Encerrada a 2ª Grande Guerra Mundial em 1945, com a derrocada da Alemanha Nazista e rendição do Império do Grande Japão, tem início a digladiação entre as duas superportências do globo terrestre, os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, pela supremacia do capitalismo e do comunismo, respectivamente. É a chamada Guerra Fria, que durou até a queda de Mikhail Gorbachev, em 1991.
Na América Latina, durante a Guerra Fria, na disputa entre o capitalismo e o comunismo, a predominância foi dos Estados Unidos. A partir dos Anos 50 uma série de golpes de estado implementou diversas ditaduras nos países latino-americanos, com o envolvimento do governo norte-americano. Guatemala, Paraguai, Argentina, Brasil, Bolívia, Peru, Uruguai, Chile, República Dominicana, Nicarágua, entre outros, viveram longas ditaduras militares até o esfacelamento da União Soviética. O Brasil só voltaria a eleger democraticamente um Presidente da República em 1989.
E foi nesse período de exceção que o Marechal Castello Branco, sob a égide de seu Ato Institucional nº 1, de 09 de abril de 1964, que modificou a Constituição 1946 quanto à eleição, ao mandato e aos poderes do Presidente da República, conferindo aos Comandantes-Chefe das Forças Armadas o poder de suspender direitos políticos e cassar mandatos legislativos, excluindo a apreciação judicial desses atos, promulgou em 08 de junho de 1965 a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que no seu Art. 31 assegurou imunidade penal a agentes diplomáticos.
Mais do que garantir imunidade de jurisdição penal a indivíduos, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, em um momento de grande tensão política e armamentista, inclusive nuclear, que vivia o mundo por conta da disputa entre EUA e URSS, possibilitou o eficaz desempenho das funções das missões diplomáticas em seu caráter de representantes dos Estados, independentemente da diversidade de seus regimes constitucionais e alinhamento político internacional.
Com o fim da ditadura militar brasileira em 1985 e instalação da Assembléia Nacional Constituinte em 1987, finalmente aos 05 de outubro de 1988 é promulgada a Constituição da República Federativa, a chamada Constituição Cidadã, em razão de seu propósito de resgatar todos os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, promovendo a franca abertura política e permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos.
No §3º, de seu Art. 5º, nossa vigente Constituição não deixou dúvidas a respeito das forças dos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil:
“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Destarte, tratados e convenções internacionais que não versarem sobre direitos humanos, após aprovação do Parlamento, em qualquer caso, serão equivalentes às leis ordinárias. E como espécies normativas de quilate das leis ordinárias se submeterão sempre à supremacia e controle da Constituição. Podendo, conforme o caso, serem declarados não-recepcionados ou inconstitucionais.
A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas não se constitui em tratado ou convenção internacional sobre direitos humanos, muito menos foi aprovada em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros. Assim, esse diploma está longe de possuir status de emenda constitucional.
Daí, o Art. 31, 1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas que disciplina que o agente diplomático goza de imunidade penal absoluta não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, notadamente no que diz respeito à prática do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos (homicídio, latrocínio, estupro etc).
Senão, vejamos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
E além de sua inconstitucionalidade manifesta, o Art. 31, 1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas não resiste ao controle de convencionalidade frente à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) de 1994 e a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher das Nações Unidas (CEDAW) de 1979. Estas duas últimas convenções, ao contrário da Convenção de Viena, possuem nítido conteúdo de promoção dos direitos humanos e, assim, possuem envergadura normativa de emendas constitucionais. Também podem ser consideradas o embrião da Lei Maria da Penha.
Atendendo aos reclamos da Organização dos Estados Americanos e da Organização das Nações Unidas, em 09 de março de 2015, o Brasil alterou o Art. 121 de seu Código Penal de 1940, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, incluindo-o no rol dos crimes hediondos.
Em conclusão, não existe em nossa legislação democrática atual qualquer imunidade penal conferida a agente diplomático, seja absoluta ou relativa, no caso da prática de crimes em solo brasileiro, notadamente nos casos de feminicídio, considerado hediondo.
Toda e qualquer forma de violência contra a mulher praticada no País deverá se submeter à competência indeclinável de nossa jurisdição, sob pena de afronta à Constituição Federal de 1988 e às Convenções de Direitos Humanos da Mulher subscritos pelo Brasil.
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