INTRODUÇÃO
Objetiva-se demonstrar que, em tempos de mudança, os discursos tendem a legitimar-se com o poder, se a força já não basta, justificando esta demonstração na alteração de foco das manifestações populares (rua) a instituição (Praça dos 3 Poderes).
O PANORAMA
Nas últimas semanas o Brasil das ruas pensa que mudou realizando manifestações populares legítimas pelo uso de bem de uso comum do povo (ruas, praças, logradouros públicos) a reivindicar respeito. Já o Brasil do Poder Executivo pensa em mudar através de convocação às pressas (e talvez às avessas) de plebiscito para atender o clamor público com medidas tomadas no papel e que já existem.
Qual a razão das duas mudanças nos Brasis que se pintam?
AS MANIFESTAÇÕES DAS RUAS
São legítimas. Está na Constituição Federal de 1988, o direito difuso de reunião em movimento (os protestos, as passeatas), bem como já assentado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, não configurando violação de quaisquer normas, salvo quando houver infringência à legislação penal (por exemplo, crime de dano, depredações ao patrimônio público, particular), que é intolerável e de todo repudiável: não se consegue nada, nada, destruindo o que os concidadãos conquistaram.
As manifestações (protestos) não podem ser pretexto para a destruição de patrimônio público e privado.
A REFORMA POLÍTICA
A Excelentíssima Senhora Presidente da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff, anunciou em 24.06.2013, a convocação de plebiscito popular, propondo, 5 (cinco) pactos: 1) pacto pela responsabilidade fiscal; 2) pacto pela reforma política; 3) pacto pela saúde; 4) pacto pelo transporte público; 5) pacto pela educação pública. Ora, qual o conteúdo desta reforma política? Há só o discurso[1]...
A convocação de plebiscito[2] seria para instituir uma nova Constituinte exclusiva, para uma proposta exclusiva (reforma política), pois, no dia seguinte à proposta da presidente, sob a acusação de tentativa de golpe de Estado por diversos juristas, foi abandonada essa ideia. Não há previsão constitucional para tal Constituinte exclusiva e limitada de alteração de partes da atual Constituição, podendo ser através de emenda à constituição a alteração pretendida.
Uma Constituinte exclusiva irá romper com a ordem que hoje existe, ou seja, seria um novo[3] Poder Constituinte Originário disfarçado, daria uma nova ordem Constitucional, seria um poder sem limites, podendo propor e fazer nova Constituição.
A CRISE DE REPRESENTATIVIDADE
O povo, insatisfeito com as políticas públicas, usa as ruas de todo o Brasil: vaia, grita e clama por respeito, demonstrando uma fúria existencial anti esta Constituição nominalista e semântica (Loewenstein) que se faz da que aí está[4].
O sentimento do povo tem causa no abandono e descumprimento dos fins propostos no Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 e nos objetivos do art. 3º, que é uma norma tarefa (Canotilho).
Ora, se há uma crise de representatividade por conta das manifestações da população nas ruas, algumas vozes até suscitaram a utilização do instituto do estado de sítio por vislumbrar que tais manifestações são classificadas de comoção grave de repercussão nacional, vedando-se assim, emendas à constituição, a proposta de plebiscito seria uma via legítima para escapar da vedação da emenda[5], daí a acusação de golpe[6].
Tais fatos demonstram o despreparo dos Poderes Executivo e Legislativo, com a manifestação/insatisfação popular declarada, que somente apresentam um discurso sem conteúdo, apenas para afastar o foco das reivindicações das ruas[7], tentando institucionalizar as reivindicações em pautas.
COMO MELHORAR O BRASIL?
Controle legítimo e transparência. Não há necessidade de pactos quando se respeita a Constituição e as leis.
Não há necessidade de inflacionar[8] ainda mais uma sociedade com diplomas legislativos quando não se cumpre o básico: poder andar livremente pelas ruas do país, sem que seja temperado (como diria os baianos) pela pimenta da autoridade. Há leis em demasia no ordenamento jurídico brasileiro, e esse excesso demonstra que sequer as autoridades sabem o que podem e o que devem dizer aos cidadãos, v. g., não poder usar máscara ou portar vinagre nas manifestações não é ilícito.
Necessita-se fazer modificações pontuais, onde? Mas, se até agora faltou vontade política para legislar, será que agora, implicado pelas manifestações das últimas semanas, essa vontade surgiria?
CONCLUSÃO
Um povo não padece pelas leis que têm ou deixa de ter, mas sim pela consciência de cumprimento das leis que seus cidadãos devem ter. Carlos Ayres Brito disse que uma constituição é efetiva a depender do afeto que se tem por ela.
É uma vergonha que num país com uma Constituição Federal como a do Brasil tenha que se ir ao Poder Judiciário, através de um habeas corpus preventivo, para andar pelas ruas do país!
É consenso hoje que as Constituições servem mais para garantir os direitos fundamentais das pessoas que para organizar os poderes no e do Estado: a razão do Estado são as pessoas!
Será que não há razão para a insatisfação? Será que haverá retrocesso nas garantias já estabelecidas na Constituição Federal de 1988? Diante de tal panorama e das circunstâncias que disciplinam a utilização de uma Constituinte, a presidente equivocou-se na tentativa da Reforma Política.
No contexto histórico e pelas circunstâncias sociais, pactos e mais pactos evidenciam “[...] adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios”[9], não adianta alterar leis, Constituição se não há consciência e vontade de mudar os próprios atores sociais. Não é mudar a máquina, é mudar o homem, a vontade subjetiva[10] que está presente nas instituições.
O discurso ideológico do Poder Executivo é utilizado para deslocar sua ineficiência na prestação dos direitos sociais para o Poder Legislativo, implicando esta ação em: dirigir-se ao Legislativo a incumbência de inflacionar ainda mais o ordenamento jurídico e a sociedade com leis, com propostas para restringir ainda mais a liberdade do homem.
Deste modo, valoriza-se a produção de algo para maquiar o momento, dando a aparência de que a sociedade se mantém coesa, sem que nada se altere.
REFERÊNCIAS
BALIARDO, Rafael. Cardozo diz que a sociedade não aceita mais atual sistema. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-26/cardozo-diretrizes-reforma-politica-vir-ruas. Acesso em: 26.06.2013.
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
CONJUR (Notícia). Manifesto vai contra Constituinte para reforma política. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-25/manifesto-assembleia-constituinte-reforma-politica. Acesso em: 25.06.2013.
COSTA JÚNIOR, Eduardo Carone. A legislação simbólica como fator de envenenamento do ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
SILVA, José Afonso da. Princípios do processo de formação das leis no direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964.
WARAT. Luis Alberto. O direito e sua linguagem (2ª versão). 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995.
[1] NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 33. Diz: “Kindermann propôs um modelo tricotômico para a tipologia da legislação simbólica, cuja sistematicidade o torna teoricamente frutífero: ‘conteúdo de legislação simbólica pode ser: a) confirmar valores sociais, b) demonstrar a capacitação de ação do Estado e c) adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios’”.
[2] Cf.: SILVA, José Afonso da. Princípios do processo de formação das leis no direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964. p. 298. Diz Silva, sobre o plebiscito: “Exercita-se sobre o ato ou fato em poder implicar num juízo de confiança em um regime ou em uma pessoa”. Ora, qual a confiança do povo neste regime que aqui está diante de tais manifestações?
[3] Para um contraponto, onde o poder constituinte originário é permanente e não se esgota com a elaboração da constituição, estando apto a manifestar a qualquer tempo, cf.: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 105-106.
[4] Cf., sobre a Constituição transformada num “fantasma de papel”: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 153.
[5] Esta vedação é o que se conhece como limite explícito circunstancial do poder constituinte, ou seja, certas Constituições não podem ser alteradas quando em determinadas situações de instabilidade política.
[6] CONJUR (Notícia). Manifesto vai contra Constituinte para reforma política. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-25/manifesto-assembleia-constituinte-reforma-politica. Acesso em: 25.06.2013.
[7] BALIARDO, Rafael. Cardozo diz que a sociedade não aceita mais atual sistema. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-26/cardozo-diretrizes-reforma-politica-vir-ruas. Acesso em: 26.06.2013.
[8] Refere-se à inflação legislativa, e a caracterização não é mensurada, mas “sentida”, cf.: COSTA JÚNIOR, Eduardo Carone. A legislação simbólica como fator de envenenamento do ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 100-101. Também, o autor à p. 132-133 traz questionamento quanto à “legislar melhor significa legislar menos?” e conclui: “Isto posto, podemos concluir que é preciso encontrar um meio-termo ótimo para a quantidade de leis e regulamentos em vigor em um dado Estado e em um dado momento histórico. É preciso reconhecer que, se de um lado, o excesso de legislação atravanca o desenvolvimento econômico, de outro, a sua escassez também pode propiciar práticas econômicas que são, igualmente, nocivas ao interesse da sociedade”. Para um contraponto, sob a perspectiva jurídica (segurança, estabilidade e justiça), sociológica (descontinuidade institucional frustraria a cristalização de um sentimento constitucional), cf.: BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 47-59.
[9] NEVES. Ob. cit., p. 33.
[10] WARAT. Luis Alberto. O direito e sua linguagem (2ª versão). 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995. p. 110.
Advogado.Pós-graduação lato sensu: Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Educacional de Ituverava -FE/FFCL - CEP - (FE/FFCL), conforme Res. 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. <br>Coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas dos Advogados da 70ª Subsecção da OABSP, Ituverava-SP. (2010-2012). Membro da Comissão de Ética e Disciplina, Secção de São Paulo, 70ª Subseção, Ituverava-SP, participante como Instrutor. (2007-2012). Autor do Livro: Fundamentos da supremacia do interesse público. Porto Alegre: Núria Fabris, 2012. 375p.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOãO JOSUé WALMOR DE MENDONçA, . Da rua à praça: reforma política e(m) tempo de crise Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2013, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1548/da-rua-a-praca-reforma-politica-e-m-tempo-de-crise. Acesso em: 28 nov 2024.
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