O Conselho Nacional de Justiça acaba de sugerir o fim dos tribunais de Justiça Militar nos Estados. A proposta é fazer a especialização da Justiça Estadual para instrução e julgamento dos processos de competência militar, o que resultaria na extinção das cortes militares.
O diagnóstico do Conselho Nacional de Justiça aponta para a necessidade de especializar a Justiça Comum Estadual para a instrução e julgamento de processos de competência militar. Com isso, segundo o estudo, "haverá a redução do custo por processo, o que poderá importar na extinção dos Tribunais de Justiça Militar Estaduais, com a consequente criação de Câmaras Especializadas, mas não necessariamente exclusivas dentro da estrutura dos Tribunais de Justiça dos Estados".
O relatório chamado de “Diagnóstico da Justiça Militar Federal e Estadual” tarjou a Justiça Militar como “restrita, excepcional e de competência funcional”. Segundo o diagnostico, ela restringe-se precisamente à função que é matéria de sua competência, e por isso seu uso deve ser excepcional em uma democracia.
O Conselho alegou ser preciso adequar a estrutura, além de equalizar a carga de trabalho da Justiça Militar ao demais ramos da Justiça. A proposta visa a ampliar as competências da Justiça Militar da União e da Justiça Militar Estadual. Elas deverão julgar, além dos crimes militares definidos em lei praticados, respectivamente, por militares das Forças Armadas e militares estaduais, questões relacionadas ao regime e à carreira militar. Fonte: Revista Consultor Jurídico, acesso dia 22 de janeiro de 2015.
Do relatório, lê-se o seguinte:
"Acredita-se que o surgimento da Justiça Militar remonta a Roma antiga, quando da necessidade de julgamentos em tempos de guerra se fez necessário instituir juízes dotados de competência para punir os infratores.Tendo em vista a inexistência de um espaço físico apropriado para julgar os autores dos crimes, já que a ocorrência dos delitos se davam em plena guerra, nos campos de batalha, o processo de julgamento tramitava nos próprios acampamentos militares.Decorrente dessa situação, a Justiça Militar passou a ser também chamada de Justiça Castrense, já que etimologicamente o termo deriva da palavra “castrorum”, que em latim significa acampamento.
"No Brasil, a criação da Justiça Castrense se deu como uma das principais consequências da vinda da família real portuguesa justificada pelo bloqueio continental imposto por Napoleão Bonaparte. O marco inicial foi o Alvará de 1º de abril de 1808,assinado pelo Príncipe Regente Dom João VI. O mencionado ato criou o Conselho Supremo Militar e de Justiça, na cidade do Rio de Janeiro, que figurou no cenário jurídico brasileiro como órgão máximo da Justiça Castrense. Com o passar dos anos,a Justiça Militar evoluiu, adquirindo status constitucional, mormente no que tange à sua organização e estrutura.
"Atualmente, quanto à Justiça Militar da União, a Constituição Federal limita sua competência às demandas de natureza criminal, competindo-lhe processar e julgar os delitos militares praticados por integrantes das Forças Armadas.Por sua vez, a Emenda Constitucional n. 45, do ano de 2004, alterou a competência da Justiça Militar Estadual, que passou a processar e julgar não apenas os crimes militares, mas também as ações judiciais contra os atos disciplinares militares.Poder Judiciário.
"Em recente diagnóstico elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça observou-se que a Justiça Militar conta com uma estrutura relativamente grande, se levarmos em consideração que a carga de trabalho está muito aquém daquela verificada nos outros ramos da justiça.Somente a título ilustrativo, informa-se que a média de processos distribuídos por magistrados nos Tribunais de pequeno porte da Justiça Comum, excluída a competência militar, no primeiro e segundo grau, é (986 processos distribuídos por magistrados) aproximadamente sete vezes maior do que o número de distribuídos por magistrados nos Estados onde há Tribunais de Justiça Militar (146,87 distribuídos processos por magistrados).
"A presente Proposta de Emenda Constitucional objetiva adequar a estrutura e equalizar a carga de trabalho da Justiça Militar àquela observada nos outros ramos da Justiça. Para tanto, procede-se à diminuição do quantitativo de Ministros integrantes do Superior Tribunal Militar, bem como à especialização da Justiça Comum Estadual para a instrução e julgamento de processos de competência militar, fato este que, por si só, reduz substancialmente o custo por processo, culminando, portanto, na extinção dos Tribunais de Justiça Militar Estaduais, com a consequente criação de Câmaras Especializadas dentro da estrutura dos Tribunais de Justiça dos Estados.Não obstante, faz-se necessário, ainda, ajustar a competência entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual, especialmente em razão do permissivo constitucional para a atuação das Forças Armadas nos Estados, em situações extraordinárias, vedando, por completo, o julgamento de civis, em tempos de paz, por esse ramo da justiça.Essa tese é defendida por diversos institutos, a citar os foros multilaterais internacionais, como a própria Organização das Nações Unidas (ONU).
"Tanto o direito internacional dos direitos humanos quanto o direito internacional humanitário coincidem em reconhecer uma série de princípios aplicáveis à administração de justiça que inclui a jurisdição militar. Entre esses princípios encontramos a igualdade perante os tribunais; o direito de toda pessoa ser julgada por tribunais competentes, independentes e imparciais, preestabelecidos pela lei; o direito a um recurso efetivo; o princípio de legalidade; e o direito a um julgamento efetivo,equitativo e justo. Nesse sentido, manifesta-se o artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), cujas disposições, como frisa o Comentário Geral n.32 do Comitê de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU,na COMISIÓN DE DERECHOS HUMANOS, 2007), “são aplicadas a todos os tribunais e cortes de justiça compreendidos no âmbito desse artigo, sejam eles ordinários ou especializados, civis ou militares”.Pois bem, a questão que problematiza a jurisdição militar é a de determinar se uma autoridade dessa espécie é competente para julgar civis ou militares que cometeram atos constitutivos de violações dos direitos humanos de civis, à luz de princípios comoo devido processo legal, a independência e a imparcialidade das autoridades judiciais.Um ponto de partida adequado para abordar a questão consiste em considerar o princípio da especialidade, que mereceu a atenção do CDH – ONU e de vários relatores da Organização, foi amplamente discutido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e abordado tanto pela Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), quanto pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos79/(TEDH) em várias de suas resoluções.O princípio da especialidade atribui jurisdição militar aos crimes cometidos em relação com a função militar, o que a limita a crimes militares cometidos por elementos das forças armadas. O princípio n. 8, “Competência funcional dos órgãos judiciais militares” do projeto de Princípios sobre a Administração de Justiça pelos Tribunais Militares, presente no Relatório do Relator Especial da Subcomissão de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos da ONU (ONU, 2006a) destaca expressamente que “a competência dos órgãos judiciais militares deveria estar limitada às infrações cometidas dentro do âmbito estritamente castrense pelo pessoal militar.”A Corte IDH coincide com este critério no parágrafo 272 da Sentença do caso Rosendo Radilla contra Estados Unidos Mexicanos (CORTE INTERAMERICANADE DERECHOS HUMANOS, 2009a), afirmando que: "[…] em um Estado Democrático de Direito, a jurisdição penal militar deve ter um alcance restrito e excepcional e se destinar à proteção de interesses jurídicos especiais, ligados às funções próprias das forças militares".Repitamos: trata-se de uma jurisdição 1) restrita, 2) excepcional e 3) de competência funcional. Restringe-se precisamente à função que é matéria de sua competência, epor isso seu uso deve ser excepcional em uma democracia.
"Por fim, e nesses termos, a presente PEC amplia as competências da Justiça Militar da União e da Justiça Militar Estadual, essas passando a processar e julgar, além dos crimes militares definidos em lei praticados, respectivamente, por militares das Forças Armadas e militares estaduais, questões relacionadas ao regime e à carreira militar."
Na verdade, o que deveria acabar era a própria Justiça Militar (Estadual e Federal) ou, ao menos, limitar a sua competência para julgar apenas os chamados crimes militares próprios.
Convenhamos que em um Estado Democrático de Direito termos uma Justiça Especializada para julgar crimes militares impróprios (roubo, furto, estupro, etc.) não é admissível, ainda mais com a organização judiciária militar, composta, em primeiro grau, por um órgão colegiado, o Conselho de Justiça, composto, em sua maioria, por militares.
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. O fim dos tribunais militares? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 fev 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2025/o-fim-dos-tribunais-militares. Acesso em: 22 nov 2024.
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