Dr. William, É uma alegria fazer esta entrevista para abordar um tema importante: o que um evento como a Copa do Mundo trouxe de lições para os concurseiros?
William Douglas – Também fico feliz por abordar um assunto interessante tanto para quem faz concurso, como para quem gosta de futebol.
A Copa nos trouxe muitas lições. Na primeira delas, quero lembrar de Câmara Cascudo, que disse que “o melhor do Brasil é o brasileiro”. De fato, fomos muito elogiados por nossa hospitalidade, por nossa alegria... Tivemos até a oportunidade de saber de algumas pessoas humildes, pobres, que devolveram ingressos extraviados. Porém, ainda precisamos abandonar nosso complexo de vira-lata. E se por um lado temos que abandonar o complexo de vira-lata, temos que abandonar também o comportamento de vira-lata.
Neste sentido, digo que a Copa foi uma grande lição para um concurseiro, para alguém que investe no estudo. E para começar, vamos lembrar do que o Parreira disse, antes da Copa. O coordenador técnico da CBF afirmou que o Brasil já estava com a mão na taça. Ora, não existe isso de mão na taça. Se alguém está estudando para um concurso e acha que já está aprovado, que já ganhou, que é o tal, pode ser pego de surpresa. É preciso se preparar muito para não ter aquela sensação desagradável que todos nós brasileiros tivemos, a de que não existia mão na taça nenhuma. A taça foi parar na mão da Alemanha.
Sobre o time da Alemanha, muito se falou sobre a parte de planejamento e muito trabalho, dois pontos fundamentais para quem faz concursos, certo?
William Douglas - Sim. Em meu livro “Como passar em provas e concursos” eu digo que existem três grandes pilares para quem quer passar em concursos. O primeiro deles é justamente a organização e o planejamento, sobre os quais recebemos uma aula dos alemães. O segundo é como estudar e o terceiro é como fazer uma prova. Portanto, um ponto imprescindível em qualquer projeto, seja um concurso, seja uma carreira, seja uma empresa, seja até mesmo um regime para uma pessoa emagrecer, é o planejamento. E os alemães vieram para o Brasil com muito mais que planejamento. Vieram com humildade, com seriedade, com muito treinamento. Trabalharam pra valer e em equipe.
Outra lição que esta Copa trouxe é que talento pode ganhar o jogo, mas é treinamento que ganha o campeonato. Um craque pode ganhar o jogo, mas é um time que ganha o campeonato. E aí, o concurseiro vai questionar: “mas qual é meu time?” O time do concurseiro é seu relacionamento com a família, é cada um dos professores, são os livros, é seu material de estudo. Ele treina com tudo isso. Este é seu time, estes são os elementos com os quais ele precisa treinar.
Ainda falando dos alemães, vale lembrar que eles treinavam no horário do meio-dia, tiveram poucas folgas e faziam academia de musculação em ambiente sem ar-condicionado. E também me lembro de que vejo muita gente passar na parte intelectual de um concurso, mas ser reprovado na parte física. Isto acontece porque há muitos que começam a se preparar para os testes de aptidão física só depois que passam pelas provas intelectuais. Dificilmente irão conseguir ser aprovados.
Sempre falo que se você vai treinar para corrida, você tem que correr na pior hora do dia. E os alemães fizeram isso, passaram por um duro treinamento. Se, por exemplo, eu sei que vou fazer uma prova de cinco horas de duração, eu treino para ficar seis horas sentado, fazendo uma prova, um simulado, exatamente para estar em condições superiores as que me serão exigidas.
Esta é mais uma lição trazida pela Copa. Não é nova, mas mostra como faz diferença. Os alemães treinaram muito, ficaram concentrados. Enquanto isso, nossa seleção tinha muita folga, o pessoal voltava para casa. O resultado disso é que levamos um 7 x 1, merecidíssimo, proveniente de uma série de erros.
Outra coisa importante para se ter em mente é que estrela na camisa não vence campeonato nem estrela em campo. Note que o Neymar não resolveu o Brasil, o Messi não resolveu a Argentina. Ele até foi para a final, mas não levou a vitória. Cristiano Ronaldo não resolveu Portugal nem Robben resolveu a Holanda. Isto significa que precisamos ter um trabalho sério com planejamento. E que tudo isso sirva de incentivo aos concurseiros.
Existem concursos na área da magistratura, do ministério público e de outras carreiras jurídicas, em que os candidatos precisam passar por várias fases até conseguir a aprovação final. O concurseiro precisa se preparar muito para que não passe apenas na primeira fase. Porque embora tenha talento, pode não chegar até o final porque faltou maior preparo.
William Douglas - Justamente, até porque o concurso público também tem o “mata-mata” da Copa. Mas um fato interessante foi a situação vivida pela Costa Rica. Todo mundo dizia que o time costariquenho ia ser o “saco de pancada” do grupo, formado pela Itália, Uruguai e Inglaterra, todos estes com campeonatos mundiais. A Itália com 4, o Uruguai com 2, a Inglaterra com 1. Mas a Costa Rica alcançou a liderança do grupo.
Isso serve de inspiração e motivação para todo aquele que acha que não é ninguém, que é um desconhecido. Ora, o desconhecido pode ir lá e fazer diferença, pode levar a taça porque é no campo que se ganha.
Ainda nesta questão, muita gente fica contando com a sorte. E o melhor exemplo de sorte na Copa foi a “bola na trave”. No concurso público, a “bola na trave” é aquela pessoa que perde por um ponto, que quase foi chamado, que quase ficou na zona de classificação e não conseguiu por uma diferença muito pequena. Isto deixa muita gente desanimada, triste. Só que a pessoa tinha que ficar feliz, mesmo precisando desenvolver ainda mais suas capacidades.
É claro que “bola na trave” não ganha o jogo, mas não pode impedir você de continuar chutando. Quando uma bola bate na trave é sinal de que já conseguimos desestabilizar o outro time, já “metemos uma na trave”, a próxima vai entrar. Mas para isto acontecer, eis a lição, é preciso continuar chutando, sem desanimar ou desistir.
Outro tipo de “bola na trave” é quando o concurseiro passa no concurso, que é anulado, suspenso, porque aconteceu algum problema. Da mesma forma, vai valer continuar jogando, de preferência, cada vez melhor. Lembre-se de que você está quase conseguindo.
O senhor citou o exemplo da Costa Rica, um time desconhecido, mas empenhado. E reconhecemos o merecimento do time que se esforçou bastante. Por outro lado, há o exemplo da Espanha, que chegou com nome, pensando que ia fazer uma grande Copa do Mundo, mas não teve um bom resultado. Ela esqueceu de trabalhar?
William Douglas - Acho que na situação da Espanha, tivemos um pouco da influência do tipo de jogo e da preparação física. Muitas pessoas dizem que teve uma relação com a idade, o que é diferente no concurso, em que a idade não atrapalha. Mas, com certeza, havia uma expectativa por conta do passado. Só que passado também não ganha o jogo.
Mas há algo muito significativo para aprender com esta Copa. Trata-se da perigosa arte da desculpa. Depois do 7 x 1, surgiu a versão de que a derrota foi devido a um “apagão” de seis minutos. Ao invés do time dizer: “realmente, nós não treinamos bem, fomos arrogantes etc, buscou-se uma boa desculpa. E boa desculpa todo mundo vai achar em qualquer carreira, seja na seleção brasileira, seja na vida de concurseiro.
Mas o “apagão” de seis minutos não foi o problema, foi o ápice de uma seqüência de erros. E depois deste “apagão” nem houve força para reagir, o time sequer empatou o jogo. Se o placar fosse zerado, a gente teria perdido de novo. Logo, o concurseiro, o profissional, o advogado, que reclama da carreira e o próprio servidor público que reclama da vida, tem que tomar cuidado para não focar nas desculpas, mas nas soluções.
O respeito ao adversário também é mais uma lição. Vimos os alemães respeitando seus adversários tanto dentro de campo como depois do jogo, o que não costuma ser um comportamento típico dos latinos.
Outro aprendizado importante, não apenas para concurseiros, mas para servidores, para advogados, para professores, é a sabedoria nos relacionamentos. Se a gente reparar bem, a Alemanha deu um show de bom relacionamento. Já os argentinos não foram tão hábeis. Tudo isso sinaliza que na vida profissional é fundamental obter capacidade de lidar com os relacionamentos.
Isto é bem interessante porque alguns jogadores alemães postaram mensagens em português nas redes sociais e conquistaram a torcida brasileira. No meio da rivalidade entre Brasil e Argentina, os alemães fizeram seu trabalho e ainda conseguiram conquistar nosso povo.
William Douglas - Os alemães foram em orfanato, brincaram com criança pobre, com deficientes, visitaram índios, cantaram o hino do Bahia, doaram ambulância, empregaram brasileiro, Podolski abraçou a bandeira brasileira... Meu irmão, não tinha como não conquistar a gente. Até mandaram um vídeo, que está disponível na Internet, em que a seleção alemã envia um “Obrigada, Brasil”. Ou seja, esta arte de agradecer e de conquistar é muito importante.
É claro que no concurso público, a importância é menor. Mas mesmo assim, a forma como o candidato se comporta, como se veste, como fala em uma prova oral faz diferença. Também é óbvio que existe a ingratidão. A gente sabe que em todos os países tem gente educada e mal-educada. Os argentinos, por exemplo, fizeram uma pichação no local que foi cedido gratuitamente para terem onde ficar durante os jogos. Ao irem embora, picharam um monte de ofensas aos brasileiros. Se a gente observar este dois comportamentos, vamos ver que um acabou ganhando a torcida do Brasil, o outro não.
Vale repetir que “o orgulho precede a queda” e que a arrogância só atrapalha. Baseado nisso, digo que o comportamento individual influencia as pessoas ao redor. O concurseiro não pode esquecer que quando ele resolve a vida dele na aprovação, ele também está resolvendo a vida de sua família, de seu bairro, de seu país. E quando ele desanima ou desiste, isto também vai afetar sua família, seu filhos e tudo ao redor.
Um exemplo foi o do jogador Soares, que por causa daquela famosa mordida, acabou prejudicando todo seu time. Certamente, o Soares fez e faz falta na seleção uruguaia, mas acabou saindo por causa de uma atitude destemperada. Isto também serve como lição. Igualmente, o Zuniga prejudicou tanto o Neymar, como o Brasil, como a Copa, por causa da forma como “entrou” no Neymar naquela jogada. Que estas atitudes sirvam como exemplo a não ser seguido. E todos devem lembrar que ninguém é uma ilha e que tudo o que cada um faz de bom e de ruim tem uma repercussão na comunidade em que está inserido.
Inteligente é aquele que consegue aprender com os próprios erros, mas o sábio é aquele que consegue aprender com o erro dos outros. Que estes erros que apontamos aqui sirvam de lição para aqueles que estão nos concursos públicos, não é mesmo?
William Douglas - Com certeza! Neste passo, vale citar que a gente não tem que aprender somente com os erros, sejam nossos ou dos outros. Mas podemos aprender com os acertos. O presidente da CBF, por exemplo, disse o seguinte: “Posso afirmar que não temos nada a aprender com ninguém de fora, principalmente no futebol. Sempre tivemos os melhores do mundo, já vencemos cinco vezes a Copa”. Alguém que se comporta com esta mentalidade, seja na CBF, seja no governo, seja nos concursos, seja nas empresas, com certeza, vai “tomar muita goleada” pela frente. Porque dizer que não tem nada para aprender com os outros, principalmente quando os outros estão mostrando que tem muito a ensinar, é uma atitude muito arriscada. Sendo assim, que todos que estejam nos ouvindo, em qualquer área e carreira, tenham capacidade para ser humilde, para se planejar, para treinar duro e também para aprender com os erros e com os acertos, tanto próprios, quanto de quem está ao lado.
Muito obrigado, Dr William Douglas
A honra é minha.
Juiz Federal, Titular da 4ª Vara Federal de Niterói - Rio de Janeiro; Professor Universitário; Mestre em Direito, pela Universidade Gama Filho - UGF; Pós-graduado em Políticas Públicas e Governo - EPPG/UFRJ; Bacharel em Direito, pela Universidade Federal Fluminense - UFF; Conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ; Professor Honoris Causa da ESA - Escola Superior de Advocacia - OAB/RJ; Professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas - EPGE/FGV; Membro das Bancas Examinadoras de Direito Penal dos V, VI, VII e VIII Concursos Públicos para Delegado de Polícia/RJ, sendo Presidente em algumas delas; Conferencista em simpósios e seminários; Autor de vários livros. Site: www.williamdouglas.com.br<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DOUGLAS, William. As lições da copa para os concurseiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1911/as-licoes-da-copa-para-os-concurseiros. Acesso em: 21 nov 2024.
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