O assunto veio à baila em função de processos criminais intentados contra Neymar perante a Justiça espanhola e a Justiça brasileira como decorrência de infrações que teriam sido cometidas por ocasião de sua transferência ao Barcelona, como é do conhecimento público.
No Brasil, o Neymar foi acusado pela prática do crime de falsidade ideológica e crime de sonegação fiscal. O crime de sonegação fiscal é uma infração de natureza tributária prevista na Lei nº 4.729/65, essencialmente um crime de conduta que deixou de subsistir a partir do advento da Lei nº 8.137/90 que instituiu o crime contra a ordem tributária, essencialmente um crime de resultado, isto é, não se caracteriza sem o resultado material, a supressão total ou parcial do tributo devido.
Apesar da diversidade da natureza dos crimes previstos nas duas leis citadas, a jurisprudência e parte da doutrina continuam mantendo a antiga denominação de crime e sonegação fiscal, expressão que tem prevalecido sobre a denominação atual da infração penal que é crime contra ordem tributária.
Não se sabe exatamente por que razão, pois em termos de economia vocabular as duas expressões se equivalem contando ambas com quatro palavras, diferentemente da compensação financeira a que alude o parágrafo único do art. 20 da CF, deferida aos Estados e Municípios em cujos territórios hajam exploração de recursos naturais (petróleo, gás,mineração, recursos hídricos), logo substituída pela palavra royalties que pode ser prática, mas distorce a natureza jurídica da compensação financeira percebida por Estados e Municípios, que não são proprietários das riquezas naturais que segundo a Constituição pertencem à União.
O certo é que no crime de sonegação fiscal a ação penal podia ser intentada no curso do processo administrativo tributário, por se tratar de crime de mera conduta, não se exigindo o resultado naturalístico. Nesse sentido é remansosa a jurisprudência a respeito. E mais, por força do art. 3º da Lei nº 4.729/65 tornaram-se inaplicáveis os dispositivos do Código Penal que definem o crime de apropriação indébita, o crime de falsidade documental, o crime de falsidade ideológica. Esses crimes teriam sido absolvidos pelo crime-fim que é a sonegação fiscal. É a proclamação da preponderância do princípio da especialidade das normas.
Agora, tudo mudou. Por se tratar que crime que exige supressão parcial ou total do tributo devido não se pode instaurar ação penal contra o sujeito passivo da obrigação tributária enquanto a administração tributária não decidir definitivamente o processo administrativo tributário, que é meio de solução do litígio tributário. Na pendência de discussão administrativa a exigibilidade do crédito tributário constituído pelo lançamento (auto de infração) fica suspensa nos termos do art. 151, III do Código Tributário Nacional.
E a Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal dispõe que não se tipifica o crime contra a ordem tributária “antes do lançamento definitivo do tributo”, assim entendido o encerramento definitivo das discussões administrativas perante uma das Sessões do CARF ou uma das Câmaras do CSRF. De fato, não teria sentido algum o contribuinte ser condenado em juízo por crime contra a ordem tributária, se mais tarde, poderia ter o lançamento tributário desconstituído pela própria administração, em face do final reconhecimento de que não houve supressão total ou parcial do tributo que estava sendo cobrado administrativamente.
É por isso que o juiz da 5ª Vara Federal de Santos rejeitou a denúncia oferecida pelo MPF contra Neymar por crime de falsidade ideológica e crime contra ordem tributária, que continua sendo impropriamente denominado de crime de sonegação fiscal. Não se adentrou no mérito da acusação, reconhecendo-se apenas um impedimento de natureza processual.
Apesar da denominação dada de crime de sonegação fiscal, a verdade é que os fatos imputados caracterizam o crime contra a ordem tributária, cujas condutas estão descritas no art. 1º da Lei nº 8.137/90, e não no art. 1º da Lei nº 4.729/65 que definia o crime de sonegação fiscal.
Assim, nada impediria o juiz de acolher parcialmente a denúncia em relação ao crime de falsidade ideológica, pois não existe na Lei 8.137/90 dispositivo equivalente ao que estava no art. 3º da Lei nº 4.729/65, que estabelecia o princípio da especialidade. No regime legal atual é possível a coexistência do crime de falsidade ideológica ou documental de forma autônoma, não se constituindo necessariamente em crime-meio para alcançar o crime-fim que é a supressão total ou parcial de tributo devido.
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