O Ministro chileno Leopoldo Llanos, da Corte de Apelações de Santiago, em visita extraordinária para casos de violação aos direitos humanos, proferiu sentenças em dois processos por violações dos direitos humanos cometidas por membros afastados da Armada e ex-integrantes da Direção de Inteligência Nacional (DINA). No primeiro caso, o Magistrado deu o veredicto por torturas aplicadas por membros da Armada – atualmente afastados – contra Haydeé Oberreuter Umazabal, ilícito perpetrado entre dezembro de 1975 e de fevereiro de 1976, no quartel chamado Silva Palma. Na sentença, o Ministro condenou os antigos membros da Marinha Juan de Dios Reyes Basaur, Juan Jorquera Terraza e Valentín Riquelme Villalobos, por sua responsabilidade nas torturas aplicadas à mulher, a quatro anos de prisão, sem benefícios.
Veja a notícia no original:
"El Ministro en visita extraordinaria para causas por violación a los derechos humanos de la Corte de Apelaciones de Santiago, Leopoldo Llanos, dictó sentencia en dos procesos por violaciones a los derechos humanos cometidos por miembros en retiro de la Armada y ex integrantes de la Dirección de Inteligencia Nacional (DINA). En el primer caso, el Magistrado dictó sentencia por las torturas aplicadas por miembros de la Armada -actualmente en retiro- en contra de Haydeé Oberreuter Umazabal, ilícito perpetrado entre diciembre de 1975 y febrero de 1976, en el denominado cuartel Silva Palma. En la resolución, el Ministro Llanos condenó por su responsabilidad en los tormentos aplicados a la mujer, a los ex miembros de la Marina: Juan de Dios Reyes Basaur, Juan Jorquera Terraza y Valentín Riquelme Villalobos, a penas de 4 años de presidio, sin beneficios.En el aspecto civil, acogió la demanda en contra del Fisco, ordenando pagar la suma de $80.000.000 (ochenta millones de pesos) a la víctima por la responsabilidad de agentes del Estado en la comisión del delito.En el segundo caso, por su parte, el Magistrado dictó sentencia en la investigación por los secuestros calificados de Artemio Gutiérrez Ávila, Francisco Fuentealba Fuentealba y Abundio Contreras González, cometidos entre el 13 y 14 de julio de 1974, y quienes fueron recluidos en el recinto de detención clandestino de Londres 38. En su sentencia, fueron condenados como responsables en los ilícitos los ex integrantes de la DINA: Manuel Contreras Sepúlveda, Miguel Krassnoff Martchenko y Marcelo Moren Brito, a penas de 20 años de presidio; y Basclay Zapata Reyes a 15 años y un día de presidio. En el aspecto civil, se ordenó al Fisco pagar la suma de $50.000.000 (cincuenta millones de pesos) a Sergio Gutiérrez Ávila –hijo de Artemio Gutiérrez–; $100.000.000 (cien millones de pesos) a Pablo Contreras Guzmán –hijo de Abundio Contreras–, y $50.000.000 (cincuenta millones de pesos) a los hermanos de Abundio Contreras: Héctor y Julia Contreras González - Viernes, 19 de diciembre de 2014." Fonte: http://diarioconstitucional.cl/noticias/asuntos-de-interes-publico/2014/11/11/ministro-llanos-dicta-sentencias-por-ilicitos-perpetrados-en-cuartel-silvia-palma-y-londres-38/
Pois é, em tempos de Comissão da Verdade, este caso chileno deveria servir como exemplo para nós, pois, mais importante que punir, é o Estado assumir que cometeu abusos de poder durante décadas e indenizar civilmente as vítimas ou os seus sucessores.
Mas, evidentemente, que não estamos apenas a nos referir à tortura praticada na época do regime militar, mas, e principalmente, nas sessões de tortura diariamente praticadas no interior de nossos estabelecimentos prisionais, sob o olhar complacente de nossas autoridades, inclusive aquelas a quem por dever exercem (ou deveriam exercer) o controle externo da atividade policial, nos termos do art. 129, VII da Constituição Federal.
A propósito, nos dias 30 de novembro e 1º. de dezembro do ano de 2000 foi realizado, no Superior Tribunal de Justiça, o Seminário Nacional sobre "A Eficácia da Lei de Tortura", o qual contou com a participação de inúmeros Procuradores-Gerais de Justiça, Ouvidores da Polícia Civil, Médico-legista, Perito Criminal, Professores de Direitos Humanos e de Direito Penal (Bristol - Inglaterra), membro da Associação de Prevenção de Tortura, Diretor do Penal Reform International - Costa Rica, Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Assessor da ONU para Direitos Humanos, entre outros.
À época, comentando o evento, Renato Barão Varalda escreveu o seguinte artigo:
"Há no Brasil normas suficientes de proteção às vítimas e de punição do crime de tortura, a saber: Lei 9.807/99 - organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas; Lei 9.4555/97 - tipificação do crime de tortura; Decreto 40 de 15/2/91 - convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cíveis, desumanos e degradantes - ONU; Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura – ratificada pelo Brasil em 20/7/89; princípios constitucionais de proteção aos direitos humanos; art. 1º, III; dignidade da pessoa humana , art. 4º - II; prevalência dos direitos humanos etc. Contudo, indo na contramão dos efetivos mecanismos de proteção aos direitos humanos, recente decisão de primeiro grau no Distrito Federal(HC 2000.00.2.005055-6, j. 23.11.00), a qual condenou agentes de polícia a três anos de reclusão e à perda da função com base na Lei 9.455/977, foi reformada, nulificando os atos processuais a partir do relatório final da autoridade policial, haja vista a participação do Ministério Público na fase inquisitorial. Conforme bem colocado pela juíza federal do Estado do Rio de Janeiro Simone Schreiber, no Seminário acima mencionado, "apesar de existência de um sistema integrado de proteção de direitos humanos, com normas e mecanismos de proteção de direito interno e de direito internacional, ao examinarmos os efeitos concretos de atuação de tais aparatos de proteção, a realidade é extremamente preocupanteCom efeito, as Promotorias de Investigação Criminal e Controle Externoda Atividade Policial recebem toda semana notitia criminis acerca de torturas e abusos de autoridades praticados justamente pelos agentes responsáveis pela proteção dos direitos humanos. Nesse sentido, vale continuar destacando o entendimento da referida magistrada, verbis: "apesar dos raros casos de apuração de tortura, para responsabilização civil e criminal do agente, partiremos da premissa de que há tortura no Brasil. E há em grande escala, ou seja, tratando especificamente da tortura do preso pelos agentes responsáveis pela investigação (polícia judiciária) e pelo encarceramento (agentes administrativos dentro das penitenciárias). Podemos afirmar que há prática corriqueira de submeter o preso a sofrimentos físicos e morais, a tratamento cruel e degradante, pelos mais diversos motivos, desde a investigação, até a contenção da massa carcerária, como mecanismo de imposição de disciplina, considerando-se um sistema penitenciário que mantém os presos em uma situação limite, insuportável, reduzindo-os a uma condição abaixo do limite da dignidade inerente à condição humana, onde a utilização da violência é mecanismo tolerado de controle". Grifo nosso O que fazer o Ministério Público, órgão com atribuições constitucionais de controle externo da atividade policial e o dominus litis da ação penal pública, ao se deparar com um inquérito policial pouco instruído, pouco apurado, até mesmo próximo à prescrição, e as vítimas e as testemunhas presentes no gabinete do Promotor de Justiça? Colher as declarações visando à formação da opinio delicti ou ignorar a presença dos ofendidos e testemunhas e arquivar o inquérito policial omisso na apuração? Baixar o inquérito policial para que os próprios investigados "cumpram" as diligências requisitadas? Devem os torturados se calar, já que a grande maioria das 241[1] denúncias por crime de tortura envolve policiais civis e militares? Com propriedade expõe o juiz paulista Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior[2], em artigo intitulado "O judiciário brasileiro em face dos direitos humanos": "ao invés da adoção de medidas de caráter social, que busquem resgatar uma significativa parcela da população que hoje ostenta a condição de excluída, considerados excluídos aqueles que não têm acesso aos mais básicos direitos decorrentes de sua condição humana e de sua condição de cidadão, é adotada uma política criminal meramente simbólica, com a aprovação de novas leis repressivas, ou a notícia de novas políticas de segurança com tônica em espetaculares, mas absolutamente tópicas e esporádicas, ações repressivas". Grifo nosso Há julgados resguardando ao Ministério Público suas legítimas atribuições de investigação criminal e controle externo da atividade policial, contemporizando à referida Instituição efetivos meios de proteção aos direitos humanos (sobretudo, a investigação dos crimes, quando a apuração é falha ou omissa). É patente que os atos deinvestigação destinados à elucidação de crimes não são exclusivos da Polícia Judiciária e que tal prática não inviabiliza o Promotor de Justiça de promover a denúncia, por tratar-se de uma proposta de demonstração, a qual pode ser contrariado pelo acusado, pois a imparcialidade está no ato de julgar. A partir da Constituição de 1988, a jurisprudência dominante dos Tribunais reconheceu ao Ministério Público a atribuição de oferecer peças acusatórias, com base nos elementos informativos de quedispuser, inclusive os coletados nos procedimentos administrativos internos. Ora, negar posicionamento contrário é negar ao Ministério Público a defesa dos direitos humanos. Ressalte-se, por outro lado, que o crime de tortura é praticado em fundo de quintal e de delegacias, em porões, o que inviabiliza a descrição da conduta típica de cada co-autor. Como bem exposto pela Procuradora-Geral de Justiça do Estado de Goiás e Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça Ivana Farina, no Seminário Nacional retrodescrito, o crime de tortura é praticado às surdinas, impossibilitando uma peça acusatória com a narração de todos as circunstâncias, o meio, o mal, motivos e maneira empregados por cada co-autor.É suficiente, pois, a qualificação dos autores e a exposição do fato criminoso, prescindindo-se da descrição da ação ou omissão específica de cada co-autor, haja vista o tormento físico e mental da vítima nomomento dos fatos, dificultando um relato preciso das condutas. Nesse caminho, os Tribunais já posicionaram pela dispensabilidade da individualização da conduta específica de cada agente nos casos de autoria conjunta ou coletiva, em especial, nos delitos societários. Ressalte-se, também, que se deve atribuir à palavra da vítima a vigamestre da estrutura probatória (entendimento já pacífico nos crimes contra os costumes), haja vista a existência de técnicas de tortura que não deixam vestígios e a prática ocorrer às surdinas, conforme acima exposto. A tortura no Brasil é uma herança cultural ainda arraigada na sociedade, cabendo aos operadores do direito uma formação do efetivorespeito aos direitos humanos, seja no melhor aparato do Estado naobtenção da prova (confissão é tão-somente um dos meios), seja na aplicação das normas de proteção relativa à vedação do crime de tortura, seja no reconhecimento do Ministério Público como órgão de proteção dos direitos humanos. É óbvio que a polícia é incapaz de apurar crimes praticados pelos próprios policiais. Diante disso, a quem atribuir tal tarefa se o Judiciário se mantém reticente no reconhecimento, de uma vez por todas, de que o poder de investigar é inerente ao poder de fiscalizar?" (Tortura e o Poder Judiciário.
Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 02.08.2001).
Também vale transcrever um texto muitíssimo interessante de uma estudiosa em direitos humanos no Brasil, a Professora Flávia Piovesan:
"Seja no Brasil, em Abu Ghraib ou Guantánamo, a prática da tortura se manterá na medida em que se assegurar a impunidade de seus agentes. Como já disse o então relator especial das Nações Unidas, Nigel Rodley, a tortura é um “crime de oportunidade”. Na última semana, a soldada norte-americana Lynndie England foi condenada a três anos de prisão. Sua fotografia, arrastando com uma corda um prisioneiro nu iraquiano, foi símbolo maior dos maus tratos e das torturas praticados na prisão de Abu Ghraib. Também nas últimas semanas começou o processo de esvaziamento da prisão de Guantánamo. Dos 660 suspeitos confinados na base naval norte-americana em Cuba, restam ainda 500 suspeitos, que serão extraditados ao respectivo país de origem. O processo de desmantelamento de Guantánamo responde a uma decisão proferida pela Suprema Corte norte-americana, em junho, que assegurou aos detidos o direito de recorrer às Cortes norte-americanas a respeito da ilegalidade da prisão. Como combater a tortura? Quais os mecanismos e os instrumentos existentes? Qual têm sido sua eficácia? No plano internacional, a tortura foi um dos primeiros atos a serem considerados, por sua gravidade, crime contra a ordem internacional. Daí a adoção da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, pelas Nações Unidas, em 28 de setembro de 1984, ratificada hoje por 132 Estados-partes. Dentre os instrumentos internacionais de direitos humanos, contudo, é a Convenção que conta com a menor adesão dos Estados-partes. Não há qualquer possibilidade de derrogar a proibição da tortura. A Convenção é enfática ao determinar que nenhuma circunstância excepcional, seja qual for (ameaça, estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública), pode ser invocada como justificativa para a tortura. Na experiência brasileira, embora o Brasil tenha ratificado a Convenção contra a Tortura em 1989, apenas em 1997 houve a aprovação da lei que define e pune o crime de tortura. A Constituição de 1988 foi a primeira a consagrar que a tortura deve ser considerada crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, se omitirem. Em 1997, foi aprovada a Lei 9.455, que tipifica o crime de tortura (como tipo penal autônomo e específico), tendo em vista que, até então, a tortura era punida sob a forma de lesão corporal ou constrangimento ilegal, em flagrante afronta aos comandos constitucionais e internacionais. Todavia, passados mais de oito anos da adoção da Lei 9.455/97, o número de agentes condenados pela prática da tortura, no país inteiro, não chega sequer a 20. Na maioria significativa de casos, ainda se recorre aos tipos penais de lesão corporal ou constrangimento ilegal para punir a tortura (como no passado, quando inexistia a lei), em detrimento da efetiva aplicação da Lei 9.455/97. Pesquisa realizada pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça aponta que, em 5 anos de vigência da lei, foram apresentadas 524 denúncias de tortura, sendo que, deste universo, somente 15 foram a julgamento e apenas 9 casos resultaram em condenação. Os números tão reduzidos refletem um verdadeiro sistema de filtragens sucessivas, que envolvem a seletividade operada pelos aparatos da segurança e da justiça, ao que se acresce o desafio de encorajar a apresentação de denúncias da prática de tortura pelas suas vítimas. Diversamente da prática da tortura perpetrada durante o regime militar, que era orientada por critérios político-ideológicos, a prática da tortura, na era da democratização, orienta-se fundamentalmente por critérios econômico-sociais, com forte componente étnico-racial, na medida em que suas vítimas preferenciais, conforme relatórios das Ouvidoriais de Polícia, são os jovens, negros e pobres. Seja no Brasil, Abu Ghraib ou Guantánamo, a prática da tortura se manterá na medida em que se assegurar a impunidade de seus agentes. Como já disse o então relator especial da ONU, Nigel Rodley, a tortura é um “crime de oportunidade”, que pressupõe a certeza da impunidade. O combate ao crime de tortura exige a adoção pelo Estado de medidas preventivas e repressivas, sob o atento monitoramento da sociedade civil. De um lado, é necessária a criação e manutenção de mecanismos que eliminem a “oportunidade” de torturar, garantindo a transparência do sistema prisional-penitenciário. Por outro lado, a luta contra a tortura impõe o fim da cultura de impunidade, demandando do Estado o rigor no dever de investigar, processar e punir os seus perpetradores, bem como de reparar a violação. Enquanto persistir a tortura em dependência policial ou prisional e enquanto se tolerar que os condenados a pena privativa de liberdade devam ter uma pena adicional por meio de tortura, maus tratos e condições degradantes, os padrões democráticos e civilizatórios restarão fortemente comprometidos. Isto porque a tortura revela, sobretudo, a perversidade do Estado que, de guardião da legalidade e de direitos, converte-se em atroz violador da legalidade, ao afrontar o direito fundamental à integridade física e mental de toda e qualquer pessoa, lançando-se no marco da delinqüência, no brutal exercício da violência, que avilta a consciência ética contemporânea." (www.agenciacartamaior.com.br – 14 de agosto de 2005).
Não esqueçamos que no Brasil temos a Lei nº. 9.4555/97, que define os crimes de tortura, bem como a Lei nº. 12.847/2013, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e criou o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, "com o objetivo de fortalecer a prevenção e o combate à tortura, por meio de articulação e atuação cooperativa de seus integrantes, dentre outras formas, permitindo as trocas de informações e o intercâmbio de boas práticas."
O Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é integrado por órgãos e entidades públicas e privadas com atribuições legais ou estatutárias de realizar o monitoramento, a supervisão e o controle de estabelecimentos e unidades onde se encontrem pessoas privadas de liberdade, ou de promover a defesa dos direitos e interesses dessas pessoas, sendo composto pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura - CNPCT, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura - MNPCT, pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP e pelo órgão do Ministério da Justiça responsável pelo sistema penitenciário nacional.
Ele também poderá ser integrado, ainda, pelos seguintes órgãos e entidades, dentre outros:I - comitês e mecanismos estaduais e distrital de prevenção e combate à tortura;II - órgãos do Poder Judiciário com atuação nas áreas de infância, de juventude, militar e de execução penal;III - comissões de direitos humanos dos poderes legislativos federal, estaduais, distrital e municipais;IV - órgãos do Ministério Público com atuação no controle externo da atividade policial, pelas promotorias e procuradorias militares, da infância e da juventude e de proteção ao cidadão ou pelos vinculados à execução penal;V - defensorias públicas;VI - conselhos da comunidade e conselhos penitenciários estaduais e distrital;VII - corregedorias e ouvidorias de polícia, dos sistemas penitenciários federal, estaduais e distrital e demais ouvidorias com atuação relacionada à prevenção e combate à tortura, incluídas as agrárias;VIII - conselhos estaduais, municipais e distrital de direitos humanos;IX - conselhos tutelares e conselhos de direitos de crianças e adolescentes; e X - organizações não governamentais que reconhecidamente atuem no combate à tortura.
Esta lei considera tortura os tipos penais previstos na Lei no 9.455, de 7 de abril de 1997, respeitada a definição constante do Artigo 1º. da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, promulgada pelo Decreto no 40, de 15 de fevereiro de 1991.
Já pessoas privadas de liberdade são "aquelas obrigadas, por mandado ou ordem de autoridade judicial, ou administrativa ou policial, a permanecerem em determinados locais públicos ou privados, dos quais não possam sair de modo independente de sua vontade, abrangendo locais de internação de longa permanência, centros de detenção, estabelecimentos penais, hospitais psiquiátricos, casas de custódia, instituições socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei e centros de detenção disciplinar em âmbito militar, bem como nas instalações mantidas pelos órgãos elencados no art. 61 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984."
São princípios do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura: "I - proteção da dignidade da pessoa humana;II - universalidade;III - objetividade;IV - igualdade;V - imparcialidade;VI - não seletividade; e VII - não discriminação."
As suas diretrizes são: "I - respeito integral aos direitos humanos, em especial aos direitos das pessoas privadas de liberdade;II - articulação com as demais esferas de governo e de poder e com os órgãos responsáveis pela segurança pública, pela custódia de pessoas privadas de liberdade, por locais de internação de longa permanência e pela proteção de direitos humanos; e III - adoção das medidas necessárias, no âmbito de suas competências, para a prevenção e o combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes."
Como se disse, esta lei criou, no âmbito da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura - CNPCT, "com a função de prevenir e combater a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, mediante o exercício das seguintes atribuições, entre outras:I - acompanhar, avaliar e propor aperfeiçoamentos às ações, aos programas, aos projetos e aos planos de prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes desenvolvidos em âmbito nacional;II - acompanhar, avaliar e colaborar para o aprimoramento da atuação de órgãos de âmbito nacional, estadual, distrital e municipal cuja função esteja relacionada com suas finalidades;III - acompanhar a tramitação dos procedimentos de apuração administrativa e judicial, com vistas ao seu cumprimento e celeridade;IV - acompanhar a tramitação de propostas normativas;V - avaliar e acompanhar os projetos de cooperação firmados entre o Governo brasileiro e organismos internacionais;VI - recomendar a elaboração de estudos e pesquisas e incentivar a realização de campanhas;VII - apoiar a criação de comitês ou comissões semelhantes na esfera estadual e distrital para o monitoramento e a avaliação das ações locais;VIII - articular-se com organizações e organismos locais, regionais, nacionais e internacionais, em especial no âmbito do Sistema Interamericano e da Organização das Nações Unidas;IX - participar da implementação das recomendações do MNPCT e com ele se empenhar em diálogo sobre possíveis medidas de implementação;X - subsidiar o MNPCT com dados e informações;XI - construir e manter banco de dados, com informações sobre a atuação dos órgãos governamentais e não governamentais;XII - construir e manter cadastro de alegações, denúncias criminais e decisões judiciais;XIII - difundir as boas práticas e as experiências exitosas de órgãos e entidades;XIV - elaborar relatório anual de atividades, na forma e no prazo dispostos em seu regimento interno;XV - fornecer informações relativas ao número, tratamento e condições de detenção das pessoas privadas de liberdade; e XVI - elaborar e aprovar o seu regimento interno."
Este Comitê é composto por vinte e três membros, escolhidos e designados pelo Presidente da República, sendo onze representantes de órgãos do Poder Executivo federal e doze de conselhos de classes profissionais e de organizações da sociedade civil, tais como entidades representativas de trabalhadores, estudantes, empresários, instituições de ensino e pesquisa, movimentos de direitos humanos e outras cuja atuação esteja relacionada com a temática da tortura no Brasil. Ele é presidido pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Defensoria Pública e de outras instituições públicas participarão do Comitê na condição de convidados em caráter permanente, com direito a voz.
Também "poderão participar das reuniões do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a convite de seu Presidente, e na qualidade de observadores, especialistas e representantes de instituições públicas ou privadas que exerçam relevantes atividades no enfrentamento à tortura", sem direito a qualquer remuneração.
Também foi criado o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura-MNPCT, órgão integrante da estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, responsável pela prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, nos termos do Artigo 3 do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, promulgado pelo Decreto no 6.085, de 19 de abril de 2007.
Ele é composto por onze peritos, escolhidos pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura entre pessoas com notório conhecimento e formação de nível superior, atuação e experiência na área de prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, e nomeados pelo Presidente da República, para mandato fixo de três anos, permitida uma recondução.
Os seus membros terão independência na sua atuação e garantia do seu mandato, do qual não serão destituídos senão pelo Presidente da República nos casos de condenação penal transitada em julgado, ou de processo disciplinar, em conformidade com as Leis nos 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e 8.429, de 2 de junho de 1992. O afastamento cautelar de membro do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura poderá ser determinado por decisão fundamentada do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, no caso de constatação de indício de materialidade e autoria de crime ou de grave violação ao dever funcional, o que perdurará até a conclusão do procedimento disciplinar.
Não poderão compor o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, na condição de peritos, aqueles que exerçam cargos executivos em agremiação partidária e que não tenham condições de atuar com imparcialidade no exercício das competências do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Também os Estados poderão criar o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura - MEPCT, órgão responsável pela prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, no âmbito estadual.
Compete ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura: "I - planejar, realizar e monitorar visitas periódicas e regulares a pessoas privadas de liberdade em todas as unidades da Federação, para verificar as condições de fato e de direito a que se encontram submetidas;II - articular-se com o Subcomitê de Prevenção da Organização das Nações Unidas, previsto no Artigo 2 do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, promulgado pelo Decreto nº 6.085, de 19 de abril de 2007, de forma a dar apoio a suas missões no território nacional, com o objetivo de unificar as estratégias e políticas de prevenção da tortura e de outros tratamentos e práticas cruéis, desumanos ou degradantes;III - requerer à autoridade competente que instaure procedimento criminal e administrativo mediante a constatação de indícios da prática de tortura e de outros tratamentos e práticas cruéis, desumanos ou degradantes;IV - elaborar relatório circunstanciado de cada visita realizada nos termos do inciso I e, no prazo máximo de trinta dias, apresentá-lo ao Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, à Procuradoria-Geral da República e às autoridades responsáveis pela detenção e outras autoridades competentes;V - elaborar, anualmente, relatório circunstanciado e sistematizado sobre o conjunto de visitas realizadas e recomendações formuladas, comunicando ao dirigente imediato do estabelecimento ou da unidade visitada e ao dirigente máximo do órgão ou da instituição a que esteja vinculado o estabelecimento ou unidade visitada de qualquer dos entes federativos, ou ao particular responsável, do inteiro teor do relatório produzido, a fim de que sejam solucionados os problemas identificados e o sistema aprimorado;VI - fazer recomendações e observações às autoridades públicas ou privadas, responsáveis pelas pessoas em locais de privação de liberdade, com vistas a garantir a observância dos direitos dessas pessoas;VII - publicar os relatórios de visitas periódicas e regulares realizadas e o relatório anual e promover a difusão deles;VIII - sugerir propostas e observações a respeito da legislação existente; e IX - elaborar e aprovar o seu regimento interno."
São assegurados ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e aos seus membros: "I - a autonomia das posições e opiniões adotadas no exercício de suas funções;II - o acesso, independentemente de autorização, a todas as informações e registros relativos ao número, à identidade, às condições de detenção e ao tratamento conferido às pessoas privadas de liberdade;III - o acesso ao número de unidades de detenção ou execução de pena privativa de liberdade e a respectiva lotação e localização de cada uma;IV - o acesso a todos os locais arrolados no inciso II do caput do art. 3o, públicos e privados, de privação de liberdade e a todas as instalações e equipamentos do local;V - a possibilidade de entrevistar pessoas privadas de liberdade ou qualquer outra pessoa que possa fornecer informações relevantes, reservadamente e sem testemunhas, em local que garanta a segurança e o sigilo necessários;VI - a escolha dos locais a visitar e das pessoas a serem entrevistadas, com a possibilidade, inclusive, de fazer registros por meio da utilização de recursos audiovisuais, respeitada a intimidade das pessoas envolvidas; e VII - a possibilidade de solicitar a realização de perícias oficiais, em consonância com as normas e diretrizes internacionais e com o art. 159 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal."
Disposição importantíssima constante desta lei é a que determina serem as informações obtidas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura públicas, observado o disposto na Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011. Obviamente que se deve "proteger as informações pessoais das pessoas privadas de liberdade, de modo a preservar sua segurança, intimidade, vida privada, honra ou imagem, sendo vedada a publicação de qualquer dado pessoal sem o seu consentimento expresso."
Ademais, "os documentos e relatórios elaborados no âmbito das visitas realizadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura poderão produzir prova em juízo, de acordo com a legislação vigente."
A lei garante que não "se prejudicará pessoa, órgão ou entidade por ter fornecido informação ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, assim como não se permitirá que nenhum servidor público ou autoridade tolere ou lhes ordene, aplique ou permita sanção relacionada com esse fato."
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. No Chile, tortura gera condenação penal e civil: e no Brasil? Gera confissão do indiciado e impunidade! Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2013/no-chile-tortura-gera-condenacao-penal-e-civil-e-no-brasil-gera-confissao-do-indiciado-e-impunidade. Acesso em: 28 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Adel El Tasse
Por: Sidio Rosa de Mesquita Júnior
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Precisa estar logado para fazer comentários.