O Deputado Federal Natan Donadon foi condenado definitivamente a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em regime inicial fechado. No dia 28.8.2013, a Câmara dos Deputados rejeitou a cassação do parlamentar, o que ensejou a impetração, pelo Deputado Federal Carlos Sampaio, do Mandado de Segurança n. 32.326, contra ato do Presidente da sua Casa por entender que a cassação não era decisão sujeita à decisão plenária, mas mera declaração da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
O mandamus foi distribuído ao Ministro Luís Roberto Barroso, o qual, em 2.9.2013, concedeu liminar para suspender a decisão plenária, sendo oportuno destacar alguns aspectos da decisão monocrática:
(a) a decisão foi assim ementada:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA DE PARLAMENTAR. RECLUSÃO EM REGIME INICIAL FECHADO POR TEMPO SUPERIOR AO QUE RESTA DE MANDATO. HIPÓTESE DE DECLARAÇÃO DE PERDA DO MANDATO PELA MESA (CF, ART. 55, § 3º).
1. A Constituição prevê, como regra geral, que cabe a cada uma das Casas do Congresso Nacional, respectivamente, a decisão sobre a perda do mandato de Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal transitada em julgado.
2. Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado, que deva perdurar por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e fática de seu exercício.
3. Como consequência, quando se tratar de Deputado cujo prazo de prisão em regime fechado exceda o período que falta para a conclusão de seu mandato, a perda se dá como resultado direto e inexorável da condenação, sendo a decisão da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória.
4. Liminar concedida para suspender a deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados na Representação n. 20, de 21.8.2013.[1]
(b) preliminarmente, reconheceu a legitimidade ativa de parlamentar para impetrar mandado de segurança para questionar ato que importe ofensa ao devido processo legislativo. Todavia, toda decisão monocrática que se seguirá terá maior preocupação com a questão de fundo e não com o processo legislativo;
(c) o Relator reconhece que o STF, no julgamento da Ação Penal n. 470, se dividiu quanto aos efeitos da condenação, mas que no julgamento da Ação Penal n. 565 prevaleceu o entendimento de a perda do mandato depende de decisão da respectiva Casa do parlamentar condenado;
(d) declara existir norma expressa que compete à respectiva Casa do parlamentar a decisão sobre a perda do mandato (CF, art. 55, § 2º), esta é a interpretação literal possível. Mais ainda, evidencia que a interpretação histórica é consentânea com a gramatical;
(e) a decisão menciona a suspensão dos direitos políticos durante os efeitos da condenação, mas a exceção aberta em relação aos Deputados e Senadores (CF, art. 15, inc. III), o que conta com precedentes do STF;
(f) ao interpretar o art. 55, inc. III, da Constituição Federal, o Ministro Luís Roberto Barroso informa que o elemento fático evidencia ser o caso de mera declaração da Mesa Diretora da Casa (CF, art. 55, § 3º), pois o parlamentar não comparecerá para as sessões, o que se evidencia pelo fato de ter sido convocado o suplente do Deputado condenado;
(g) vislumbra o relator que a interpretação teleológica leva a perceber que a Constituição visa à preservar a separação de Poderes e, mais ainda, diz entender que se a Casa pode sustar o andamento do processo condenatório, certamente, poderá neutralizar um “efeito secundário da condenação, que é a perda do mandato” (item 29);
(h) na síntese das ideias desenvolvidas, o Ministro relator afirma:
...penso que o Congresso Nacional, por suas duas Casas, deveria, como regra geral, decidir pela perda do mandato de parlamentares condenados definitivamente por crimes graves. Inclusive e especialmente quando se tratar de crimes contra a Administração Pública. Trata-se de um dever moral e a sociedade deveria cobrar seu cumprimento. A Constituição, no entanto, não transformou esse dever moral em obrigação jurídica. Ao contrário, abriu espaço para um juízo político do Congresso. Imaginar o Poder Judiciário como um tutor geral da República, além de comprometer a legitimidade democrática do poder político, significaria decretar a menoridade das demais instituições. (item 32)
(h) não obstante o exposto, o autor passa a mencionar exceções, em que o restante do período de mandato será incompatível com o trabalho externo, eis que o condenado não terá cumprido o requisito temporal mínimo de 1/6 da pena. Então desenvolve o raciocínio que, na hipótese, “caberá à Mesa da Câmara, tão somente, a prática de um ato vinculado, de natureza declaratória da situação jurídica de impossibilidade que decorre do acórdão;
(i) vislumbra, com fulcro no art. 55, inc. III e no art. 56, inc. II, ambos da CF, a hipótese de perda automática do mandato por induzir a impossibilidade de comparecimento à terça parte das sessões ordinárias;
(j) conclui pela existência fumus boni iuris para ser a hipótese de perda automática de mandato, bem como de periculum in mora, em face da “gravidade moral e institucional” da decisão plenária concretizada.
Servidor Público que for condenado poderá ter a perda do cargo declarada na sentença, mas tal efeito não será automático (Código Penal, art. 92, parágrafo único). No caso de Deputado Federal ou Senador da República, conforme reconhece o relator do mandado de segurança em questão, o Poder Judiciário não poderá declarar a perda do mandato. Desse modo, o agente político terá maior garantia que o servidor público em geral.
Alguns aspectos merecem consideração. A aparência de bom direito (fumus boni iuris) não está evidente porque o ordenamento jurídico pátrio admite o trabalho externo do condenado que cumpre pena no regime fechado. Nesse sentido, dispõe o Código Penal:
Art. 34 - O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno.
§ 2º - O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena.
§ 3º - O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas.
O requisito de cumprimento de um sexto do tempo da pena para o trabalho externo está expresso no art. 37 do nosso Código de Execução Criminal (Lei n. 7.210, de 11.7.1984). No entanto, não existindo local para o trabalho interno, dever-se-á assegurar o direito ao trabalho externo.
O trabalho é um direito de todo condenado e a falta de classificação para o trabalho interno deverá permitir a flexibilização para autorizar a realização de trabalho externo e, com isso, evitar regime mais rigoroso do que aquele previsto em lei. O sistema penitenciário do Distrito Federal apresenta os mesmos complicadores dos sistemas de outras Unidades da Federação, especialmente no que se refere à superpopulação carcerária e, portanto, faltam postos para classificar todos os condenados para o trabalho interno.
Há muito que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de que inexistindo lugar para a adequada execução da pena no regime semiaberto, poder-se-á conceder a ele o benefício de cumprir a pena na própria residência.[2]
A decisão reconhece que não é adequado o Poder Judiciário se imiscuir naquilo que é próprio do Poder Legislativo, mas o faz e sem se atentar para todos os aspectos fáticos a serem considerados, eis que se olvidar de considerar, inclusive, a possibilidade de remição da pena pelo trabalho, que “será computado como pena cumprida para todos os efeitos legais (Lei n. 7.210/1984, art. 128), será lamentável em sede de decisão definitiva.
O periculum in mora invocado para concessão da decisão cautelar manifesta desejo de intromissão do Poder Judiciário em decisão que é própria do Poder Legislativo. E dizer que há gravame de ordem moral é achincalhar a independência do Poder Legislativo, mediante juízo de valor pouco fundamentado.
Espera-se maior prudência no julgamento colegiado do mandamus que ensejou a decisão liminar ora comentada, até porque não é razoável ver um embate que desgasta Poderes da República Federativa do Brasil, até mesmo com decisões monocráticas açodadas.
[1] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ms32326.pdf>. Acesso em: 3.9.2013, aos 49 minutos.
[2] A respeito: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 370-373
Procurador Federal; Concluiu o Curso de Formação de Oficiais (APMG) e Graduou-se em Direito (UniCEUB); Especialista em Direito Penal e Criminologia (UniCEUB); e em Metodologia do Ensino Superior (UniCEUB); Mestre (UFPE) e Doutor em Direito (UNZL); Professor, Procurador Federal e Advogado; Autor dos livros "Prescrição Penal", "Execução Criminal: Teoria e Prática" e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (Editora Atlas); e de vários artigos jurídicos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIDIO ROSA DE MESQUITA JúNIOR, . A perda de cargo público não será efeito automático da condenação, mormente quando se tratar de Deputado Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2013, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1601/a-perda-de-cargo-publico-nao-sera-efeito-automatico-da-condenacao-mormente-quando-se-tratar-de-deputado-federal. Acesso em: 29 nov 2024.
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