Recentemente, em uma surpreendente decisão, o plenário do Supremo Tribunal Federal referendou liminar deferida em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, para o efeito de suspender a vigência de várias expressões e artigos da Lei nº Lei 5.250/67, dos quais transcrevo na íntegra:
a) expressão “a espetáculos de diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem”, contida na parte inicial do § 2º do artigo 1º;
b) da íntegra dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 65;
c) da expressão “e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa”, constante da parte final do artigo 56;
d) dos §§ 3º e 6º do artigo 57;
e) dos §§ 1º e 2º do artigo 60;
f) da íntegra dos artigos 61, 62, 63 e 64; dos artigos 20, 21, 22 e 23; e dos artigos 51 e 52
A decisão do Supremo foi fundamentada no fato da Lei 5.250/67 foi concebida em uma era da ditadura militar, em um clima “antidemocrático”, estando em desconformidade com o sistema de valores e princípios constitucionais, ou seja, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
O Ministro Carlos Ayres Brito, aproveitou a ocasião para citar trecho de seus escritos, dispondo que:
[...] a Democracia é o princípio dos princípios da Constituição de 1988. Valor dos valores, ou valor-continente por excelência. Aquele que mais se faz presente na ontologia dos outros valores, repassando para eles a sua própria materialidade. Logo, o cântico dos cânticos ou a menina dos olhos da nossa Lei Fundamental, consubstanciando aquela espécie de fórmula política a que Pablo Lucas Verdu se refere com estas palavras: “fórmula política de uma Constituição é a expressão ideológica que organiza a convivência política em uma estrutura social” (apud Teoria da Constituição, Carlos Ayres Britto, Rio de Janeiro: Forense, 2006, pág. 169). (sic)
Em defesa da liberdade de imprensa, o Ministro utiliza para fundamentar sua decisão que:
[...] a Democracia de que trata a Constituição de 1988 é tanto indireta ou representativa (parágrafo único do art. 1º) quanto direta ou participativa (parte final do mesmo dispositivo), além de se traduzir num modelo de organização estatal que se apóia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência ou visibilidade do poder. Por isso que emerge da nossa Constituição a inviolabilidade da liberdade de expressão e de informação (incisos IV, V, IX e XXXIII do art. 5º) e todo um capítulo que é a mais nítida exaltação da liberdade de imprensa. Refiro-me ao Capítulo V, do Título VIII, que principia com os altissonantes enunciados de que: a) “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão nenhuma restrição, observado o disposto nesta Constituição” (art. 220); b) “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XV” (§ 1º do art. 220). Tudo a patentear que imprensa e Democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Uma a dizer para a outra, solene e agradecidamente, “eu sou quem sou para serdes vós quem sois” (verso colhido em Vicente Carvalho, no bojo do poema “Soneto da Mudança”). Por isso que, em nosso País, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja. (negritei)
Ocorre que esta decisão poderá colocar em xeque outros dispositivos legais, assim como ferir outros direitos previstos no texto da Constituição. É que a decisão suspende os artigos 20, 21 e 22, da Lei 5.250/67, que tratam dos crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria, respectivamente.
Ora, apesar da decisão ter sido proferida para suspender dispositivos da Lei nº 5.250/67, esta decisão certamente será utilizada pelos “operadores do direito” com o intuito de afastar a aplicação de outros dispositivos legais, relativos aos crimes contra a honra, visto que tais crimes, encontram tipificação no Código Penal ( art. 138, 139 e 140), no Código Eleitoral (arts. 324 a 326), no Código Penal Militar (arts. 214 a 219), e na Lei de Segurança Nacional (art. 26 da Lei 7.170/83), sendo que como bem já afirmou o Dr. Paulo Queiroz, “se tomarmos a sério e levarmos às últimas conseqüências a afirmação de que “a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”, conforme assinalou o ministro relator, o alcance da decisão será ainda mais radical, podendo atingir, em tese, até mesmo os crimes de desacato e ameaça, entre outras infrações penais”[1](negritei)
Ocorre que a Constituição Federal no passo em que garante a liberdade de expressão, também garante o direito à honra no seu art. 5º que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, senão vejamos:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (negritei);
Significa dizer que o homem tem direito de não ser ultrajado em sua honra, pois o seu patrimônio moral também é digno da proteção penal. Alem disso a Constituição Federal veda o anonimato dispondo que: é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, e ainda dispõe que: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (inc. IV e V do art. 5º da CF).
Tais dispositivos são suficientes para dizer que o legislador constituinte recepcionou os artigos da Lei nº 5.250/67, que tratam dos crimes contra a honra praticados por meio da imprensa, assim como os tipos penais que tutelam a honra da pessoa, previstos no Código Penal, no Código Eleitoral e no Código Penal Militar, pois do contrário como assegurar este direito à honra?
Essa afirmativa é tão verdadeira, que o próprio legislador constituinte, ao assegurar o direito à honra, preocupado em resguardar a responsabilidade penal de parlamentares por suas opiniões, palavras e votos, dispôs sobre a imunidade parlamentar, no art.53 da Carta Magna que: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Certamente se antecipando à possibilidade destas autoridades públicas praticarem crimes contra a honra.
Ressalte-se que os efeitos dos crimes contra a honra praticados por meio da imprensa são muito mais graves do que os efeitos dos crimes contra honra praticados entre pessoa a pessoa. Difamar alguém por meio da imprensa será mais prejudicial à vítima, visto que o crime chega ao conhecimento de um número maior de pessoas. Ora se assim é, não justificaria a permanência dos crimes contra a honra no Código Penal. Em outras palavras, se quero difamar, caluniar ou injuriar alguém, irei fazê-lo por meio da imprensa, pois assim sei que não estaria praticando crime.
Por outro lado, tal decisão pode vir a fomentar a prática de outros crimes, tais como lesões corporais ou até mesmo homicídio, pois é comum a ocorrência de crimes desta natureza, após alguém ter sido vítima de crime contra a honra, sendo que a partir do momento que não se considera mais crime injuriar, difamar ou caluniar alguém, visto que “o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”, as pessoas não medirão palavras para com os seus pares, sabendo que não há a cominação de uma sanção para estas condutas, restando a parte contrária, uma reação agressiva, tal qual vias de fato, lesão corporal e até mesmo o homicídio.
A honra do ser humano é tão importante, que o legislador ao tipificar o crime de homicídio, no art. 121 do Código Penal, dispôs sobre o homicídio privilegiado, que tem o condão de reduzir a pena de um sexto a um terço, conforme § 1º do art. 121, que dispõe: “Se o agente comete o crime (de homicídio) impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”.
Por fim, o engraçado é que o STF manteve o art. 24 da Lei nº 5.250/67, que trata dos crimes de calúnia, difamação e injuria contra os mortos.
Estas são minhas palavras em defesa da HONRA.
Nota: [1] QUEIROZ, Paulo. Direito à honra e liberdade de expressão: a propósito da recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Clubjus, Brasília-DF: 12 abr. 2008. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.17239>. Acesso em: 13 abr. 2008
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. Liberdade de expressão x direito à honra e a resposta do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2008, 18:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/121/liberdade-de-expressao-x-direito-a-honra-e-a-resposta-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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