1- Introdução
A presente coluna tem como objetivo esclarecer se há acumulação indevida entre a percepção de pensão do serviço militar e o exercício de cargo público.
A presente coluna foi desenvolvida a partir de um caso concreto em que um empregado de uma empresa pública estava sendo alvo de sindicância perante o Exército Brasileiro, uma vez que é militar na reserva e técnico em pesca, portanto, na visão do Exército o mesmo estaria indevidamente acumulando funções públicas.
Em sua defesa, o técnico aduziu entender não haver acumulação indevida, pois o art. 57 da lei 6.880/80 (estatuto dos militares) prevê que o militar da reserva que recebe pensão, pode prestar serviços de caráter técnico, como seria o caso dos serviços que o mesmo desenvolvia na Empresa Pública.
2 – Da acumulação de cargos ou empregos públicos.
Cumpre ressaltar inicialmente que a Constituição da República, veda a acumulação de cargos públicos, exceto aqueles mencionados pelo seu texto no inciso XVI do art. 37, vejamos:
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
Dessa forma, percebe-se que as hipóteses de acumulação de cargos públicos são extremamente restritas, fazendo referência somente as hipóteses mencionadas acima.
2.2 Da Não Recepção do art. 57 da Lei 6.880/80 pela Constituição Federal
De fato o art. 57 da lei 6.880/80, menciona que não existe impossibilidade na acumulação de proventos por conta da inatividade militar e o cargo de técnico em pesca, vejamos:
Art. 57. Nos termos do §9º, do artigo 93, da Constituição, a proibição de acumular proventos de inatividade não se aplica aos militares da reserva remunerada e aos reformados quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados.
Entretanto, a norma contida neste dispositivo acima mencionado, não foi recepcionada pela Constituição de 1988. A teoria da recepção constitucional menciona que a Constituição é à base de validade jurídica das normas infraconstitucionais. Com o advento de uma nova Constituição as normas infraconstitucionais anteriores vigentes sob o império da antiga Constituição, se forem materialmente (o seu conteúdo) incompatíveis com esta nova Constituição, serão revogadas.
Por outro lado, aquelas normas infraconstitucionais anteriores materialmente compatíveis com a nova Constituição irão aderir ao novo ordenamento jurídico (isto é, serão recepcionadas) como se novas fossem porque terão como base de validade a atual Constituição (trata-se de uma ficção jurídica). Essa teoria é tradicionalmente admitida no direito brasileiro, independentemente de qualquer determinação expressa.
Entende-se que não houve recepção do referido art. 57 da lei 6.880/80, por conta da disposição expressa do §10º do art. 37 da Constituição Federal que dispõe:
§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (grifo nosso)
Dessa forma, percebe-se que o artigo da atual Constituição, não reproduziu o §9º da antiga Constituição, retirando do seu texto a expressão “ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados.”. Assim, constata-se que efetivamente não houve recepção da Constituição de 1988 ao texto da lei 6.880/80.
Portanto, a ressalva mencionada neste parágrafo, remete justamente ao inciso XVI do art. 37 mencionado anteriormente, ou seja, qualquer pessoa somente pode acumular cargos públicos desde que haja compatibilidade de horários ou se forem: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
3 – Da Conclusão
Por todo o exposto, evidenciado ficou que a a acumulação dos cargos pelo referido empregado é indevida, sendo que, em algum momento, o mesmo terá de escolher por qual dos dois empregos ficará recebendo seus vencimentos.
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