Temos assistido diariamente a inúmeros noticiários sobre a violência contra a mulher, mais, especificamente, a violência doméstica familiar. A violência doméstica é um problema sempre presente nas relações humanas e diz respeito à sociedade como um todo.
Ultimamente, fiquei estarrecida, sem acreditar que, em nossos dias, existem mulheres que aceitam passivamente serem violentadas, pois, assim também o foi com sua mãe e sua avó e homens que dizem que seu pai, seu avô eram violentos e assim o fazem por acreditar que isto é o certo.
Mulheres, nós somos criadas para sermos amadas, aliás, como todo ser humano e não para sermos agredidas e humilhadas.
São tantos os casos de violência que este tema também passou a fazer parte da novela “Fina Estampa”, em que a personagem Celeste de tantas agressões que sofrera utiliza-se da Lei Maria da Penha e manda o agressor, seu marido, para a prisão.
A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, ficou conhecida como Lei Maria da Penha em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de violência doméstica pelo seu então marido Marco Antonio Heredia Viveiros, professor universitário, que lhe deu um tiro enquanto dormia. Ficou paraplégica. Após este episódio continuou a sofrer novas agressões, mesmo presa a uma cadeira de rodas, culminando com uma tentativa de assassinato. Enfim, depois de muita batalha em busca de justiça e segurança, finalmente seu ex-marido foi julgado e condenado a 15 anos de prisão, ficando preso por dois anos em regime fechado.
Em razão destes acontecimentos, o Centro pela Justiça do Direito Internacional e Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher, juntamente com a vítima Maria da Penha, formalizaram uma denúncia junto a Comissão Internacional de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), órgão internacional responsável pelo processamento de comunicações decorrentes de violação de acordos internacionais. Assim, houve repercussão do caso em nível internacional.
A proposta formulada sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as mulheres, do Governo Federal, foi encaminhada ao Congresso Nacional. Após a confecção de um substitutivo foi o projeto de lei aprovado por unanimidade.
A Lei Maria da Penha veio em socorro às mulheres que sofrem violência, física ou psicológica, prevendo mecanismos de proteção.
Ela tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher, independente de orientação sexual, isto é, pode tratar de relações entre pessoas do mesmo sexo.
Anteriormente, essas agressões domésticas eram da competência dos Juizados Especiais Criminais, onde se julgavam crimes de “menos potencial ofensivo” com pena máxima de 2 anos de reclusão. Como o próprio nome diz são juizados especialmente criados para as causas criminais, as demais questões cíveis a mulher teria que buscar nas Varas da Família.
Pela Lei Maria da Penha serão criados Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, abrangendo todas as questões. Aliás, muitos já foram instalados pelo País, como o de São Paulo que funciona como anexo da 8ª Vara Criminal do Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda.
Na sistemática anterior o agressor poderia ser punido com penas pecuniárias, como cestas básicas e multas. A nova lei proíbe a aplicação dessas penas.
Existe um capítulo específico prevendo procedimentos da autoridade policial, ao contrário do sistema anterior, onde a autoridade policial fazia um resumo dos fatos e registrava em um termo padrão igual a todos os casos atendidos.
A autoridade policial, de imediato, deverá ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência, tomar a representação a termo, colher todas as provas e remeter no prazo de 48 horas expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para concessão de medidas protetivas de urgência.
Deve, ainda, a autoridade policial determinar, entre outras providencias, que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames pericias necessários.
A mulher agredida deve receber proteção policial se necessário e ser acompanhada por policial para a retirada de seus pertences do local da ocorrência.
A mulher só pode desistir da denúncia perante o juiz, que marcará audiência para ouvi-la. Antes, a desistência era feita perante a autoridade policial, muitas vezes, pressionada pelo agressor. Não raras vezes, era a mulher que entregava agressor a intimação para comparecer às audiências, agora, proíbe que a mulher o faça.
Não era prevista a decretação da prisão preventiva, nem flagrante do agressor. Pela Lei Maria da Penha, há possibilidade de prisão preventiva ou em flagrante do agressor, dependendo dos riscos que a mulher corre. Ela deverá ser notificada quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor, aliás, deverá ser notificada de todos os atos processuais e terá que ser acompanhada por advogado, ou defensor público.
O interessante é que o juiz pode fixar liminarmente o limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas.
As visitas a dependentes menores podem sofrer restrições ou serem suspensas por determinação judicial.
Pode o juiz determinar ao agressor a prestação de alimentos provisórios.
O juiz, quando necessário, poderá encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, determinar a recondução da ofendida ao respectivo domicílio, após o afastamento do agressor e determinar a separação de corpos.
Para proteção patrimonial da ofendida o juiz poderá determinar, liminarmente, a restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor, proibição temporária de atos e contratos de compra e venda, suspensão de eventuais procurações outorgadas pela ofendida ao agressor, prestação de caução provisória por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência contra a ofendida.
Como se conclui, a lei vem socorrer a mulher agredida, dando-lhe suportes para o enfrentamento da questão.
Em que pese o brilhantismo de todos os envolvidos na Lei Maria da Penha, em que pese todos os esforços para proteção da mulher não conseguimos entender como a cada dia tomamos conhecimento de novas violências familiares e domésticas contra a mulher e muitas delas chegando a assassinatos.
A questão não é tão simples. Sentimos que a mulher se encontra, não raras vezes, muito acuada, ou por pressões familiares ou por pressões econômicas ou por medo de ter que encarar a vida por sua conta. Sabemos, também, que a busca por proteção policial, a busca por direitos é sobremaneira difícil em nossos dias. Porém, a mulher tem de ter fé, acreditar que pode mudar a sua vida e a de seus filhos. Interessante notar que, uma vez a mulher enfrentando firme a situação, o seu agressor passa a respeitá-la. Enfrentar com atitudes, denunciar as violências não só suas, mas as que tiver conhecimento. A mulher jamais deve deixar o seu marido agredi-la uma única vez, pois, esta será a primeira de muitas. Os assassinatos não acontecem de uma hora para outra, eles vêm se anunciando e a mulher pode evitar isso.
Por derradeiro, fica a pergunta: estamos aparelhados, nós, a sociedade como um todo para fornecer o devido respaldo à mulher como dispõe a Lei Maria da Penha?
SP, 3-11-11.
* Sócia fundadora da Harada Advogados Associados. Juíza arbitral pela Câmara do Mercosul. Membro do Instituto de Direito Comparado Brasil-Japão - IDCBJ - e do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos - Cepejur. Ex Inspetora Fiscal da Prefeitura de São Paulo.
Advogada em São Paulo. Sócia fundadora da Harada Advogados Associados. Juíza arbitral pela Câmara do Mercosul. Membro do Instituto de Direito Comparado Brasil-Japão e do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Site:www.haradaadvogados.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HARADA, Felícia Ayako. Lei Maria da Penha (Lei Nº 11.340/2006) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2011, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1059/lei-maria-da-penha-lei-no-11-340-2006. Acesso em: 23 nov 2024.
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