Comentando tópico que batizou Procedimentos dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, Guilherme de Souza Nucci afirma: “Crimes de responsabilidade é uma denominação inexata, não correspondente ao que o Código de Processo Penal tem por fim regular. Os crimes de responsabilidade de funcionários públicos, quando autênticos, são infrações político-administrativas, normalmente julgadas por órgãos políticos, como o Senado Federal, a Assembléia do Estado ou mesmo a Câmara Municipal, determinando, como penalidade, a perda do cargo ou função pública, inabilitando o réu ao seu exercício por certo período. Não é o caso aqui previsto. Cuida-se apenas dos delitos cometidos por funcionários públicos, no exercício da sua função, logo, são crimes funcionais. Estão previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal. Essa é a posição majoritária” (MANUAL DE PROCESSO PENAL E EXECUÇÃO PENAL, 2ª ed. RT: SP, 2006, p. 656).
Alexandre de Moraes, interpretando a Constituição, diz que “A lei Maior prevê, no art. 85, rol meramente exemplificativo dos crimes de responsabilidade, pois o Presidente poderá ser responsabilizado por todos os atos atentatórios à Constituição Federal, passíveis de enquadramento idêntico ao referido rol, desde que haja previsão legal, pois o brocardo nullum crimen sine typo também se aplica, por inteiro, ao campo dos ilícitos político-administrativos, havendo necessidade de que a tipificação de tais infrações emane de lei federal, eis que o STF tem entendido que a definição formal dos crimes de responsabilidade se insere, por seu conteúdo penal, na competência exclusiva da União” (CONSTITUIÇÃO DO BRASIL INTERPRETADA E LEGISLAÇÃO CONSTITUCIONAL. Atlas: SP, 2002, pp. 1237/1238).
Moraes, sobre a natureza jurídica dos crimes de responsabilidade na doutrina, defende a natureza política do instituto, afirmando ser a posição da maioria da doutrina nacional. Cita como exemplos Paulo Brossard; Themistocles Cavalcanti; Carlos Maximiliano e Michel Temer. Diferentemente, segundo o constitucionalista, é o entendimento de Pontes de Miranda, para quem a natureza é penal. Em posição intermediária, cita José Frederico Marques e Pedro Kelly, no sentido de que se trata de instituto de natureza mista [do impeachment] (ob. cit. p. 1239).
Nos termos do Direito Positivo, ainda que essa não seja a opinião de Paulo José da Costa Jr. (DIREITO PENAL OBJETIVO, 3ª ed. Forense Universitária: RJ, 2003, p. 156), para quem se trata de instituto de natureza administrativa e política, acompanho Pontes de Miranda ao defender a natureza penal do instituto, sem desconsiderar, todavia, reflexos administrativos e políticos, salvo melhor juízo. É a melhor interpretação que se pode dar ao art. 92, I, do Código Penal, combinado com os arts. 1°, 2° e 3°, dentre outros, da Lei 1.079, de 10 de abril de 1950.
Caso o Presidente da República – abstraio-me aqui da classificação doutrinária que distingue agentes políticos de servidores públicos em sentido estrito - seja condenado pela prática de crime de responsabilidade nos termos da Lei 1.079, dentro do conceito que foi exposto com “sumaríssima brevidade”, não poderá responder, pelo mesmo fato, perante a jurisdição, típica do Poder Judiciário, sofrendo os efeitos da condenação na via político-administrativa, não, porém, na jurisdição criminal diante do aforismo de que ninguém pode ser punido pelo mesmo fato por duas vezes.
Admitindo a natureza penal da condenação do Presidente da República, José Afonso da Silva (CURSO DE DIREITO POSITIVO, 22ª ed. Malheiros: SP, 2002, p. 549). André Ramos Tavares, diversamente, defende a natureza política desta condenação, filiando-se, pelo visto, à corrente majoritária (CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. Saraiva: SP, 2002, p. 863).
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