticas, de zelo pela Matemática, que governantes pretéritos aboliram a possibilidade de deduzir no imposto de renda o que se gasta comprando livros.
Salvou-se a Matemática, prejudicou-se a Cultura.
Feriu-me de grande tristeza a notícia do falecimento do Jornalista Joel Pinto, em Cachoeiro de Itapemirim. Joel Pinto foi um símbolo da imprensa em minha terra natal. Desde a juventude, fez-se jornalista profissional, o que é uma façanha numa cidade do interior. Quanta persistência e criatividade essa opção de vida exigiu! A paixão de Joel era pelo jornal, o texto escrito, o cheiro de tinta. Interessou-se pouco pelo rádio e não se aproximou da televisão. Além dos jornais que criou, sempre apoiou os jornais que surgiam por iniciativa de outros. Algum dia um pesquisador cuidadoso haverá de resgatar a saga gloriosa percorrida pela imprensa no interior do Brasil.
No entrelace da tristeza, uma outra alegria veio, por motivo de natureza semelhante ao da primeira alegria relatada: o reconhecimento do direito de voto em favor do preso.
Escrevemos no Jornal do Brasil, em dez de abril de 1998: “Já é pena mais que gravosa retirar de alguém a liberdade de ir e vir através do encarceramento. A supressão dos direitos políticos, excluindo da cidadania o indivíduo preso, marginaliza ainda mais o condenado, dificultando sua ressocialização.”
Por duas vezes, batemos às portas do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, em nome da Pastoral Carcerária, pleiteando o “direito de voto” para os presos, através de habeas-corpus. Uma vez, antes da Constituição de 1988, com base simplesmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Outra vez, após a promulgação da Constituição. Infelizmente, nem antes, nem depois, a Justiça acudiu nosso apelo.
E finalmente mais uma tristeza, mais uma perda, também em Cachoeiro. Faleceu José Soares, serventuário da Justiça, uma pessoa permanentemente disponível para o serviço ao próximo e para colaborar com todas as iniciativas de interesse coletivo. Começou a vida modestamente, foi funcionário de portaria da Escola de Comércio local. Sempre se orgulhou de sua origem humilde. Cidadãos como José Soares existem pelo Brasil afora mas nem sempre são valorizados e reconhecidos. Exalta-se a fama, como se a fama, por si só, fosse uma virtude. Não se cogita de saber por quais caminhos a fama foi alcançada. Obscurece-se o verdadeiro mérito, que é a dignidade, a honestidade, o trabalho, a capacidade de servir ao próximo sem propaganda e ostentação. José Soares foi um homem exemplar, padrão de Cidadania.
Precisa estar logado para fazer comentários.