"É a aplicação de um princípio geral de Direito que, tornado efetivo, seria um freio eficaz aos abusos, a que se deixam arrastar autoridades arbitrárias." Clóvis Bevilaqua
Do impeachment do presidente da República fluíram a satisfação pela reafirmação da força da Lei e a dúvida sobre a efetiva responsabilização dos participantes da bandalheira investigada pela CPI. Será que eles irão devolver o que se provar que levaram? Os próximos recearão repetir aqueles golpes? Esta dúvida liga o impeachment e o massacre ocorrido na Casa de Detenção de São Paulo.
Não existe justificativa legal, ética ou lógica para a matança, diametralmente oposta ao lúcido e civilizado funcionamento da democracia. E o regramento do Estado democrático prevê a punição dos responsáveis.
O Estado arcará com gastos enormes: reformará os prédios danificados e indenizará os familiares dos mortos.
A indenização é devida porque os mortos cumpriam pena (isto é, arcavam com as conseqüências legais dos atos que praticaram), sob a vigilância do Estado, que se descuidou de seu dever de guarda. Por outro lado, seus agentes provocaram a matança. Por qualquer das óticas, o Estado violou direitos, sujeitando-se a indenizar os prejudicados.
Quando o "Estado" paga uma dívida, apenas repassa quanto cobra da população, que, portanto, arcará com essa indenização. Ora, que o Estado, na forma da lei, pague as indenizações, mas não as cobre do povo, e sim dos responsáveis pelos atos ilícitos.
As Constituições federal (artigo 37, parágrafo 6º) e paulista (artigo 115, parágrafo 4º) e o Código Civil (artigos 15 e 159) dão ao Estado o direito de se ressarcir dos prejuízos, acionando regressivamente os causadores do dano que tiverem agido com culpa ou dolo. É possível acionar desde o ocupante do mais baixo cargo até o secretário de Estado (artigo 52 da Carta estadual), exemplificamente.
Na invasão da Casa de Detenção, segundo dados colhidos pela imprensa, agiram alguns (e não todos) dos prepostos do Estado com culpa. Sendo isso confirmado judicialmente, o Estado deverá promover ação regressiva contra os autores dos eventos. Medida justa: não existe razão para que a população arque com o prejuízo provocado por pessoas identificáveis e legalmente responsáveis.
Tais indenizações consistiriam principalmente, como anotou há décadas o maior jurista brasileiro, num "... freio eficaz aos abusos a que se deixam arrastar autoridades arbitrárias".
Se é verdadeira a observação de Maquiavel sobre o apego do homem ao patrimônio, certamente essas ações indenizatórias terão caráter instrutivo para os futuros governantes, que pesarão, com toda a racionalidade de que dispuserem, cada circunstância, cada ato, cada omissão, exatamente como convém aos bons líderes.
(*) Matéria publicada originalmente pelo jornal O Estado de São Paulo aos 21 outubro de 1992, pg. 02.
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