A Ministra Rosa Weber concedeu uma liminar para suspender decisão do Juízo da 6ª. Vara Cível de Vitória do Espírito Santo que determinou a exclusão do sítio eletrônico do jornal Século Diário de publicações relativas a um Promotor de Justiça e dos respectivos comentários, com pena de multa diária pelo descumprimento, e fixou critérios para novas publicações. A decisão monocrática, foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico do dia 06 de agosto de 2014, deu-se na Reclamação nº. 16434.
Na Reclamação, um jornalista, de 77 anos de idade e 50 de profissão, sustenta que a determinação da Justiça do Espírito Santo afronta a autoridade do acórdão do Supremo no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 130, que julgou a Lei de Imprensa incompatível com a Constituição Federal.
Segundo o jornalista, a definição, pelo Juízo, de critérios editoriais subjetivos para a veiculação de novas publicações configura “censura por via transversa e imposição de verdadeira mordaça”, alegando ainda que ele e os demais réus na ação movida pelo promotor contra o jornal estão sendo impedidos de exercer sua profissão com a cobrança da multa por descumprimento da tutela antecipada, que já ultrapassa R$ 400 mil.
Ao conceder a liminar para suspender a proibição, a Ministra Rosa Weber lembra que, ao impor a objetividade e impedir a veiculação de opinião pejorativa ou crítica desfavorável, a decisão de primeiro grau aniquilou a proteção à liberdade de imprensa, “reduzindo-a à liberdade de informar, que, se constitui uma de suas dimensões, em absoluto a esgota”. A Ministra assinala que liberdade de imprensa e objetividade compulsória “são conceitos mutuamente excludentes”, e que a imprensa livre, por definição, “não tem compromisso com uma suposta neutralidade, e, no dia que eventualmente vier a tê-lo, já não será mais livre”.
A liminar destaca que é vedado ao Poder Público interferir na livre expressão jornalística ou “delinear as feições do seu conteúdo mediante a imposição de critérios que dizem respeito a escolhas de natureza eminentemente editorial dos veículos da imprensa”. Assim, a determinação de linha editorial a ser seguida por veículo de imprensa é “absolutamente incompatível com o regime do Estado Democrático de Direito”, opondo-se às garantias fixadas no artigo 220, parágrafos 2º e 6º, da Constituição, e reintroduzindo, “na prática dos tribunais, o espírito autoritário da Lei 5.250/1967, de modo algum recepcionado pela Carta instauradora do presente regime democrático, conforme restou decidido ao julgamento da ADPF 130”. Ao deferir liminar, a Ministra Rosa Weber considerou suficientemente demonstrados o perigo na demora e a plausibilidade jurídica da tese defendida pelo jornalista. A fim de evitar dano irreparável, suspendeu os efeitos da decisão até o julgamento do mérito da RCL 16434.
Viva a decisão monocrática da Ministra! E vejam que diziam que ela só sabia Direito do Trabalho...
Sem entrar no mérito, o certo é que a decisão a quo (no mais pejorativo sentido da locução latina) foi lamentável sob todos os aspectos, especialmente do ponto de vista da liberdade de imprensa.
Aliás, o Ministro Celso de Mello, ao negar provimento ao Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº. 705630 já teve a oportunidade de, com absoluta lucidez e serenidade, afirmar que “no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional” (...) O interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas”. (...) O direito de crítica encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apóia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito”.
Ora, em um Estado Democrático de Direito é preciso aprender a conviver com a liberdade de imprensa e com o contraditório. A propósito, anota Gilberto Haddad Jabur que o “direito à informação verdadeira, ou liberdade de informação ativa, por intermédio de qualquer meio de difusão, é condição para o saudável e legítimo exercício da liberdade de pensamento, viga mestra dos registros democráticos. O direito de receber informação autêntica depende não só do propósito de quem a presta, mas também dos meios que a divulgam. É direito-pressuposto para o correto encadeamento de idéias, fase do processo de formação de opinião. A correta difusão do pensamento (liberdade de expressão por qualquer veículo), a adequada formação da consciência ou crença, dependem do conteúdo fidedigno da informação, neste ou naquele terreno. Derivam, assim, da preliminar e isenta apreensão dos fatos em torno dos quais se formam, desenvolvem-se e manifestam-se.” (...) “O direito à informação verdadeira é, em suma, o germe da correta e livre formação do pensamento e suas ramificações”[1]
Também corretas estas observações de Ilivaldo Duarte: “Os meios de comunicação vêm contribuindo sobremaneira e cumprindo o seu papel social para a vigência e consolidação do estado democrático de direito, iniciado com a Constituição Federal Brasileira em 1988. Durante décadas, antes da CF de 1988, o que se verificou em nosso país foram anos de censura política e ideológica que marcaram a vida de centenas de brasileiros em meio à ditadura instalada pelo governo. Provocando o impedimento e o cerceamento ao direito à liberdade e à manifestação de opinião, seja esta de modo individual ou coletivo, ou até mesmo, através das manifestações pessoais ou formais. Felizmente, vivemos hoje um novo tempo, um novo momento na história política e social, e porque não dizer, na história da cidadania brasileira, com a vivência na prática dos fundamentos do estado democrático de direito da República Federativa do Brasil, alicerçado na soberania, dignidade humana e cidadania, previstos no artigo 1.º da nossa constituição. (...) Sem dúvida alguma, a liberdade de imprensa é um dos pilares da cidadania e do legítimo estado democrático. E a sociedade, razão maior do trabalho da imprensa, tem direito à informação e estar a par dos fatos do cotidiano. Mas, para que esses acontecimentos continuem sendo desfraldados e levados ao conhecimento de todos, para o bem comum de todos, devem ser respeitados os limites da legalidade, da ética e da verdade, para que tenhamos um país consolidado na liberdade e na democracia, através de uma sociedade organizada e participativa, com a preservação da dignidade humana, um dos mais importantes direitos constitucionais.
Este autor, citando Ruy Barbosa (“A Imprensa e o Dever da Verdade”), lembra que já em 1920 o jurista brasileiro afirmava que “a imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa, ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.”[2]
Pois é, como diria Chico Buarque:
"Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça"
[1] Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, pp. 165 e 172.
[2] www.paranaonline.com.br - 02/10/2005
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. Não ofenda, mas não se cale! Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 ago 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1883/nao-ofenda-mas-nao-se-cale. Acesso em: 28 nov 2024.
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