Tudo começou em Bretton Woods, quando os Estados Unidos, virtual vencedor da guerra, participou de uma conferência, com 45 países, para reorganizar a economia do mundo, a economia do planeta. E nessa conferência se estabelece o dólar como a moeda universal de troca para o comércio global, com uma condicionante: para cada dólar emitido, deveria haver uma contrapartida em ouro depositada no lendário Forte Knox. (Daí o famoso e lendário Forte Knox, tantas vezes assaltado pela ficção).[1]
Ocorre que Nixon, tendo dificuldades de caixa diante dos gastos enormes com a Guerra do Vietnã, rompe com esse acordo medieval e passar a pintar papel de verde com uma liberalidade incrível.
Hoje, os Estados Unidos da América têm, no mundo, dólares, papel pintado de verde, em quantidade equivalente a cem, trezentas vezes o seu Produto Interno Bruto, a sua capacidade produtiva. E esse dinheiro saiu por aí a comprar empresas, a submeter países. A economia americana se debruça por uma vertente financeira, numa verdadeira distorção do liberalismo econômico de Adam Smith, e o capital financeiro passa a ser mais valorizado que o capital produtivo. Assim, passa-se a valorizar o capital vadio.
Acredito que a paciência é uma virtude, mas não podemos esperar muito desse sistema neoliberalista. Há momentos, no entanto, em que a indignação é santa, como foi santa a indignação de Cristo no conhecido episódio dos vendilhões do templo.
Para tanto, insisto, a reforma, a transformação que se impõe ao nosso país (Brasil) é a reforma econômica, por exemplo, com o fim da autonomia do Banco Central. Hoje, todo o edifício institucional em que se suporta a política econômica tem como base a autonomia do Banco Central. E o Banco Central age como um Estado dentro do Estado, subordinando e condicionando as ações do Estado e do setor produtivo aos mandos, e desmandos, do capital financeiro.
Ad argumentandum tantum, só para argumentar: quando ficou claro que o cigarro provocava doenças e matava, a indústria do tabaco inventou primeiro, o filtro; depois, os baixos teores, e o cigarro continuou matando. Da mesma forma, os tantos filtros adicionados às políticas neoliberias adotadas nos anos 90 mascararam os efeitos sinistros do receituário, mas não eliminaram a causa do mal.
Não vivemos em um tempo normal. A crise é de estrutura, e, portanto, precisamos de reformas estruturais. A adoção de políticas que simplesmente procurem curar o sistema não vai dar certo.
A reforma econômica, profunda, radical e corajosa, deve ser a mãe de todas as reformas. O resto virá por acréscimo, genuinamente. Afinal, que peso, importância e transcendência têm para a vida dos brasileiros todo esse complexo de normas jurídicas em vigor, se a subordinação do Brasil aos ditames dos rentistas, pátrios e estrangeiros, põe em risco, permanentemente, o emprego, o salário, o consumo, a produção, a inovação tecnológica, a perspectiva tão ansiada de um País forte, desenvolvido, justo e bom para todos nós.
Depois da Segunda Guerra Mundial, diante dos horrores do nazifascismo, alguns intelectuais, entre eles Sartre e Hannah Arendt, dedicaram-se a discutir o mal, as origens do mal, como a humanidade chegara àquele ponto de barbárie. Na seqüência, sem as luzes de Sartre e Hannah, hoje as origens do mal que aflige a humanidade é o sistema financeiro mundial, que também ceifa vidas, humilha, massacra, empobrece, rouba o futuro, depreda os recursos naturais e transforma tudo em commodities no jogo das bolsas.
Antes, um parêntese para que lembre um filme. A refilmagem de o Assalto ao Metrô 123, em Nova Yorque. O personagem vivido por John Travolta, ao exigir o resgate para liberar os reféns, diz para o negociador que considere os reféns como commodities da prefeitura de Nova Yorque e que, a cada item cumprido das exigências que fazia, uma commodity, isto é, um refém, seria eliminado. E assim o fez até que o resgate fosse pago.
Não sei se a intenção do diretor do filme e dos roteiristas era estabelecer um paralelo entre a crueldade dos especuladores e a banalização da vida. Mesmo que não tenha sido, o filme fala à perfeição sobre a desumanidade, a perversidade do sistema financeiro mundial ao quebrar países, destruir economias, empregos, e vidas. Para eles, não há humanidade, não há mulheres e homens, com os seus sonhos, suas aventuras de vida. Somos todos commodities, descartáveis, suprimíveis.
A crise de hoje, que começou nos Estados Unidos e que é a mais grave de todas, culmina com um processo de autocanibalização do modelo neoliberal. O modelo devorou-se, comeu o seu próprio centro e chegou à exaustão.
Enquanto o gráfico dos salários mantém-se quase em uma linha reta, a linha do aumento da produtividade sobe sem parar. É o “gráfico da cobra”, da cobra neoliberal, diz Tom Palley, porque a linha inferior do gráfico, quase uma reta, e a de cima, subindo, assemelhando-se à boca aberta de uma serpente. Quando o salário fica estagnado, acentua-se a desigualdade de rendas, já que para a maioria das pessoas o salário é a maior fonte de ganhos; além disso como o salário é arrochado, é preciso de empréstimos, logo de inflação, para se criar uma demanda agregada. E isso gera um processo insustentável, porque as dívidas contraídas pelos trabalhadores levam a uma carga financeira que eles não têm condições de suportar.
Precisamos de um novo paradigma, de um novo modelo de crescimento econômico. Um modelo que mobilize os recursos financeiros nacionais, os recursos domésticos, com ênfase no crescimento baseado na demanda interna. E a chave para isso é a restauração do vínculo entre salário e produtividade. Se este vinculo dor restabelecido, cria-se um círculo virtuoso de crescimento. Com os salários crescentes, a demanda aumenta, mais demanda, mais produtividade e mais emprego, o ideal Keynesiano do emprego pleno.
A saída é um modelo econômico que se ancore no crescimento impulsionado pela demanda interna, no aumento dos salários que acompanhe a alta da produtividade, na expansão dos empregos, no restabelecimento do papel social do Estado, nas medidas de proteção aos mais fracos, aos desprotegidos, às minorias. É o bom e antigo humanismo!
Brasil Mercado ou Brasil Nação, eis a questão.
O mercado não tem pátria, não tem fronteiras, não tem história, não tem tradições, não tem cultura. O espírito que move o mercado é a ganância, a busca insana e quase sempre amoral pelo lucro. Com a velocidade da internet mobiliza, trilhões de dólares, podendo destruir em um só toque de botão economias inteiras, empregos, empresas, levando ao desespero milhões de pessoas.
A nação tem história, espaço, consolida seu território com o suor e o sangue do seu povo, de gerações! A nação tem compromisso com os seus, com a aventura de vida e o bem-estar de toda a sociedade, de cada pessoa. A nação solda-se com o amor, e a solidariedade. A nação acolhe e protege os mais fracos, os desprotegidos, os indefesos. A nação tem compromisso com a produção, com o trabalho e a defesa do trabalho.
Uma nação se constrói com uma política de juros que não puna quem produza. Não se faz uma nação com os juros mais altos do planeta. Uma nação se constrói com uma política industrial planejada nacionalmente, com crédito farto e barato, com inovação tecnológica, com subsídios, com tarifas diferenciadas, com controle de câmbio, com estatização do crédito.
Termino com uma frase a ser refletida: Há momentos em que a paciência é uma virtude. Em outros a indignação é a virtude. Como foi santa a indignação de Cristo ao responder com energia e firmeza ao conhecido episódio dos vendilhões do templo.
Especialista em Direito Penal, com título outorgado pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná - FEMPAR. Pós-Graduaduado. Membro do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pela Faculdade UFPR . Curitiba/PR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MICHALIZEN, Fernando. Crise Global e Reforma Política Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2012, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1392/crise-global-e-reforma-politica. Acesso em: 28 nov 2024.
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