Sumário: 1. Aspectos conceituais - 2. Os cartéis - 3. O monopólio - 4. O truste - 5. Órgãos de controle do abuso do poder econômico: CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica; - 6. A Lei Antitruste – 7. Infrações à lei - 8. O regulamento antidumping – 9. Críticas ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
1. Aspectos conceituais
Em 29.5.2012 entrou em vigor a Lei 12.529/2011, dispondo sobre o abuso do
poder econômico, trazendo consigo outros aspectos correlatos como a prática do dumping, os trustes e cartéis, concorrência desleal e outros temas do Direito da Propriedade Industrial. Pelas reações apresentadas por vários juristas, nota-se que está surgindo novo ramo do Direito Empresarial, desgarrando-se do Direito da Propriedade Industrial, com o nome de Direito Concorrencial. Alguns afirmam que o Direito Concorrencial é o nome no futuro do próprio Direito da Propriedade Industrial, ou seja, este mudou seu nome pela nova expressão que está surgindo.
Esse fenômeno é o resultado do realce constante que a concorrência, a luta pela conquista do mercado consumidor, está assumindo no mundo moderno. Esse novo ramo do direito tem íntima conexão com o direito público, mais precisamente com o Direito Econômico, porquanto a disputa pelo mercado está forçando intervenção do Poder Público para criar em por em prática os mecanismos necessários ao controle e defesa da disputa lícita e sadia entre as empresas na conquista do mercado.
Citando um exemplo bem sugestivo, podemos nos apegar à fusão, cisão ou aquisição de empresas, que eram até pouco tempo questão de Direito Societário, mas, hoje, assume aspectos políticos e econômicos importantíssimos afetando o equilíbrio empresarial e exigindo a intervenção governamental. Descreve-se hoje uma questão importante denominada ato de concentração, caracterizado como fator de domínio econômico de alguns poucos sobre a coletividade.
É o que se observa com o sistema bancário: o Brasil chegou a ter mais de 200 bancos em funcionamento, e hoje o sistema bancário está reduzido a dois, só admitindo além alguns bancos estrangeiros; pode-se dizer que no Brasil há mais bancos estrangeiros do que nacionais. Houve já 500 frigoríficos funcionando no Brasil, estando hoje reduzido a três, cujos donos ninguém sabe quem são. A indústria alimentícia, em que predominava a pequena e media empresa, está se concentrando em algumas poucas, consideradas estrangeiras. O Brasil criou inúmeras universidades, espalhadas por todo o território nacional; agora elas estão sendo absorvidas por outras, geralmente com propriedade de organizações estrangeiras.
O abuso do poder econômico praticado por uma empresa é uma forma mais radical de concorrência desleal praticada ela. Não se resume no desvio de clientela ou na confusão de produtos com os de empresa concorrente. O abuso do poder econômico visa a eliminar a concorrência, esmagando empresas que possam lhe fazer sombra e disputar mercado. A questão ultrapassa a competição entre empresas, transformando-se em questão de direito público, com largas implicações sociais, econômicas e políticas, razão pela qual se formou o Direito Econômico, criador e regulamentador dos mecanismos controladores do mercado consumidor, pelo Poder Público. Importantes leis a esse respeito surgiram em 1962, pela Lei 4131/62, que estabeleceu o regime jurídico do capital estrangeiro no Brasil e a Lei 4137/62 sobre a repressão ao abuso do poder econômico. Merecem ainda citação especial as recentes leis, como o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a lei que dispõe sobre a repressão de infrações atentatórias contra os direitos do consumidor (Lei 8.001/90), e a Lei 8.158/91, que institui normas para a defesa da concorrência.
O abuso do poder econômico pelas empresas é questão, não apenas de Direito Econômico, mas também de Direito Empresarial, por zelar pelo sadio relacionamento entre empresas, evitando entre elas uma competição ruinosa, que possa levar ao canibalismo empresarial, com as grandes engolindo as médias e estas as pequenas. O açambarcamento dos mercados consumidores por algumas empresas atenta contra o liberalismo econômico e provocará reações desfavoráveis das empresas coagidas. Essa ação deletéria, quase sempre, envolve suborno de autoridades públicas, ou a manipulação de órgãos públicos.
De certa maneira, o abuso do poder econômico constitui também uma forma de concorrência desleal, visto que visa a prejudicar empresas concorrentes e manipular a clientela de determinado segmento do mercado. Nessas condições, a Lei 4.137/62 previu mais de dois tipos de concorrência desleal. Um deles é a exigência de exclusividade para a propaganda publicitária. Não ficou plenamente estabelecido o sentido dessa disposição, mas, por princípio, toda exigência de exclusividade implica em repulsa à livre concorrência. É a hipótese de uma empresa distribuidora que pretenda ser a única em dar publicidade à sua atividade de distribuição de determinados produtos; deixa manietadas todas as empresas concorrentes. O segundo tipo de concorrência desleal é a combinação prévia de preços ou ajuste de vantagens na concorrência pública ou administrativa. Essa prática é muito comum, em que uma empresa combina com outra para oferecer preços baixos numa licitação, para dividir os serviços.
2. Os cartéis
Uma das formas de dominação do mercado, com a eliminação parcial da concorrência é o cartel. Consiste no ajuste entre algumas empresas do universo de determinado segmento do mercado, retalhando-o entre elas e deixando as migalhas para as empresas concorrentes. É o que acontece com vários ramos da atividade empresarial brasileira, como o de cervejas, de cimento, de leite e laticínios, de cimento-amianto e outros. Exemplifiquemos o cartel com a hipótese da indústria e comercialização de um determinado produto, para o qual existem quinze empresas produtoras. As duas principais, entretanto fazem um pacto, dividindo o mercado brasileiro em 45% para cada uma, sobrando 10% para as outras treze concorrentes; se uma dessas treze ameaçar romper a barreira dos 10%, o cartel baixa o preço dos produtos, estrangulando a empresa que ousou dar passos além dos permitidos pelo cartel.
As funções do cartel são profundas, entre as quais se incluem a regulação da produção, o controle do mercado, a fixação de preços e a manipulação da concorrência. A consequência natural do cartel é a oscilação de preços; se a concorrência minoritária começa a ampliar sua participação no mercado, a minoria de empresas constitutivas do cartel diminuem artificialmente os preços, levando empresas menores à ruína; quando essa minoria tiver se assenhoreado seguramente do mercado, aumenta o preço de seu produto, não deixando alternativa aos competidores.
O cartel pode ser constituído também de países ou empresas com apoio de países. Afirmam alguns historiadores que as duas guerras do último século (1914-1918 e 1939-1945) têm suas causas ligadas a cartéis de empresas poderosas. Como exemplo o cartel constituído de países, pode ser indicada a OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo, em que os principais produtores regulam a extração de petróleo, impõem preço e retalham o mercado consumidor, tomam represálias contra países que rompem suas diretrizes, como aumento ou diminuição de preço ou extração de petróleo acima dos limites fixados pela OPEP.
A ilegalidade da formação de cartéis no Brasil foi apontada no art. 2° da Lei 4.137/62, como uma das modalidades de abuso do poder econômico: dominar mercados nacionais ou eliminar parcialmente a concorrência, e, se diminui a participação da concorrência, desaparecem os efeitos da oferta e da procura, propiciando às empresas mantenedoras do cartel imporem seu preço. Essa capitulação do cartel como infração ao direito, à lei e à ordem econômica foi ratificada pela Lei 8.158/91, que institui normas para a defesa da concorrência,
3. O monopólio
O monopólio é uma forma de dominação do mercado mais avançada do que o cartel; enquanto este procura a eliminação parcial da concorrência, aquele visa à dominação total. Aliás, o próprio termo: mono (um) e pólio (vender) esclarece a pretensão da empresa monopolista à exclusividade. Nem sempre o monopólio é ilegal, por ser constituído pelo Estado, embora essa prática seja condenada pelos princípios do liberalismo. É o que ocorre com o monopólio estatal do petróleo, adotado pelo Brasil. Contudo, muitas vezes, o Estado transfere a atividade monopolizadora a empresas privadas, como acontece com a mineração. Assim sendo, uma empresa exerce um monopólio, concedido pelo Poder Público.
Há, entretanto, o monopólio de fato, artificialmente constituído por uma empresa para assenhorar-se do mercado consumidor. As formas pelas quais se constitui um monopólio são as mesmas do cartel, tal qual prevê o art. 2° da Lei 4137/62. Considera-se forma de abuso do poder econômico dominar os mercados nacionais ou eliminar totalmente a concorrência, por meio de ajuste ou acordo com outras empresas ou entre pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas no objeto de suas atividades, aquisição de acervos de empresas ou de cotas, ações, títulos ou direitos. Como também a coalisão, incorporação, fusão, integração ou qualquer outra forma de concentração de empresas; concentração de ações, títulos, cotas ou direitos em poder de uma só empresa; acumulação de direção, administração ou gerência de mais de uma empresa; criação de dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresas concorrentes. Pelo que se nota, a empresa monopolista vai eliminando as empresas concorrentes, comprando-as, ou, então, impede que novas surjam.
Os efeitos do monopólio também são parecidos com os do cartel. Ao ver-se como a única atendente à clientela dos produtos de sua fabricação, a monopolista manipula livremente o preço, de tal forma que a clientela irá se ver na alternativa de pagar o preço ou privar-se dos produtos. Diga-se, a propósito, que o inciso II do art. 2° deixa bem claro as consequências e o objetivo da formação do monopólio:
“Elevar sem justa causa os preços, nos casos de monopólio natural ou de fato, com o objetivo de aumentar arbitrariamente os lucros sem aumentar a produção”.
O inciso III pormenoriza esse esquema, incluindo como abuso do poder econômico provocar condições monopolizadoras ou exercer especulação abusiva com o fim de promover a elevação temporária de preços. Para esse objetivo, age com a destruição ou inutilização por ato próprio ou de terceiros, de bens de produção ou de consumo; açambarca mercadorias ou matéria-prima; retém-na, em condições de provocar escassez de bens de produção ou de consumo; utiliza-se de meios artificiais para provocar a oscilação de preços em detrimento de empresas concorrentes ou de vendedores de matérias-primas.
É sempre contra a clientela que recai a consequência do monopólio, uma vez que o fornecedor dela adquire influência e poder sobre o preço das mercadorias colocadas no mercado consumidor. Segundo o art. 5°, entendem-se por condições monopolistas aquelas em que uma empresa ou grupo de empresas controla em tal grau a produção, distribuição, prestação ou venda de determinado bem ou serviço, que passa a exercer influência preponderante sobre os respectivos preços. E se uma empresa tem domínio sobre os preços, fatalmente aumentará seus lucros, em detrimento de sua clientela. O ativo de uma empresa é o passivo de sua clientela; se um aumenta, o outro também aumenta.
Por essa razão, a lei impõe obrigações à empresa monopolista de submeter-se a controle no aumento de preços, que é feito pelo órgão específico, o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Essa obrigação fica claramente estabelecida pela lei, pois quando em relação a uma empresa exista um restrito número de empresas que não tenham condições de lhe fazer concorrência num determinado ramo de negócio ou de prestação de serviços, ficará aquela obrigada à comprovação do custo de sua produção, se houver indícios veementes de que impõe preços excessivos.
4. O truste
Esta palavra de origem inglesa (trust) é por demais utilizada, principalmente com conotações políticas e emocionais, embora de forma muito genérica, dando a impressão de que o termo é utilizado sem que se compreenda o sentido. Vamos primeiro considerar o truste como forma de abuso do poder econômico, para depois entrarmos no sentido técnico jurídico do termo. Considera-se truste a empresa que assume posição de tal proeminência, que seu poder altera o ritmo da produção nacional e a flutuação de preço no mercado. A empresa-truste poderá ser monopolista ou fazer parte de cartel. Tem a empresa desse tipo, influência política, alterando a política econômica do país. Essa é a razão por que é tão cogitado o truste. Nesse aspecto o termo inglês “trust” é traduzido por “poder” ou “monopólio”.
Todavia, não é esse o seu exato sentido. O sentido gramatical é: confiança, crédito, fidúcia. No direito norte-americano e internacional, entretanto, aplica-se com vários sentidos, a maioria em institutos jurídicos em que a confiança, crédito ou fidúcia estejam presentes, como no depósito, no negócio fiduciário, no fideicomisso. A aplicação mais comum desse termo é encontrada no Direito Societário, com o instituto do “voting trust”, aplicado na S/A (corporation). Consiste no fundo de ações com direito a voto, pertencentes a vários acionistas, mas esses acionistas delegam seu voto a um deles, o “trustee”, para que esse grupo de acionistas exerça o controle da companhia graças aos votos. O “voting trust” adquire, então, o poder dentro da companhia. Talvez por essa razão, a palavra truste tenha adquirido o significado de poder, de domínio.
O “trust” também é fideicomisso, que no direito norte-americano tem o mesmo sentido do Brasil. É aplicável no Direito das Sucessões. Nota-se que nesse instituto está presente a confiança, segundo a própria origem etimológica, do latim: fideicommitere: confiar a alguém, entregar em confiança. O fideicomisso é a estipulação testamentária em que o “de cujus” constitui alguém como herdeiro, o fideicomissário (trustee). Este, porém, fica obrigado a transferir depois a herança a outros herdeiros. É, pois, operação em favor de pessoa merecedora de confiança, que enfeixa em suas mãos os poderes de administração dos bens da herança. Surge, pois, a aquisição do poder de administração, o que pode justificar a adoção do termo “trust” para designar uma empresa de grande porte.
Assim sendo, o truste passou a designar, entre nós, a empresa com as seguintes características:
a – desfrutar de grande poder político e econômico;
b – poder manipular os preços e o mercado consumidor;
c – poder de eliminar ou abater a concorrência; assumindo o monopólio ou
estabelecendo cartéis com outros trustes;
d – exercer as diversas formas de abuso do poder econômico.
5. O órgão de controle do abuso do poder econômico:
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
O CADE tem a função primordial de combater o abuso do poder econômico, praticado por empresas que utilizem processos ilegais de domínio excessivo do mercado, eliminando a concorrência, com vistas ao estabelecimento arbitrário de preços. Procura proteger a livre iniciativa e a livre concorrência, ombreando-se com as empresas pressionadas, que necessitam de um poder paralelo para fazer frente às concorrentes, economicamente mais poderosas, principalmente os trustes, cartéis e monopólios.
É órgão da administração pública federal, sediado em Brasília, transformado em autarquia. Procura fiscalizar e averiguar a incidência de abuso do poder econômico e, constatando irregularidades, instaurar inquérito administrativo para apurar e reprimir os abusos; cabe-lhe aplicar sanções às empresas infratoras e requerer medidas junto a órgãos públicos. Esse órgão foi instituído pela própria Lei 4137/62 e passou a ser autarquia federal.
5.1. SG-Superintendência-Geral
É órgão formado pelo Secretário-Geral, indicado pelo Presidente da República e aprovado pelo Senado, e por dois supervisores auxiliares indicados pelo Secretário-Geral. Tem poder para investigar, monitorar, processar e decidir sobre imposição de multas. Poderá pedir informações a empresas sobre a prática de atividades anticompetitivas, e instaurar inquéritos administrativos a respeito de desvios de comportamento empresarial. Analisa e profere decisões e atos de concentração, e sugere a assinatura de acordos entre as partes e o CADE, e adota medidas judiciais para dar eficácia às decisões deste órgão.
O CADE tem várias funções, mas as principais são as de controle da ordem econômica e as judicantes, destinadas a julgar as infrações da ordem econômica, praticadas por empresas. Segundo a lei, não só empresas, mas pessoas jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob monopólio legal.
Na verdade, porém, o infrator da ordem econômica é teoricamente a empresa, pois, só ela tem interesse. É possível que pessoas físicas, agências de propaganda, empresários, órgãos de comunicações, associações, ou outras pessoas, participem das infrações, mas a serviço de empresas concorrentes. As vítimas diretas são também empresas concorrentes, enquanto a vítima indireta e mediata seja a coletividade, a massa dos consumidores, enfim o mercado consumidor. Aliás, a própria lei diz que as diversas formas de infração da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade de seus dirigentes ou administradores, solidariamente.
Serão também solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato e de direito, que praticarem infração da ordem econômica. Ao falar em administradores, a Lei não esclarece se está se referindo aos membros do Conselho de Administração de uma S/A ou essa denominação compreende também os gerentes da empresa infratora. A repressão das infrações da ordem econômica não exclui a punição de outros ilícitos previstos em lei. Assim sendo, é possível que um empresário ou administrador seja processado perante o CADE, por infração da Lei Antitruste e na Justiça Criminal por infração do Código Penal.
Para muitos juristas, nota-se o surgimento de esperança nova a respeito do abuso do poder econômico e da maior segurança da concorrência em geral, mas especialmente da concorrência empresarial na disputa do mercado consumidor. É o que se vê em alguns artigos publicados pela imprensa, como: Nova era da defesa da concorrência, de autoria de autoridades neste assunto. Espera-se também que surjam novas portarias e instruções emanadas de órgãos públicos, notadamente do próprio CADE, uma vez que a Lei 12.529/2001 só adquiriu eficácia em 29.5.2012, por ter surgido com vacatio legis de 180 dias.
O CADE teve sua estrutura modificada, ao ser dividido na SG-Superintendência Geral, no DEE-Departamento de Estudos Econômicos, e no TADE-Tribunal Administrativo de Defesa Econômica. Os antigos órgãos, criados pela Lei 8.884/94 foram absorvidos pelos novos, razão pela qual as disposições deles permanecem em vigor, em sua maioria. Embora não se espere para breve um sistema novo, alguns já consideram como nova fase: a da lei 12.529/11, ficando para trás duas fases anteriores, a primeira criada pela Lei 4.137/62, que criou o CADE; a segunda surgida com a Lei 8.884/94, que transformou o CADE numa autarquia, dando-lhe mais poderes. Interessante é notar que a Lei 8.884/94 não foi revogada, mas apenas derrogada, isto é modificada.
5.1. TADE-Tribunal Administrativo de Defesa Econômica
O TADE é um tribunal composto por seis conselheiros indicados pelo Presidente da República e aprovado pelo Senado, com quatro anos de mandato. Ele deverá proferir a decisão final nas investigações antitruste e nos atos de concentração analisados pela
Superintendência Geral; e, portanto, a última instância dentro da estrutura do CADE. Aprova acordos entre partes e o CADE e analisa medidas preliminares tomadas pela Superintendência Geral. Para o exercício de seu mister ele pode propor a outros órgãos públicos algumas medidas referentes à aplicação da Lei antitruste, e também pedir relatórios, diligências e análises e solicitar a qualquer órgão do
Governo ou pessoas privadas o fornecimento de informações sobre as questões investigadas.
5.3. DEE-Departamento de Estudos Econômicos
Este órgão há existia antes da Lei 12.529/11, mas teve com esta ampliação de poderes e sua importância realçada. O DEE encarrega-se da publicação de pareceres com análises econômicas, por iniciativa dele próprio, do TADE ou do Superintendente-Geral.
6. Infrações
A primeira infração é recusar a venda de mercadoria diretamente a quem se dispuser a adquiri-la, mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais. A empresa que agir dessa forma colaborará para banir do mercado consumidor outra empresa, em benefício das concorrentes desta. É o caso de uma empresa deixar de fornecer matéria-prima, faltante no mercado, a uma empresa, fornecendo-a às demais. Por princípio, desde que uma empresa ofereça seus produtos ao mercado, renuncia à escolha de seu oblato, desde que este atenda às condições da fornecedora. Outro caso de atentado à clientela é condicionar a venda de mercadoria ao seu transporte ou à prestação de serviço acessório, pelo próprio vendedor ou por terceiro que ele indicar ou contratar, quando o comprador se dispuser a transportá-lo por sua conta e risco. Quando o ponto de venda da mercadoria for distinto da fábrica, o frete a ser cobrado pelo transporte entre a fábrica e aquele ponto deverá estar sujeito a controle de preços da mesma forma que a mercadoria transportada, vedado qualquer acréscimo. Seria essa prática uma maneira de aumentar o preço combinado, ou forçar o comprador a aceitar um produto encalhado.
O art. 170 da Constituição afirma que a ordem econômica funda-se na livre iniciativa e observa os princípios da livre concorrência e defesa do consumidor. O respeito à clientela já era exigido de longa data e estava expresso na Constituição Federal. Nossa atual Carta Magna, de 1988, sintetizou a questão no parágrafo 4° do art. 173:
“A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
São os seguintes os tipos de abuso do poder econômico, ou crimes contra a concorrência:
a) a formação de cartéis e monopólios – Deverá o CADE evitar a formação de conglomerados ou grupos econômicos, que se constituem por meio de controle acionário direto ou indireto, bem como de estabelecimento de administração comum entre empresas, com vistas a inibir a concorrência; celebrar acordos com outras empresas do ramo para impor preços de aquisição ou revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas e margem de lucro, bem assim estabelecer preços mediante a utilização de meios artificiosos.
b) manipulação de preços – Prática de “dumping”, como a fixação de preços dos bens e serviços abaixo dos respectivos custos da produção, bem como a fixação artificial das quantidades vendidas ou produzidas; fixar ou praticar em conluio com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda ou prestação de serviços.
c) eliminação da concorrência – Cerceamento à entrada ou à existência de concorrente, seja no mercado local, regional ou nacional; criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresas; impedimento ao acesso dos concorrentes às fontes de insumos, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado.
d) controle do mercado – Exercer o controle regionalizado do mercado pela empresa ou por pequeno grupo de empresas, e da rede de distribuição ou de fornecimento; dividir os mercados de produtos acabados ou semiacabados, ou de serviços, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários; regular mercados mediante acordo visando a limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção e a distribuição de bens e serviços; subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; dificultar ou romper a continuidade de relações comerciais de prazo indeterminado, com o objetivo de dominar o mercado ou causar difícil - diz ao funcionamento de outra empresa.
Vê-se por esta lista, apenas exemplificativa, pois há várias outras modalidades de atentado à ordem econômica e de abuso do poder econômico, que toda essa ação de empresas infratoras visa à conquista de lucros excessivos. O combate à concorrência, a rasteira dada em todas as empresas que possam lhes fazer frente, o açambarcamento de mercadorias, o suborno de autoridades públicas e funcionários de outras empresas e todo o comportamento antissocial de uma empresa tem como fonte propulsora a ganância, a avidez de lucros acima da lei e das práticas normais da atividade empresarial.
6. A Lei Antitruste
A questão do abuso do poder econômico é bem recente e estabelecido principalmente pela Lei 8.884/94, portanto, uma lei hodierna. A legislação pertinente vem-se formando, contudo, há bastante tempo, sofrendo mesmo influência estrangeira, compreendendo a norte-americana. Os primeiros fundamentos dessa regulamentação começou em 1962, com a Lei 4.131/62, que instituiu o regime jurídico do capital estrangeiro. No mesmo ano promulgou-se a Lei 4.137/62 sobre a repressão ao abuso do poder econômico. Bem mais tarde surgiu a Lei 8.002/90, dispondo a respeito da repressão de infrações atentatórias contra os direitos do consumidor. No ano seguinte, a Lei 8.158/91 estabeleceu normas para a defesa da livre concorrência, confirmando tudo o que dispunha a Lei 4.137/62 e criando a Secretaria Nacional de Direito Econômico – SNDE. Por fim, a Lei 8.884/94, veio revogar as três leis anteriores, mas incorporando suas disposições; esta, por sua vez, foi quase toda reformulada pela Lei 12.529/2011. Ficamos numa situação confusa: Qual será a Lei Antitruste? Para uns é a Lei 8.884/94; para outros é a Lei 12.529/11; para outros é a Lei 8.884/94, modificada pela Lei 12.529/11.
Vemos assim que foram revogadas as Leis 4.137/62, 8.002/90 e 8.158/91, mas não o direito que elas instituíram, porquanto suas disposições penetraram na lei revogadora, a Lei 8.884/94; esta sofreu a mesma revogação de artigos, que foram substituídos por artigos da Lei 12.529/2011, mas conservando a mesma estrutura. A Lei 8.884/94, porém, introduziu algumas modificações. Uma delas e parece ter sido seu principal objetivo, foi transformar o CADE numa autarquia, uma vez que era um órgão da administração direta. Consoante critérios do Direito Administrativo, autarquia é uma entidade paraestatal, um órgão criado pelo Poder Público por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprios, para executar atividades típicas da administração pública. A principal virtude de uma autarquia, como ficou o caso do CADE é de se constituir em um órgão da administração pública indireta, tendo maior autonomia e poderes. Passou, assim, a desfrutar de maior respeito por parte das empresas.
O aspecto principal dessa lei foi a conservação do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, criado pela Lei 4.137/62, mas transformou-o em autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal. O CADE é um conselho composto por um Presidente e seus conselheiros, escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado, com mandato de dois anos, permitida uma recondução. Esses cargos são de dedicação exclusiva, não se admitindo qualquer acumulação, salvo as constitucionalmente permitidas. A perda do mandato só pode ocorrer em virtude de decisão do Senado, provocada pelo Presidente da República ou, então, se eles tiverem condenação criminal. Não podem eles ser empresários ou consultor empresarial, nem exercer atividade político-partidária.
Com base na Lei 8.884/90 com modificações da Lei 12.529/2012, está se formando um novo ramo do Direito Empresarial, dentro do Direito da Propriedade Industrial, que se convencionou chamá-lo de Direito Concorrencial. Esse novo campo do direito incorpora os aspectos importantes e estratégicos das atividades empresariais, além da questão agora estudada, o abuso do poder econômico. Envolve muitos aspectos do Direito da Propriedade Industrial, como os crimes contra a propriedade intelectual da empresa, a tecnologia, o domínio do mercado, a sadia convivência entre as empresas, o direito autoral, a proteção à propriedade intelectual da empresa.
Essas questões foram realçando sua importância, em vista da nova dimensão assumida pelo Direito Empresarial no mundo moderno: a consideração do mercado consumidor de bens e serviços. Esse aspecto foi enfatizado pelo notável jurista Giuseppe Ferri, sucessor do genial Ascarelli na cátedra de Direito Comercial da Universidade de Roma, quando conceituou o Direito Comercial como o complexo de normas que regulam a organização e o exercício profissional de uma atividade intermediária dirigida à satisfação das necessidades do mercado geral. O consagrado mestre estendeu o significado do art. 2.082 do Código Civil italiano: ao falar em “produção e troca de bens e de serviços”, pretende dizer “satisfação do mercado consumidor”.
O abuso do poder econômico é uma forma de manipulação do mercado consumidor por uma ou algumas empresas, problema típico de Direito Concorrencial, já que visa a atingir empresas concorrentes. Será, pois, conveniente analisarmos devidamente o diploma básico do direito concorrencial brasileiro, a Lei 8.884/94, sucessora das leis anteriormente referidas. Esta Lei é complementada por outras, como o Código de Defesa do Consumidor e normas emanadas de diversos órgãos.
A legislação antitruste brasileira propõe-se a acionar os princípios já referidos no art. 170, § 4° da Constituição Federal: o da livre concorrência. Contudo, essa livre concorrência considerar-se-á afrontada se alguma empresa transgredir os bens intelectuais da empresa, realçados no art. 173, § 4°:
a) dominação dos mercados;
b) eliminação da concorrência;
c) aumento arbitrário dos lucros.
A Lei Antitruste dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão do abuso do poder econômico. Visa, assim, essa lei, a proteger os bens jurídicos, cujo titular é a coletividade, que será a prejudicada pela elevação de preços em decorrência da eliminação da concorrência. Respeita, ainda, essa lei, os tratados internacionais que o Brasil tenha celebrado ou venha a celebrar, a respeito do abuso do poder econômico pelas empresas nacionais e multinacionais, mormente os acordos celebrados no âmbito da OMC – Organização Mundial do Comércio, em que se transformou o antigo GATT – General Agreement on Tariffs and Trade.
Pelos comentários gerais, a modificação mais importante é a notificação prévia ao CADE de duas ou mais empresas que desejam fundir-se. Antes elas se fundiam e depois pediam aprovação do CADE, que consumia até anos para dar a aprovação, e, quando aprovava, impunha certas condições que desfaziam situações já consumadas. As fusões tronavam-se complicadas, como o caso da VARIG com a GOL, da SADIA com a Perdigão, e vários outros. Antes de 29.5.2012, quando terminou a vacatio legis da Lei 12/529/11, várias fusões foram pedidas ao CADE, pois assim o caso delas seria regido pelo regime antigo, que todos conheciam, para evitar o novo sistema criado pela Lei 12.529/11. Observou-se o velho ditado italiano: Chi lascia la strada vecchia per uma nuova, sa quella que lascia ma com sa quella che trova (Quem deixa a estrada antiga por uma nova sabe aquela que deixa mas não sabe aquela que encontra). Exemplo dessa iniciativa foi a fusão de duas empresas aéreas: a AZUL e a TRIP.
A “Disregard theory”
Outro aspecto interessante trazido pela nova Lei é a aplicação da “disregard theory” em questões relacionadas a infrações da ordem econômica. A personalidade jurídica da empresa responsável pela infração poderá ser desconsiderada quando houver da parte dela abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação do estatuto ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Esta é a segunda incidência da “disregard theory” (desconsideração da personalidade jurídica) da empresa, em nosso direito. A primeira foi estabelecida pelo Código Brasileiro do Consumidor, e dela já fizéramos considerações. A “disregard theory” implica a responsabilidade pessoal dos dirigentes de uma empresa por infrações que ela praticar contra a legislação repressora ao abuso do poder econômico. Embora o art. 15 de nosso Código Civil e o art. 37, § 6° da Constituição Federal discriminem a personalidade de uma pessoa jurídica, da personalidade das pessoas que a compõem, não julgamos que a nossa “Lei Antitruste” afronte o direito tradicional. A consideração da personalidade jurídica é uma norma geral, enquanto a desconsideração é norma especial, adotada por lei para uma finalidade específica.
7. Infrações da Lei
As infrações da ordem econômica tiveram, na legislação antitruste maior abrangência e minúcia, apontando 24 tipos de crimes, mas, em sentido geral, baseadas no art. 173, § 4° da Constituição Federal. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, embora não alcançados: – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
a) dominar mercado relevante de bens ou serviços;
b) aumentar arbitrariamente os lucros;
c) exercer de forma abusiva posição dominante.
Dominar o mercado relevante de bens ou serviços é a ambição natural de toda empresa e ser for ela bem administrada e dotada de tecnologia evoluída, tende a dominar o mercado consumidor e obter lucros elevados. Será considerado ilícito o domínio por processos proibidos na legislação nacional. Não caracteriza o ilícito o domínio e a conquista do mercado consumidor resultante de processo natural fundado na maior eficiência da empresa em relação aos seus competidores.
A posição dominante que uma empresa possa exercer também não é ilícita, mas a lei fala em “abusiva”. Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa. Essa posição dominante é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% do mercado relevante, podendo esse percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia. Por essa razão, o CADE não tem aprovado a aquisição de uma empresa por outra, consoante tem sido amplamente divulgada pelos órgãos de comunicação.
Os casos específicos de infração à ordem econômica formam uma lista apenas exemplificativa, não formando um “numerus clausus”, pois o extremo dinamismo do Direito Comercial e das atividades empresariais faz surgirem inúmeras formas de domínio de uma empresa sobre a outra.
A Lei evita falar em crimes, mas fala em infrações, diferente, então, do Código da Propriedade Industrial e do Código Penal, que denominam crimes contra a propriedade imaterial. O primeiro tipo de infração é a formação de cartéis: fixar ou praticar em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços; obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; dividir os mercados de serviços ou mercadorias, acabadas ou semiacabadas, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários. Todas essas práticas tendem a eliminar do mercado consumidor empresas concorrentes que não formem o cartel; congela a concorrência.
Outro conjunto de práticas abusivas é o das que tendam a limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado, ou criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de mercadorias ou de serviços. Não se trata de eliminar ou congelar empresas concorrentes, mas de impedir que novas empresas concorrentes venham a surgir, restringindo assim o mercado produtor.
Faz parte ainda da gama de infrações impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição: exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa. São duas ações desleais de sabotar o exercício das atividades empresariais por parte de empresas de comunicação, por se tornarem cúmplices das empresas infratoras.
O “dumping” foi mais claramente previsto pela moderna legislação antitruste, complementada pela Lei 9019 de 30.3.95, especificamente promulgada para esse fim. O “dumping” consiste em introduzir no mercado consumidor, produtos a preços bem abaixo dos preços praticados nesse mercado, visando a desbaratar os produtos concorrentes e criar condições favoráveis para elevar abusivamente os próprios preços. Nossa lei capitula como infrações a ação de vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo, importar quaisquer bens abaixo do custo no país exportador, que não seja signatário dos códigos “antidumping” e de subsídios da OMC (ex-GATT).
A Lei combate ainda os possíveis efeitos do “dumping” e de outras medidas desleais contra a concorrência. O efeito do sucesso de todas essas medidas é o de poder aumentar livremente o preço dos próprios produtos. O último inciso do art. 21, que capitula as infrações, veda a imposição de preços excessivos, ou o aumento, sem justa causa, do preço de mercadoria ou serviço. Na caracterização da imposição de preços, além de outras circunstâncias econômicas ou mercadológicas relevantes, levar-se-ão em conta vários outros fatores. Um deles é o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, sem justificação pelo comportamento do custo dos respectivos insumos, ou pela introdução de melhorias de qualidade. O segundo aspecto a ser considerado é ser lançado um produto sucedâneo de outro, sem alterações substanciais, com preço bem mais caro. Foi o que aconteceu quando foram congelados os preços de remédios; vários deles desapareceram do mercado, mas logo em seguida foram lançados outros sucedâneos, com fórmula semelhante, mas nomes diferentes e com preço bem superior. Será considerado, ainda, o preço de produtos e serviços similares; ou sua evolução, em mercados competitivos comparáveis, ou seja, um paralelo com a oscilação de preços de produtos semelhantes. Será levada em consideração, igualmente, a possível existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em majoração do preço de mercadoria ou serviço ou dos respectivos custos.
Constitui abuso do poder econômico combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência pública ou administrativa. Trata-se de conluio entre duas ou mais empresas, para fraudar uma licitação, apresentando uma proposta “encomendada”, fazendo com que propostas de outras empresas sejam arredadas.
Talvez a mais sugestiva e característica das infrações à Lei Antitruste seja a manipulação direta do mercado consumidor por uma empresa. Serve-se ela, para tanto, de meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros; não específica a lei quais seriam esses meios, mas existem inúmeros meios para provocar alta ou baixa de preços, como o próprio “dumping”. Consiste em regular mercados de mercadorias ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de mercadorias ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de mercadorias ou serviços ou à sua distribuição. Outra forma de regular mercados consiste em impor, na distribuição e comercialização de mercadorias ou serviços, a distribuidores, varejistas ou representantes, preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros. Casos como esses seriam uma indébita intromissão nas atividades privadas, vale dizer, de outras empresas, impondo-lhes condições coativas desfavoráveis.
Forma atentatória contra os requisitos do contrato de compra e venda, à lei da oferta e da procura e da liberdade dos mercados é a discriminação entre clientes. Por princípio geral, o vendedor renuncia à escolha de seus compradores ao colocar seus produtos no mercado consumidor, se todos aceitarem as condições de venda. Não pode a empresa ofertante discriminar adquirentes ou fornecedores de mercadorias ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda de mercadorias ou prestação se serviços, nem recusar a venda de bens ou serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes mercadológicos; ou, então, dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimentos de relações de consumo de tempo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições mercadológicas injustificáveis ou anticoncorrenciais. Constitui forma de comportamento antissocial, o “look out”, como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los e transportá-los; ou açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia; e abandonar, fazer abandonar ou destruir lavouras ou plantações, sem justa causa comprovada.
As sanções
A legislação antitruste mais moderna apertou o rigor da legislação anterior no tocante às penas aplicadas aos infratores de ordem econômica. No espírito da “disregard theory”, as sanções atingem tanto a empresa infratora como os empresários que a dirigem, bem como outras entidades de qualquer natureza, que participem das infrações previstas pela Lei. Fala ela em “responsáveis” pela prática de infração da ordem econômica e “administrador” da empresa, não esclarecendo se for membro do Conselho de Administração de uma S/A ou um gerente. Pelo espírito da lei, parece-nos que o “administrador” seja qualquer pessoa que ocupe posição gerencial de uma empresa e pratique atos em nome dela.
No caso do infrator ser uma empresa, há pena de 1% a 20% do valor do faturamento bruto no seu último exercício excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável. Para pessoas físicas a multa é de 10% a 50% da multa aplicada às empresas. Para o administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida pela empresa, a multa é de 10 a 50% do valor da que for aplicada à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva do administrador.
Quanto às demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como qualquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6.000 a 6.000.000 de UFIRs, ou padrão superveniente. Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. Essas disposições visam a incriminar os “terceiros” que tiverem envolvimento nos abusos do poder econômico por uma empresa.
Além dessas penalidades, quando se tratar de fatos graves ou interesse público geral ao exigir, poderão ser impostas à empresa infratora outras penas, isolada ou cumulativamente. Poderá ela ser obrigada a publicar às suas expensas, em jornal indicado na decisão, o extrato da decisão condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas.
Ficará ainda a empresa infratora proibida de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realizações de obras e serviços, concessão de serviços públicos, junto à administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como entidades da administração indireta, por prazo não inferior a cinco anos. Para ampliar ainda mais as restrições, estará sujeita a ser inscrita no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor.
É possível ainda a vedação para que seja concedido à empresa infratora o parcelamento de tributos federais por ela devidos, ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos. Ou então, as patentes de titularidade da empresa infratora poderão ser licenciadas compulsoriamente a outras empresas. Poderá, também, a empresa infratora sofrer imposições para cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativo, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica. Julgamos essa questão como delicada e preocupante, por dar ao CADE a faculdade de intervir nas atividades de uma empresa.
Prevê a lei medidas contra a possível desconsideração, por parte de uma empresa, de alguma punição ou advertência do CADE. Pela continuidade de atos ou situações que configurem infração da ordem econômica, após decisão do plenário do CADE determinando sua cassação, ou pelo descumprimento de medida preventiva ou compromisso de cessação previstos na Lei Antitruste, o responsável fica sujeito à multa diária de valor não inferior a 5.000 UFIRs, ou padrão superveniente, podendo ser aumentada em até vinte vezes se assim o recomendar sua situação econômica e a gravidade da infração.
Previstas, ainda, foram as possíveis resistências que empresas infratoras possam apresentar à ação do CADE. A recusa, omissão, enganosidade, ou retardamento injustificado de informação ou documentos solicitados pelo CADE, ou de qualquer entidade pública que estiver atuando na aplicação da Lei Antitruste, ou seja, a Lei 8.884/94, modificada pela Lei 12.529/11, será punível. A punição consta de multa diária de 5.000 UFIRs, podendo ser aumentada em até vinte vezes se necessário para garantir sua eficácia em razão da situação econômica da empresa infratora.
Na aplicação das sanções estabelecidas pela Lei serão levados em consideração vários fatores: a gravidade da infração; a boa-fé do infrator; a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; a consumação ou não da infração; o grau de lesão ou perigo de lesão à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado; a situação econômica do infrator; a reincidência. É a aplicação dos princípios do Direito Penal aos crimes de abuso do poder econômico por uma empresa, com reflexos sobre o empresário que a dirige. É conveniente lembrar que a nova Lei Antitruste adota a teoria da descaracterização da pessoa jurídica (“disregard theory”).
Vê-se, pois, serem pesadas as penalidades impostas pela Lei às empresas que abusarem de seu poder econômico para prejudicar suas concorrentes e assenhorear-se do mercado consumidor. O que devemos esperar é que essas medidas sejam aplicadas conforme o espírito da lei, que é o de garantir a sadia disputa do mercado consumidor por empresas componentes de um determinado segmento desse mercado. Necessário, então, se torna que as empresas tenham plena consciência da tutela conferida pela lei às suas atividades e garantia de seu trabalho. Quando se sentirem atingidas e prejudicadas, contam, agora, com um instrumento eficaz de defesa e um poder judicante mais ágil. Poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica e crimes de concorrência desleal, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento da ação.
A prescrição das infrações
Prescrevem em cinco anos as infrações da ordem econômica, contados da data da prática do ilícito, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Interrompe a prescrição qualquer ato administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração de infração contra a ordem econômica. Suspende-se a prescrição durante a vigência do compromisso de cessação ou de desempenho (art. 28). Estabeleceu a Lei o prazo prescricional de cinco anos; no mais, segue as regras comuns a respeito da prescrição e da decadência.
Em nosso parecer, aplicam-se as causas interruptivas da prescrição, previstas no Código Penal, no Código de Processo Penal e no Código de Processo Civil, baseados na Súmula 592 do Supremo Tribunal Federal. Assim, por exemplo, a citação da empresa infratora para responder ao processo perante o CADE será causa interruptiva da prescrição. O art. 84 da lei Antitruste assegura ao processo administrativo e judicial, sobre os crimes de abuso de poder, a aplicação subsidiária das disposições do Código de Processo Civil. Por outro lado, o art. 86 introduz modificações no art. 312 do Código de Processo Penal, que passa a prever a prisão preventiva em processos sobre os crimes de abuso de poder por uma empresa, que atentem contra a ordem econômica.
8. O regulamento antidumping
Uma das formas de abuso do poder econômico por parte de uma empresa é a prática do dumping. É ainda manifestação de concorrência desleal, pois o dumping visa a desbaratar as empresas concorrentes do mercado consumidor disputado pela empresa agente do dumping. Note-se que o termo “dumping” faz parte do vocabulário jurídico nacional, utilizado pela legislação que o restringe, com a grafia original; não se trata mais de expressão estrangeira. Deve ter se tornado problema bem sério, após a entrada no Brasil de produtos importados, tanto que provocou vivas discussões no final de 1994 e a promulgação da Lei Antidumping, com o Decreto 1.602, de 26/08/95. O Brasil já oficializara o acordo do GATT – General Agreement on Tariffs and Trade (atual OMC – Organização Mundial do Comércio), aprovado pelo Decreto Legislativo 30, de 15/12/95, e promulgado pelo Decreto 1335, de 30/12/94. Como se sabe, um tratado internacional transforma-se em lei nacional graças à aprovação do Congresso Nacional por um decreto legislativo e à promulgação por decreto do Poder Executivo. Foi o que aconteceu com o tratado que transformou o GATT na OMC e estabeleceu as regras internacionais atualmente em vigor para a repressão ao dumping. Nossa Lei e esse tratado ratificam o anterior Acordo Antidumping, celebrado em reunião do GATT, transformado em lei nacional ao ser aprovado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 20 e promulgado pelo Decreto 93.941/87 e Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios, aprovado pelo Decreto Legislativo 22 e promulgado pelo Decreto 93.962/87.
O dumping é a prática de introduzir produtos de uma país no mercado consumidor de outro país por preço inferior ao seu valor normal. Essa definição foi introduzida em caráter menos absoluto no código antidumping negociado em 1967 com a seguinte redação: “Um produto deve ser considerado como caracterizador de um dumping, isto é, como introduzido no mercado de um país importador a preço inferior ao seu valor normal, se o preço de exportação desse produto, quando exportado de um país para outro, é inferior ao preço comparável, praticado no curso das operações comerciais normais, por um produto similar destinado ao consumo no país exportador”. Vê-se destarte que o dumping foi a princípio considerado um fenômeno internacional, malgrado seja praticado silenciosamente também no plano nacional.
A prática do dumping tornou-se corriqueira para o Brasil, ao criar incentivos fiscais de crédito e linhas de crédito especiais para a exportação de produtos brasileiros. Em consequência, as empresas brasileiras lançaram-se à conquista dos mercados internacionais, oferecendo produtos a baixo custo, bem abaixo do preço cobrado no mercado interno. Inúmeras ameaças de retaliação, principalmente nos EUA, não fizeram o Governo brasileiro arredar pé dessa política econômica. Em 1994, porém, houve o reverso da medalha. Para poder exportar seus produtos, nosso país teve de abrir suas portas à importação. Essa abertura acarretou uma enxurrada de automóveis, tecidos, calçados, artigos para presentes e muitos outros artigos cuja importação era antes proibida. Essa concorrência gerou protestos das empresas brasileiras. Fábricas de calçados do Rio Grande do Sul e de Franca, tecelagens de Americana-SP e outras fecharam ou reduziram drasticamente sua produção.
Ante a crise em que se debatiam as empresas nacionais, o Brasil apressou a aplicação das normas preconizadas pela OMC, em que se transformou o GATT. Para tanto, transformou-as em lei nacional e, em seguida, apresentou o Decreto 1.602/95, regulamentando as normas disciplinadoras dos procedimentos administrativos, relativos à aplicação dos direitos previstos na Lei Antidumping. A nova legislação descurou todavia o dumping interno, ou seja, o praticado por empresas produtoras de artigos no próprio mercado interno. Predomina na Lei o nítido sentido internacional, preocupando-se com a entrada no Brasil de produtos oriundos de outros países a preço abaixo dos que sejam adotados no mercado interno dos países exportadores desses produtos. A analogia, entretanto, autoriza-nos a apelar pela aplicação da Lei igualmente no plano interno.
A questão é juridicamente bem complexa quanto à sua natureza. Há o concurso de vários ramos do Direito. Sendo assunto tratado pela OMC, na pauta de suas prioridades, amolda-se no Direito Internacional, tanto Público como o Privado. Ao afetar a economia interna de um país e provocar o surgimento de legislação nacional, torna-se tema de Direito interno. Como o dumping é prática de empresas, situa-se no âmbito do Direito Empresarial. Volvendo ao moderno conceito do Direito Comercial, adotado pelo mestre da Universidade de Roma, o preclaro comercialista Giuseppe Ferri, de que o Direito Comercial cuida das atividades empresariais destinadas à satisfação do mercado consumidor, temos de situar a questão no âmbito deste Direito. Refere-se às normas relativas às unidades de produção e distribuição de bens, no regime de livre iniciativa e intento lucrativo, vale dizer, às empresas, às atividades destas com vistas à conquista do mercado consumidor. Contudo, essa conquista processa-se em afronta às normas legais, constituindo, pois, crimes previstos no Código de Propriedade Industrial e Código Penal, catalogados como concorrência desleal.
Essa concorrência desleal é patente. Por que uma empresa vende seus produtos a preços abaixo do mercado? Se pode ser para desbaratar a concorrência e ver-se sozinha no mercado, poderá, então, impor seu preço. Naturalmente, a empresa agente do dumping deverá ter considerável poder econômico para bancar os preços baixos e usará esse poder para escorraçar as empresas concorrentes, assenhorear-se do mercado e impor os preços que lhe proporcionem pingues lucros. Utilizamos aqui a linguagem adotada pelo Código de Propriedade Industrial, classificando esse tipo de ação como “concorrência desleal”. Todavia, julgamo-la como concorrência ilícita, por ser condenada pela lei. Poder-se-ia até chamá-la de criminosa, uma vez que os atos que a compõem são classificados como crimes pelo Código de Propriedade Industrial e pelo Código Penal.
O art. 4° do Dec. 1602/95 dá-nos uma definição de dumping, não muito diferente da que nos tinha sido dada pelo antigo GATT:
“Para os efeitos deste decreto, considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sob as modalidades de ‘drawback’, a preço de exportação inferior ao valor normal”.
Considera-se normal o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis que o destinem a consumo interno no país exportador. Por exemplo, ingressaram no Brasil ventiladores chineses a preço de US$ 10,00, enquanto que custavam na China US$ 18,00. Se, porventura, o produto exportado ao Brasil não for vendido no mercado interno do país exportador será levado em conta o preço de produto similar. O termo “produto similar” será entendido como produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto que se está examinando, ou, na ausência de tal produto, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresente características muito próximas às do produto que se está considerando. Esse levantamento deverá ser feito no país exportador, mas caberá à empresa prejudicada pelo dumping encomendar essa pesquisa.
Se for difícil aferir o preço adotado no país de origem e exportação do produto entrado no Brasil por ausência de similar, poderá ser pesquisado o preço da exportação para outros países. Poderão, porém, ser consideradas como operações mercantis anormais e desprezadas na determinação de valor normal as transações entre empresas coligadas ou associadas, ou que tenham celebrado entre si acordo compensatório, a menos que esses preços e custos sejam semelhantes aos de outras empresas não coligadas.
O preço de exportação será aquele efetivamente pago ou a pagar pelo produto exportado ao Brasil, livre de impostos, reduções e descontos efetivamente concedidos e diretamente relacionados com as vendas. Será efetuada comparação justa entre o preço de exportação e o valor normal, no mesmo nível de comércio, normalmente o “ex work” (ou “ex fabrica”), vale dizer, quando o produto sai da empresa fornecedora. A margem do dumping será a diferença entre o valor normal e o preço de exportação.
A empresa que introduzir no mercado brasileiro produtos estrangeiros a custo abaixo do normal, vale dizer, exercendo dumping, causará danos aos fornecedores nacionais e poderá ser acionada a reparar esse danos. Poderão ser danos materiais ou ameaça de danos materiais à indústria doméstica já estabelecida ou retardamento sensível na implementação de tal indústria. A determinação do dano será baseada em provas positivas e exigirá exame objetivo do volume das importações sobre a indústria doméstica. É necessária a demonstração de nexo causal entre as importações objeto de dumping e o dano à indústria doméstica, devidamente comprovado. A “indústria doméstica” representa a totalidade dos produtores nacionais do produto similar ou aqueles, dentre eles, cuja produção conjunta constitua parcela significativa da produção nacional do produto.
O processo antidumping
A empresa doméstica, ou seja, a indústria brasileira que se julgar prejudicada pela prática de dumping, poderá processar a empresa infratora com base na legislação antidumping brasileira, que, é bom repetir, está escorada nas normas da OMC. O processo será instaurado na Secretaria de Comércio Exterior – SECEX, órgão do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo. Será, portanto, um processo administrativo, para o qual a Lei exige, porém, ampla comprovação e demonstração da existência do dumping, dos danos e do nexo causal entre as importações objeto de dumping e os danos alegados. Esse processo seguirá o rito estabelecido pela Lei e por roteiro elaborado pela SECEX.
A abertura do processo será requerida por petição da empresa prejudicada, dirigida à SECEX, contendo a completa qualificação da requerente e indicando o volume e o valor de sua produção nacional de produtos similares. Deve ser juntada relação das demais empresas domésticas que produzem artigos similares aos que sejam objeto do dumping e o volume e valor da produção dessas empresas. Quanto aos produtos importados objeto do dumping, necessitarão eles de completa descrição, com a indicação do país em que foram fabricados e de onde vieram, quem os exportou e quem os importou, qualificando e indicando bem essas empresas. Caso haja informações sigilosas, serão elas tratadas de acordo com sistema especial que garanta o segredo. Enfim, deverão ser dadas informações bem pormenorizadas sobre todos os dados referentes ao dumping.
A SECEX poderá pedir informações adicionais e, estando em termos, iniciará o processo, notificando os demais produtores domésticos para que se pronunciem. Se houver apoio de outras empresas, que representem a metade da produção nacional, o processo poderá ser considerado como sendo movido pela “indústria doméstica” ou em seu nome. Equivaleria a uma ação de litisconsórcio, de caráter público. As empresas consideradas partes interessadas neste processo são as produtoras domésticas de artigos similares, ou a entidade de classe que as represente, bem como os produtores e exportadores estrangeiros dos bens objeto do dumping e quem tenha importado esses bens. O Governo do país em que estiverem localizados os produtores e exportadores dos bens será também considerado parte interessada e notificado da abertura das investigações. Ao ser aberto o processo, cópia da petição inicial será enviada a todos eles. A SECEX comunicará ainda à SRF – Secretaria da Receita Federal.
Ao longo da investigação, as partes interessadas disporão de ampla oportunidade de defesa de seus interesses. Cada parte poderá requerer a realização de audiência com acareação entre partes de interesses opostos. Terminada a fase instrutória, a SECEX elaborará seu parecer. A fase decisória pertencerá ao Ministério da Indústria, Comércio e Turismo e ao da Fazenda, que aplicarão, mediante ato conjunto, os direitos antidumping, com base no parecer da SECEX. Consideram-se direitos antidumping o montante em dinheiro igual ou inferior à margem de dumping apurada com o fim exclusivo de neutralizar os efeitos danosos das importações objeto do dumping. É um tipo de reparação de danos às indústrias nacionais, prejudicadas pelo dumping. A devedora, vale dizer, a causadora do dumping, deverá ser a empresa importadora ou distribuidora no mercado nacional dos produtos objeto do dumping. Não há recurso à instância superior, mas o processo é passível de revisão, desde que haja decorrido no mínimo um ano da imposição de direitos antidumping definitivos e que sejam apresentados elementos de prova. As provas deverão demonstrar que a aplicação do direito deixou de ser necessária para neutralizar o dumping. A revisão poderá ser requerida pela parte interessada ou por iniciativa de órgão ou entidade administrativa federal ou da própria SECEX. Para efeito de esclarecimento, a Lei Antidumping chama de “direitos antidumping” um tipo de multa ou reparação de danos aplicados a uma empresa infratora dessa lei.
9. Críticas ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
Houve muitas reações favoráveis às disposições da Nova Lei Antitruste, mas também acerbas críticas não somente a ela, mas ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e ao próprio CADE, acusado de inoperante, ilegal, desnecessário e inconveniente. Preliminarmente, esse sistema afronta os princípios e as disposições constitucionais ao refrear a iniciativa privada e a liberdade do mercado, assegurados no artigo 170 de nossa Constituição; ele ofende ainda outras disposições constitucionais e várias outras normas. É uma forma de o Governo intervir indevidamente na iniciativa privada, engessando e constrangendo as empresas nas suas atividades lícitas e normais.
Se duas ou mais empresas querem fundir-se, será decisão delas e nenhum motivo há para que elas tenham de obter autorização do Governo. É um ato legal e honesto, feito à luz do dia, com amplo noticiário da imprensa. Elas esperam com esse ato de concentração aumentar sua eficiência. Cercear a liberdade delas é prejudicar as empresas eficientes a favor das ineficientes, sem nenhum proveito a quem quer que seja. É citado como exemplo o caso da eliminação de um produto de ampla aceitação pública que foi o creme dentifrício Kolynos. Dois produtos dominavam o mercado brasileiro, ambos pertencentes a duas empresas norteamericanas: o Colgate e o Kolynos. A Colgate, nos EUA, adquiriu a Kolynos ficando com a marca, o que iria influenciar o Brasil. O CADE autorizou a fusão, mas exigiu que a marca Kolynos não fosse mais utilizada no Brasil. A Colgate foi obrigada a retirar esse produto do mercado e no lugar dele criou nova marca com o nome Sorriso. Nada adiantou a eliminação desse produto, dando prejuízos indevidos a uma empresa, sem qualquer lucro para as demais.
O CADE é considerado mero cabide de empregos, ainda mais agora com a Lei 12.519/11, que criou inúmeros cargos novos. O Governo é na verdade o grande incentivador das fusões, tanto que até agora não impediu nenhuma; muito ao contrário, colaborou com elas. Exemplo dessa colaboração governamental foi o caso da fusão da Sadia com a Perdigão, cuja fusão foi financiada pelo Governo Federal, graças ao BNDES, sob o batuta de um Ministro de Estado, que era um dos principais acionistas de uma das empresas. A pretensa proteção oficial da concorrência é no mínimo incoerente. Se alguma empresa cometer ato ilegal de anticoncorrência, existe legislação e mecanismos de repressão independentes do CADE.
Bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo - Advogado e professor de direito - Autor das obras de Direito Internacional: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, publicados pela EDITORA ÍCONE. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROQUE, Sebastião José. A nova Lei Antitruste e o abuso pela empresa do poder econômico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1236/a-nova-lei-antitruste-e-o-abuso-pela-empresa-do-poder-economico. Acesso em: 22 nov 2024.
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