De acordo com o relatório Global Status Report On Road Safety 2015, da Organização Mundial da Saúde (OMS), houve 1,25 milhões de mortes no trânsito rodoviário em nível mundial em 2013 (maior patamar desde 2007). Quase 50 mil ocorreram no Brasil (23,4 mortes para cada 100 mil habitantes), onde 80% das pessoas acham que é muito fácil descumprir as leis (pesquisa da FGV).

Ao contrário de muitos países com altas taxas de mortalidade no trânsito, o Brasil é respaldado por uma legislação adequada a quase todos os quesitos recomendados pela OMS, se assemelhando, em termos de legislação, com os países de renda alta e que apresentam uma taxa de mortalidade no trânsito baixa. O Brasil é o único país dentre os dez maiores do mundo que segue quatro das cinco boas práticas propostas pela OMS para reduzir o número de mortes no trânsito.

Abaixo uma comparação entre o Brasil e um dos países com melhores taxa no que tange a mortalidade no trânsito (Cingapura, na Ásia) e outro, com registros altíssimos de mortalidade no trânsito (Congo, na África):

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Cingapura, uma cidade-estado com cerca de 5 milhões de habitantes e uma legislação bastante dura com relação à posse de automóveis de passeio registrou, em 2013, uma taxa estimada pela OMS de 3,6 mortes a cada 100 mil habitantes (contra 23,4 do Brasil). Conhecido pela execução de suas duras leis, se comparado com o Brasil possui leis ainda mais leves, como a quantidade de álcool permitida na direção, a não restrição de crianças no banco da frente e o uso da mão livre ao se falar no telefone enquanto está no volante. Contudo, em todas as leis aplicadas teve nota maior no cumprimento das leis, além de uma menor velocidade permitida, tanto no meio urbano como nas rodovias.

O problema do Brasil não é elaborar leis, sim, a execução delas. A Lei Seca, por exemplo, foi endurecida duas vezes desde sua criação, e o que vimos foi uma queda momentânea do número de mortes no trânsito logo após ser reformada, seguida de aumento no ano seguinte, por falta de acompanhamento e cumprimento dos procedimentos necessários para que a lei fosse efetiva. O descumprimento da lei decore de dois polos: da falta de fiscalização efetiva por parte do poder público e da carência de predisposição dos motoristas, pedestres, ciclistas e motociclistas. A crise do império da lei é muito grave nesses países de baixa formação ética e de cidadania.

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Dos dez países mais populosos (China, Índia, EUA, Indonésia, Brasil, Paquistão, Nigéria, Bangladesh, Rússia e Japão), apenas cinco possuem a legislação de boas práticas recomendada pela OMS para diminuir as mortes no trânsito (beber e dirigir, uso de capacetes, uso do cinto-de-segurança e cadeirinha infantil). E dentro das recomendações apenas um país, o Brasil, contempla quatro dos cinco compromissos. A maioria dos países apenas segue dois ou três critérios.

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 De acordo com a OMS, 90% das mortes no trânsito ocorrem em países de baixa e média renda. Esses países são responsáveis por 82% da população mundial e por apenas 54% dos veículos registrados no mundo, o que significa que apresentam uma taxa desproporcional de mortes em relação ao seu nível de motorização. O relatório mostrou que 68 países viram um aumento no número de mortes no trânsito desde 2010, dos quais 84% são países de baixa ou média renda. Outros 79 países registaram uma diminuição do número absoluto de óbitos, dos quais 56% são de baixa e média renda.

Conforme consta no relatório, um aumento na velocidade média está diretamente relacionada tanto com a probabilidade de um acidente ocorrer quanto à gravidade das consequências do acidente. O risco de um pedestre adulto de morrer seria inferior a 20% se tivesse sido atingido por um carro a 50 km/h, e quase 60% se a batida acontecer a 80 km / h. Para a OMS, as zonas de 30 km/h podem reduzir o risco de um acidente e são recomendadas em áreas onde os há mais vulnerabilidade entre os transeuntes, como áreas residenciais e escolas.

Beber e dirigir também aumenta tanto o risco de um acidente como probabilidade de morte ou ferimentos graves resultantes do acidente, conforme relata a organização. O risco de se envolver em um acidente aumenta significativamente acima de uma concentração de 0,04 g/dl de álcool no sangue. País que estabelecem leis com tolerância de até 0,05 g/dl podem oferecer uma redução mais eficaz no número de acidentes relacionados ao álcool.

Com relação ao uso correto do capacete na direção ou como passageiros de motocicletas, o relatório informa que é possível reduzir o risco de morte em quase 40% e o risco de ferimentos graves em mais de 70%. Quando as leis sobre o uso do capacete para motocicletas são aplicadas de forma eficaz, as taxas de uso de capacete podem aumentar para mais de 90%.

Já, quanto ao cinto de segurança, o relatório afirma que o uso do cinto de segurança reduz o risco de uma fatalidade entre os passageiros do banco da frente entre 40 a 50% e de passageiros do banco traseiro por entre 25 a 75%. Já os assentos infantis, quando instalados e utilizados corretamente,

podem reduzir as mortes de crianças maiores em aproximadamente 70% e as mortes de crianças pequenas entre 54% e 80%.

Este patamar, segundo o relatório, deve ser visto no contexto do crescimento da população mundial e de um aumento na motorização. O aumento da população de 4% entre 2010 e 2013 e o aumento de 16% dos veículos registados durante o mesmo período sugerem que os esforços para desacelerar o aumento de mortes no trânsito pode ter impedido as mortes que teriam ocorrido. Pedestres e ciclistas respondem por quase a metade das mortes, mas isso varia entre as regiões e está ligada também a cultura do país.

Por exemplo, na África, quase 43% das mortes estão relacionadas a esse grupo, e estão ligadas especialmente ao fato de que o principal meio de locomoção na região é em bicicletas ou a pé. Diferente do sudeste asiático, por exemplo, onde as mortes de pedestres e ciclistas são menores, já que o principal meio de transporte são as motocicletas, maior causa de acidentes na região.

O risco de morte no trânsito varia significativamente por região, e o relatório verificou que houve mudança nas taxas regionais desde 2010. As maiores taxas ainda estão na Região Africana (26,6 por 100 mil habitantes), enquanto a Região Europeia tem uma taxa muito abaixo a média global (9,3 por 100 mil habitantes, em relação ao índice global de 17,5). O Brasil, com uma taxa de 23,4 por 100 mil habitantes, ficou muito acima da média mundial e também da média da Região das Américas, que foi de 15,9 por 100 mil habitantes, em 2013. Esse número é o estimado pela ONU.

Consoante a OMS, leis fracas nos dez países mais populosos do mundo, entre eles o Brasil, colocam 4,2 bilhões de pessoas em risco. Esses países são responsáveis por 56% das mortes no trânsito no mundo (703 mil em 2013). Nenhum desses países tem leis que incluem todos os cinco fatores de risco, em conformidade com as melhores práticas.  Caso esses países alinhassem suas leis de segurança rodoviária com as melhores práticas e aplicassem-na de forma adequada, haveria um enorme potencial para salvar vidas e reduzir as lesões resultantes dos acidentes de trânsito.

Uma análise da legislação desses países aponta que nenhum dos dez países satisfaz os critérios de melhores práticas em todos os fatores de risco, que atualmente são cinco; nenhum deles respeita a  recomendação da legislação para a velocidade; apenas dois países cumprem os critérios de melhores práticas sobre beber e dirigir, o que representa 1,6 bilhão pessoas; três países, que representam 470 milhões de pessoas, têm leis relacionadas ao uso de capacetes; cinco países têm leis cinto de segurança que correspondem às melhores práticas, o que representa 3,1 mil milhões de pessoas; apenas dois dos dez países têm leis de retenção para crianças o que representa, o que asseguraria 340 milhões de pessoas.

Os critérios de boas práticas sugeridos pela ONU incluem:

  • Velocidade: Lei Nacional de Velocidade, limite de velocidade urbana de 50 km/h e poder para que as autoridades públicas locais possam modificar os limites de velocidade nacionais;
  • Beber e Dirigir: Lei Nacional sobre bebida e direção; lei baseada no teor alcoólico consumido; teor alcoólico permito menor que 0.05g/dl; teor alcoólico para jovens motoristas menor que 0.02g/dl;
  • Capacetes para motocicletas: Lei Nacional obrigando uso de capacetes, Lei aplicada a todos os motoristas e passageiros adultos, Lei aplicada a todos os tipos de vias, e a todos os tipos de máquinas, obrigatoriedade de fecho no capacete e que ele seja adequado aos padrões internacionais, obrigatoriedade de uso em passageiros crianças;
  • Cinto-de-segurança: Lei Nacional que obriga o uso aplicada tanto ao motorista, como passageiros na frente e atrás;
  • Assentos infantis: Lei Nacional baseada no peso e idade ou numa combinação desses fatores, restrição de crianças até certa idade se sentarem no banco frontal.

*Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.