No dia 5.8.2013, o Diário Oficial da União publicou a Lei n. 12.850, de 2.8.2013, revogando a Lei n. 9.034, de 3.5.1985. Com isso, passamos a ter uma nova lei de combate à organização criminosa, com acentuação da cultura punitivista, policialesca e, lamentavelmente, superficial do fenômeno jurídico criminal.
É interessante verificar a nova definição de organização criminosa, bem como a extraterritorialidade, constante da nova lei, in verbis:
Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
§ 2o Esta Lei se aplica também:
I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.
Quanto ao caput do art. 1º, devo dizer que a lei não inova, mas em relação § 1º, esclareço que a lei brasileira distingue o crime da contravenção, ex vi do Decreto-lei n. 3.914, de 9.12.1941 (Lei de introdução ao Código Penal e à Lei de CP):
Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Pelo que se vê a “infração penal” (denominação imprópria, uma vez que se é gênero de crime, deveria ser denominada infração criminal), se divide em crime e contravenção segundo a pena cominada. No entanto, essa é uma distinção vazia de conteúdo, tendo em vista que ontologicamente não distinção prática entre reclusão, detenção e prisão simples, já tendo, inclusive, sido proposta a redução das três espécies a uma única, que é a prisão (Projeto de Lei n. 3.473/2000) Esta que é gênero, atualmente, daquelas, passaria a ser a única espécie de pena privativa de liberdade. O projeto de lei foi elaborado por uma comissão de alto nível, composta por grandes criminalistas, mas parou no Congresso Nacional porque foi tido como benevolente demais.
O Código Penal da França, de 1810, adotou a classificação tripartida, pela qual os crimes são mais graves e julgados pelo júri, os delitos pelos tribunais correcionais e as contravenções, como infrações menos graves, são julgadas pelos tribunais de polícia. Porém, ali, para fugir do menor rigor do julgamento popular, feito por intermédio dos jurados, os membros do parquet denunciavam por delito aquilo que seria crime.
A distinção feita pelo Decreto-lei n. 3.914/1941, expondo que o crime será apenado com detenção ou reclusão, enquanto a contravenção será apenada com prisão simples, ratifico, é inócua porque, embora a legislação criminal procure apresentar distinções, na prática, toda distinção estará no regime de cumprimento da pena (fechado, semi-aberto ou aberto).
No tocante ao § 1º do art. 1º da Lei n. 12.850/2013 gostei da nova redação, em relação à “associação de 4 (quatro) ou mais pessoas”, abandonando a complicada redação anterior do art. 288 do Código Penal, que enunciava a mesma coisa como “mais de 3 (três) pessoas”. Mas não gostei da parte que expõe “mediante prática de infrações penais” porque poderíamos estar vendo de forma mais coerente a palavra delito.
No Brasil, a maioria dos criminalistas diz que a palavra delito é sinônima de crime, mas – incoerentemente – vê delito administrativo, delito civil, delito trabalhista etc. O melhor, portanto, será – ad fortiori – entender que delito é gênero, importando em infração jurídica, seja ela administrativa, civil, trabalhista ou criminal. Porém, no campo criminal o delito admitirá duas espécies, a saber: crime e contravenção.
É interessante notar que o Código Penal não tem mais o crime de “quadrinha ou bando”, mas não houve abolitio criminis, eis que o tipo do art. 288 do Código Penal passou a ter a seguinte rubrica e está assim tipificado:
Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
É a punição da fase preparatória de outros crimes, constituindo preparação punível como crime autônomo. Porém, a preparação para um único crime será impunível, eis que a conduta só será punível a partir do início da execução (Código Penal, art. 14). Daí a nova redação do art. 288 manter a exigência de que agentes tenham a finalidade de “cometer crimes”, não bastando apenas um.
Vê-se que o novo tipo é mais abrangente e, portanto, agasalhou o tipo anterior, o que faz com que eventuais condenados pelo crime do art. 288 do Código Penal não tenham em seus favores a extinção dos efeitos criminais da condenação. Porém, trata-se de lex mitior – ou novatio legi in mellius – no tocante ao aumento da pena por se tratar de associação armada, eis que o aumento anterior era do dobro da pena. Desse modo, os condenados por quadrilha ou bando com o aumento do parágrafo único poderão pleitear a redução da pena junto ao juízo da execução criminal, eis que a lei criminal retroagirá para beneficiar o réu e o condenado (Constituição Federal, art. 5º, inc. XL; e Código Penal, art. 2º).
Considero lamentáveis os aspectos processuais da nova lei, os serão comentados por mim em outra oportunidade, mas as linhas gerais da minha resistência à delação premiada, ao flagrante diferido, à infiltração policial etc. já foram objetos de diversas publicações, especialmente nos meus comentários à lei antidrogas.
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