Resumo: O recall, termo em inglês utilizado para designar a obrigação dos fabricantes em comunicar as autoridades quanto a defeito na fabricação de seus produtos, e convocar os consumidores para a reparação dos vícios encontrados, é prática largamente utilizada pelas montadoras de automóveis, que, apesar de evitar maiores tragédias aos consumidores, ainda assim causa dissabores àqueles que são privados de seus bens até que o conserto.
Neste artigo trataremos das obrigações que nascem dessa situação para o fabricante, de forma que o consumidor não suporte maiores ônus.
Palavras-chave: Recall. Código de Defesa do Consumidor. Reparação e Prevenção de Danos ao consumidor.
Do recall
1. O termo recall, que em tradução literal para o português significa “chamar de volta”, é a prática a que estão obrigadas as fabricantes que detectarem falhas em seus produtos, que representem riscos à segurança do consumidor.
2. Rizzato Nunes nos informa que:
“Por meio desse instrumento, a norma protecionista pretende que o fornecedor impeça ou procure impedir, ainda que tardiamente, que o consumido sofra algum dano ou perda em função de vício que o produto ou o serviço tenham apresentado após suas comercialização”.(1)
3.O surgimento desse instituto tem surgimento nos Estados Unidos na década de 60, quando naquela época marcada pelo aquecimento do setor automobilístico, o advogado americano Ralph Nader soube de defeitos na fabricação do veículo Chevy da empresa General Motors, e que por isso vinha causando acidentes fatais.
4. A partir das denúncias relatadas pelo advogado, o governo Estadunidense criou um órgão que tinha por finalidade a verificação de segurança daqueles veículos. Desde o ano de 1966 o procedimento de recall é realizado naquele país.
5. No Brasil, o primeiro recall aconteceu em 1988, promovido pela Volkswagen, porém, em nosso ordenamento jurídico ainda não havia norma que tratasse explicitamente do assunto. Foi em 1990, com o advento da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que o recall mereceu normatização própria no artigo 10º e seus parágrafos 1º e 2º:
Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.
§1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
§2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.
6. Percebemos pela redação do §2°, que o legislador ao exigir a ampla divulgação do procedimento de recall, pretendeu assegurar aos consumidores a inequívoca ciência do chamado para reparo do bem.
7. Ainda que atendidas as exigências de informação, caso o consumidor não tome conhecimento do recall e por isso não leve o veículo para os devidos reparos, persistirá a responsabilidade da empresa em indenizar no caso de acidente ocorrido em razão do defeito.
8. Ocorrem ainda aquelas situações em que o consumidor ciente do recall, leva seu veículo para os devidos reparos e, em razão da complexidade do problema encontrado ou outras questões como tempo, deve aguardar o prazo de alguns dias para a conclusão do serviço. Na superveniência dessas hipóteses, deve a fabricante disponibilizar um veículo reserva ao consumidor, enquanto o problema não é sanado.
9. O próprio artigo 6° da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) em seu inciso VI, traz dispositivo que protege o consumidor nessas situações e lhe garante para que não arque com os ônus decorrentes da má fabricação.
10. Diz mencionado dispositivo:
Art. 6°. São direitos básicos do consumidor: (...)
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
11.A disposição de carro reserva ao consumidor consiste na prevenção a danos patrimoniais a que o inciso VI faz menção, pois, caso contrário, teria o consumidor que arcar com custas de aluguel de carro, dentre outras despesas inesperadas que possam surgir dessa situação.
12. Por fim, juntamos alguns julgados relativos ao assunto:
Ementa: APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VEÍCULO QUE FOI COLOCADO NO MERCADO COM DEFEITO DE FABRICAÇÃO. RECALL. VERBA HONORÁRIA SUCUMBENCIAL. Ação de indenização proposta com base em defeito na fabricação do veículo, objeto de recall. Responsabilidade objetiva da demandada. Quantum indenizatório mantido. Readequação da verba honorária. PRIMEIRA APELAÇÃO IMPROVIDA. SEGUNDA APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70020140851, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 16/04/2008)
Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS MORAIS - VEÍCULO NOVO - TEMPESTIVIDADE APELO - LEGITIMIDADE - USUÁRIO DO BEM - EQUIPARAÇÃO - INADEQUAÇÃO AO USO - VÍCIO DE FÁBRICAÇÃO -INFORMAÇÃO DEFICIENTE. - INDENIZAÇÃO - QUANTIFICAÇÃO. Alegação de intempestividade do apelo da Sinoscar não vinga, pois ofertado após a publicação da sentença, sendo irrelevante o posterior oferecimento de embargos de declaração e reabertura do prazo. Indevida preliminar de ilegitimidade ativa de um dos autores por não ser o adquirente do veículo, porque este fica equiparado ao consumidor direto em razão de ser atingido pelas conseqüências da inadequação e insegurança do produto. Pertinente a indenização pleiteada, presente a frustração do consumidor frente a aquisição de produto defeituoso, mormente veículo zero. O fornecedor responde pela qualidade do produto e sua eventual inadequação ao uso cotidiano. Fere os princípios da transparência e da boa-fé na relação contratual consumerista, fornecedor direto (concessionária de veículos) que omite informações de que algumas das peças do produto vendido vieram com defeito de fábrica. Acontecimentos que transcendem aos transtornos inerentes ao dia a dia, pois a aquisição de carro zero quilômetro com defeitos remete o consumidor para uma realidade de inconveniências, aflições e constrangimentos. Indenizações majoradas, considerando às particularidades das circunstâncias do fato e aos precedentes da Câmara, na manutenção de equivalência de valores entre lides de semelhante natureza de fato e de direito. Apelações das demandadas desprovidas e provida a apelação dos demandantes. (Apelação Cível Nº 70016262271, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 31/05/2007)
Jessé Leal Pereira.
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