Em um país como o Brasil, cujo crime organizado de maior envergadura em termos de danos sociais (socialharm) está dominado pela troyka maligna formada por agentes financeiros inescrupulosos, agentes econômicos extrativistas e gananciosos e agentes públicos corruptos (incluindo os políticos), conta com particular interesse recordar a história de Al Capone assim como a origem do estudo (de Sutherland) sobre o criminoso do colarinho branco. Alphonse ou Alphonsus Gabriel Capone (Al Capone, também conhecido como "Cara de Cicatriz") foi um grande mafioso ítalo-americano que se enriqueceu especialmente com a lei seca, instituída pelo moralismo religioso, em 1920, nos EUA (referida lei proibiu o fabrico e a comercialização do álcool e seus derivados, de 1920 a 1933). Começou sua carreira delinquente na idade juvenil. Em 1919 foi morar em Chicago, por onde também passou como professor Sutherland (o criminólogo pai do conceito de criminoso do colarinho branco - veja 2009: 3 e ss.). Em 1929, Al Capone, em razão das suas conexões com os "respeitáveis cidadãos" de Chicago, apesar de ser um conhecido mafioso, foi eleito como um dos homens mais importantes do ano (ao lado de Einstein e Ghandhi). Chegou a faturar mais de 100 milhões de dólares por ano, controlando pontos de apostas, casas de jogo, bordéis, clubes noturnos assim como vendas de bebidas alcoólicas (que estavam proibidas). Em 1931 foi condenado por sonegação de impostos, a 10 anos de prisão. Morreu em 1947.
O hotel Lexington (em Chicago) se transformou na sede do seu "empreendimento rentabilíssimo". Deste este "quartel-general" comandava todas as atividades das suas "macroempresas", dando entrevistas sob as fotos de Washington e Lincoln (veja Aller 2009: XXVIII). Tudo que a população (ou parte dela) gosta de consumir (álcool, drogas, sexo, fumo, animais, armas etc.), mesmo que haja lei proibitiva, sempre encontrará quem faz a oferta. Onde há demanda existe oferta (diz uma clássica lei do mercado capitalista). Al Capone, que abasteceu abundantemente o mercado rico de Chicago (e muitas outras regiões dos EUA), disse (sobre o produto que o enriqueceu sobejamente: o álcool): "Fiz minha fortuna prestando um serviço público. Se eu violei a lei, meus paroquianos [clientes], dentre os quais se encontra o melhor da sociedade de Chicago, são tão culpáveis como eu. A única diferença entre nós consiste em que eu vendi e eles compraram. Quando meus clientes servem o produto em bandejas de prata isso se chama hospitalidade". A Mafia e a Cosa Nostra, depois do mau exemplo de Al Capone, se impuseram a norma de evitarem a publicidade e a exposição, buscando uma imagem de legalidade e honorabilidade (sem ser identificados como delinquentes pela sociedade) (veja Aller 2009: XXVIII). Com isso também se dificulta a punibilidade das suas ações, em razão do processo de mimetização do dinheiro (ou seja: mesclam-se dinheiro sujo de atividades ilícitas com dinheiro limpo de atividades lícitas, tornando complicada a investigação e punição).
Sutherland (1883-1950), estudando a criminalidade de Chicago no princípio do século XX, mudou totalmente o enfoque da velha criminologia (chamada de "etiológica"), que cuidava apenas dos criminosos pobres, para os criminosos poderosos e honoráveis, chamando a atenção (de modo particular) para a forma como esses criminosos do colarinho branco transmitiam para os filhos ou terceiras pessoas as técnicas delitivas. Ele mesmo, sob a influência de Quételet, Guerry, G. Tarde e Durkheim (este último afirmava que a criminalidade é normal, existe em toda sociedade e em todas as classes sociais), criou uma particular teoria da aprendizagem que denominou de teoria da associação diferencial, apresentada em 1939. Tarde dizia que a criminalidade se imita e isso ocorre sob o império de três leis: (a) na proporção direta do grau de proximidade ou intimidade (entre o delinquente do colarinho branco e o aprendiz), (b) o superior é imitado pelo inferior e (c) as novas modas delitivas substituem as anteriores (salvo algumas exceções) (veja Aller 2009: XXX). Com base nesses antecedentes sociológicos e criminológicos, Sutherland afirmava que da mesma maneira que um aprendiz vai aprendendo com o instrutor ou maestro uma nova profissão, desse mesmo modo se fabrica um novo delinquente do colarinho branco (que aprende o modus operandi, as linguagens, as técnicas delitivas [assim como as técnicas de neutralização e de justificação - tal como descritas por Sykes e Matza], os códigos internos, as hierarquias e os territórios de atuação, comportamento frente a um policial ou juiz etc.).
A teoria de Sutherland, embora já conte com mais de 70 anos, continua válida para explicar a atuação (e formação) das pessoas acusadas como jovens criminosos do colarinho branco, tais como (por exemplo) as filhas e genros de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, em nome dos quais foram encontradas várias contas bancárias na Suíça (num total de US$ 23 milhões). O crime do colarinho branco, como se vê - e como revela o achado científico de Sutherland -, se aprende. Não foi apenas Al Capone que deixou "herdeiros" mafiosos e criminosos. O crime faz parte da atividade humana. Todas as classes sociais delinquem (pobres e ricos), porque o crime é um fenômeno normal (comum, corrente) em todas as sociedades (Durkheim). Todos os criminosos, portanto, particularmente os ricos, transmitem suas experiências para as novas gerações (o que não significa que todos os filhos de criminosos também o sejam; seria uma presunção odiosa imaginar o contrário). A escola do crime dos pobres é, sobretudo, a cadeia. A escola do crime dos ricos (destacando-se dentre eles os cometidos pela troyka maligna) se desenvolve nas empresas, nos bancos, nas diretorias das corporações, em suma, nos escritórios dos agentes componentes da citada troyka, formada por agentes financeiros inescrupulosos, agentes econômicos extrativistas e gananciosos e agentes públicos (com destaque para os políticos) corruptos.
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