É profundamente frustrante, ainda mais quando se trata de instituição respeitadíssima, tomar conhecimento de que ao menos quatro pessoas conseguiram o gabarito da prova para analista da Receita Federal. Tais fraudes ofendem quem se sacrifica e estuda, quem precisa dos serviços públicos e toda a sociedade. Claro que esses problemas só ocorrem porque já acabamos com o compadrio e indicações políticas, salvo nas funções comissionadas. Prefiro enfrentar esses problemas do que termos um país sem concursos. Em paralelo aos fatos, fico feliz pelo trabalho da inteligência da Receita, que conseguiu descobrir os quatro vermes (palavra forte, mas qual o nome que se dá a quem se alimenta não do próprio trabalho ou estudo, mas do sangue dos outros?). Espero que a investigação não pare neles e que a punição seja para lá de exemplar. Não podemos ficar acomodados em pegar só esses quatro meliantes.
O fato é que, se já não bastasse a frustração de todos, há que se dar uma solução adequada ao seriíssimo problema. Alguns advogam manter o concurso para evitar prejuízo a terceiros de boa-fé, ou por razões de economia etc., ao passo que outros, como eu, entendem que o concurso deva ser anulado. Eventualmente, como ocorreu em ENEM recente, onde a fraude se circunscreveu a um único colégio onde os professores (vergonha dupla, partir isso deles) passaram os gabaritos para os alunos no afã de ter bons resultados e, ao invés de educar, deseducando. Mas este não é o caso do concurso da receita em questão: quando não se sabe a extensão da fraude, por mais doloroso que seja, e por maiores que sejam os custos, não existe custo maior do que permitir que bandidos e vagabundos, os corruptos, assumam cargos públicos. O dano é imensurável, inaceitável e não há espaço para negociação com os princípios da legalidade, moralidade e tantos outros afetados.
Se alguém já entra pela via da corrupção, seja ela a do dinheiro ou a do vazamento de informações, tal pessoa é um corrupto pronto, que usará todo o poder público que tiver para fazer o mal, desviar, extorquir e fazer tudo o mais do que nós, brasileiros, estamos fartos. Um servidor corrupto é mais um mensaleiro que teremos que aturar. Não dá para contemporizar com isso.
É preciso que a instituição que realiza o concurso reveja todo o seu sistema de segurança para evitar que a tragédia moral se repita, que se identifique a quadrilha e, mais que tudo, que não corramos o risco de darmos posse a outros pilantras. O momento do país é de limpeza, não de pusilanimidade.
Quem está estudando sofre com isso tudo, mas a nova prova irá dar a oportunidade de não ser roubado, fraudado, iludido pela justa expectativa de seriedade nos certames e, até mesmo, consolo pouco mas a ser registrado, mais tempo para estudar. A anulação irá dar exemplo e notícia de que não haverá tolerância diante desse tipo de crime, e a oportunidade para que a instituição que realiza o concurso mostre mais eficiência, outro princípio da República.
À inteligência da Receita, à Polícia e ao Ministério Público, meus votos de sucesso na persecução. Aos meus colegas juízes, a minha expectativa – como cidadão – de rigor com quem mancha o nome do serviço público e afeta nossa credibilidade como país. Aos que estudam, o consolo de que está havendo fiscalização, a qual, embora não tenha evitado a fraude, ao menos a descobriu. A quem decide se anula ou não esse certame, a esperança de que decida pelo caminho mais doloroso, mas o único que enfrenta essa infecção com a dureza necessária. E, ainda a quem estuda, mais dois pedidos: primeiro, não desistam, mantenham a certeza – que eu compartilho - de que nenhuma fraude impede a posse de quem está realmente preparado; e, segundo, meu desejo de que venha para o serviço público com a “ira santa” de quem não vai participar, nem aceitar, nem tergiversar quando o assunto for combater a corrupção, em qualquer de suas manifestações.
Vamos limpar a casa, custe o que custar.
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