É famosa a frase de Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”. A frase não é para ser interpretada literalmente, mas constitui uma provocação salutar, provocação tão ao gosto do grande teatrólogo.
Diante de muitos abusos seria desejável uma reprovação unânime, Também seria animadora uma aprovação sem discrepância a certos atos meritórios. Há unanimidades que, se alcançadas, representam conquista ética numa sociedade.
O que incomoda é a unanimidade sem discussão, a unanimidade sem aprofundamento, a unanimidade que se contenta com uma análise parcial dos fatos e despreza o desdobramento que os fatos podem ter. O que repugna é a unanimidade obtida através da manipulação das consciências e da pretendida cassação da inteligência de que todas as pessoas são dotadas. O que repugna é a unanimidade que a propaganda bem feita pode alcançar.
Há fatos importantes que devem ser discutidos em toda a sua extensão. É lamentável quando esses fatos são enclausurados numa manchete de efeito ou numa frase sonora e colorida. Perde-se a oportunidade de um avanço na visão crítica do povo.
A meu ver, a desconfiança é uma virtude. Quando todos aprovam, quando todos falam exatamente a mesma coisa, é prudente desconfiar, ir fundo, analisar.
Talvez depois do primeiro momento de desconfiança, e da análise que a desconfiança provoca, acabemos concordando também. Mas então não estaremos concordando como autômatos.
Por não aceitar uma afirmação, sem antes desconfiar e analisar, milhões de pessoas preferem guiar-se pelo jornal em vez de se deixar hipnotizar pela televisão.
No jornal o leitor pode interromper a leitura e pensar. Pode recortar o texto que lhe interessa para melhor exame e análise futura.
A televisão transmite mensagens instantânias. Se o telespectador está confortavelmente sentado, desprevenido, é apanhado de surpresa e nocauteado. Absorve o que lhe é imposto, com pouca chance de refletir.
Melhor ainda que frequentar apenas os veículos dirigidos ao cotidiano – jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão - é buscar informação e conhecimentos nos livros. O livro é o grande construtor da consciência crítica.
A propósito de unanimidades agradaram-me as declarações do Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, quando Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos. Rejubilou-se porque um negro alcançava a Casa Branca. Nesse aplauso enfileirou-se na trilha da unanimidade. Mas não se contentou com esse ângulo da questão. Acrescentou que esperava desse presidente o desmantelamento da base militar de Guantânamo, campo de concentração dos Estados Unidos dentro do território cubano.
Na perspectiva da história norte-americana, a eleição de um presidente negro é algo revolucionário.
Na perspectiva do mundo espera-se uma outra revolução – a mudança na política exterior americana – nada de invadir países que se opõem a seu domínio, nada de recusar obediência às decisões da ONU, nada de querer tutelar o Universo.
Se a quebra do racismo trouxer consigo a quebra de outros dogmas de superioridade, todos celebraremos e não apenas os americanos.
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