Quando se fala em taxa ou contribuição ao ECAD, normalmente, as pessoas reagem de forma desdenhosa, por não conhecer a legislação pertinente à matéria, ou por ter sofrido alguma constrição por parte do próprio ECAD.
O ECAD - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – é uma entidade privada sem finalidades lucrativas, administrado por doze associações de música. Foi instituído pela antiga Lei nº 5.988/73 sob controle, supervisão e fiscalização do Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), órgão do Poder Executivo Federal, e mantido pela atual Lei nº 9.610/98, porém, sem quaisquer daquelas restrições impostas pela anterior legislação, quer seja, livre para tomadas de decisões e sem se sujeitar a qualquer fiscalização de órgãos governamentais. Isto quer dizer, o ECAD determina os critérios e o quantum de valores a cobrar sobre a égide de proteção dos direitos autorais de seus associados, não havendo qualquer fiscalização por parte de órgãos públicos quanto à destinação das verbas por ele arrecadadas.
O ECAD é formado por associações de autores que ,por sua vez, são suas mandatárias para exercício e defesa de seus direitos. Não podem os autores filiar-se a mais de uma associação.
A atual Lei nº 9.610/98, conhecida como a Lei dos Direitos Autorais é a que norteia todos os conceitos e procedimentos relacionados ao direito de autor.
Assim, o seu art. 7º define as obras protegidas, ao dispor:
“São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I- os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II- as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III- as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV- as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V- as composições musicais, tenham ou não letra;
VI- as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII- as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotográfica;
VIII- as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX- as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X- os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI- as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII- os programas de computador;
XIII- as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
§ 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.
§ 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entendem sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras.
§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo cientifico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial”.
Consta na referida lei que o autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica, podendo estender-se, ainda, à pessoa jurídica a proteção de direitos autorais, desde que prevista em lei. Também, considera como titular de direitos autorais aquele que faz adaptação, tradução, arranjo de obra que já caiu no domínio público.
Arrola a citada Lei 9.610/98, os direitos morais do autor, valendo transcrevê-los:
“Art. 24. São direitos morais do autor:
I- o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II- o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III- o de conservar a obra inédita;
IV- o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudica-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V- o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI- o de retirar de circulação a obra ou de suspender forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII- o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.
§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.
§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.
§ 3º Nos casos dos incisos V a VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem”.
Quanto aos direitos patrimoniais prevê a lei pertinente:
“Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”.
“Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil”.
Da leitura de tais dispositivos se nos afigura devidos os direitos autorais quando utilizados por terceiros e que a taxa ou contribuição ao ECAD ou outra denominação que se dê á cobrança de direitos autorais não se subordina a regime jurídico tributário. Trata-se de relação de direito privado: o ECAD está autorizado a promover a arrecadação de direitos autorais de seus associados.
Porém, não se nega, e isto é do conhecimento de todos, que há certos abusos na cobrança de direitos autorais pelo ECAD por não haver a necessária transparência nos critérios de cálculo e pelos valores encontrados serem elevados, inviabilizando vários eventos e promoções. Temos notícia que em outros países o pagamento de direitos autorais são módicos, e, ainda, há que se considerar a nossa realidade tão carente de tudo, principalmente de eventos culturais. Quem vai pagar tem o direito de saber de antemão o que vai pagar, quanto vai pagar e qual foi o critério utilizado. O usuário, ainda, tem o direito de saber se os autores receberam os direitos autorais das obras por ele utilizadas.
Com relação às obras musicais, a lei considera “ execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não de obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radio difusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica”.
Entrementes, não constitui ofensa aos direitos autorais, “a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro”. (grifos nossos)
De imediato, concluímos que se a execução musical é a que se realiza dentro do recesso familiar, onde não se pode adentrar no recinto qualquer um do povo a não ser os familiares e seus amigos. Diferentemente, na execução pública, onde qualquer um do povo pode assisti-la, desde que faça o devido pagamento ou não, se gratuito. Enfim, se a execução musical for efetivada no recesso familiar, não há ofensa a direitos autorais.
Ora, uma festa de casamento ou de aniversário em um clube, restaurante, associação, é uma festa no recesso familiar, pois, qualquer um do povo não pode dela participar. Em tais festas, comparecem os familiares e os amigos convidados pela família e não há qualquer intenção de lucro.
Daí alguns julgados no sentido de reconhecer indevidos direitos autorais em festas familiares.Vejamos:
“Agravo de instrumento. Ação de cumprimento de preceito legal, cumulada com perdas e danos. Cobrança de direitos autorais por parte do ECAD. Atividade religiosa da rádio. Juridicidade da medida impeditiva da exibição pública de música. Recurso improvido. A cobrança de direitos autorais tem legitimidade ainda que a rádio tenha fins religiosos. Conforme dispõe a Lei n° 9.610/98, o legislador impôs a vedação de exibição pública de obras musicais sem a prévia e expressa autorização do autor ou do titular (art. 68), não incidindo, no caso, o disposto no art. 46, inciso vi, pois a exceção só tem cabimento quando não se perseguem fins lucrativos a execução musical restrita ao recesso familiar ou atividades didáticas, nos estabelecimentos de ensino, sendo que, na hipótese dos autos, a obra musical serve para manter ou aumentar o patrimônio da rádio. Ora, constando nos estatutos do ECAD a onerosidade e o preço da utilização das obras musicais, não obsta o deferimento da liminar, vedando a utilização por parte da rádio em tela, por inadimplemento. (TJ/BA Acórdão n.: 50339 Processo: 23308-4/2003)”.
“Consta dos autos que os autores se casaram em 05 de março de 2005 e quando da contratação do Salão de Festas do Clube de Campo de Sorocaba para realização da festa, foram informados que deveriam pagar a importância de R$ 210,00 (duzentos e dez reais), correspondente a 10% do valor do aluguel do salão, a título de direitos autorais pela execução de musicas na festa. A Lei 9.610/98, que trata dos direitos autorais, estabelece em seu artigo 46, inciso IV, que não ofende os direitos autorais a execução musical quando realizada em recesso familiar, não havendo intuito de lucro. Ora, a festa de casamento é realizada com a presença de familiares e amigos próximos, o que pode ser considerado recesso familiar, uma vez que a festa não é aberta ao público, mas apenas para convidados dos noivos. Ademais, trata-se de festa sem finalidade lucrativa, portanto, a festa de casamento se encaixa na exceção prevista na lei, de modo que, não ofendendo os direitos autorais, não há que se falar em recolhimento de qualquer contribuição ao ECAD. Portanto, entendendo que a hipótese encontra-se prevista na exceção mencionada e que não se pode falar em recolhimento de qualquer contribuição ao ECAD [...] 1. Diante do exposto JULGO PROCEDENTE a ação [...] para DECLARAR a inexistência de violação aos direitos autorais na realização da festa de casamento dos autores e desobrigar os autores do recolhimento da contribuição dos direitos autorais, e extingo o processo nos termos do artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil. Expeça-se guia de levantamento dos valores depositados pelos autores (fls. 170), em favor desses. (Processo Nº 602.01.2005.002773-1, 5ª. Vara Cível de Sorocaba Juiz: Pedro Luiz Alves De Carvalho, Data do Julgamento 26/03/2007) [02]”.
Por derradeiro, o próprio formulário do ECAD refere-se a ingressos, estimativa de público, receita bruta etc, expressões essas incompatíveis com festas de casamento ou de aniversário.
Enfim, ao nosso ver, o ECAD não pode exigir pagamento de direitos autorais em festas familiares tais como, casamentos, aniversários etc.
Por outro lado, os eventos sem finalidade lucrativa, promovidos por entidades amparadas constitucionalmente com imunidade tributária não devem sujeitar-se ao pagamento de direitos autorais nas execuções públicas de músicas, representação teatral etc.
O legislador constitucional sensibilizado com o trabalho desenvolvido por tais entidades beneficentes colocam-nas ao abrigo da imunidade tributária, proibindo instituição de impostos pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios sobre o patrimônio, rendas e serviços de tais entidades. Por que o fez? Porque tais entidades aplicam integralmente seus recursos para o atingimento de seus objetivos estatutários, culturais, assistenciais, secundando a atividade estatal neste particular. A sua capacidade contributiva é desconsiderada.
Ora, se o Estado abre mão de seus impostos, em nome da finalidade não lucrativa e dos objetivos estatutários das entidades assistenciais, culturais etc, com muito mais razão o particular, aqui o ECAD deve levar em conta tais peculiaridades, isentando-as do pagamento de direitos autorais por ele cobrados, em beneficio de toda uma comunidade necessitada.
Interessante trazer aqui alguns julgados, onde a ausência da finalidade lucrativa foi o fundamento para tornar indevida a cobrança pelo ECAD.
Vale transcrever:
“EMENTA: DIREITO AUTORAL. ECAD. LEGITIMIDADE PARA OS EMBARGOS DO DEVEDOR. CASA DE DIVERSÃO COM FINALIDADE LUCRATIVA. COBRANÇA PELO ENQUADRAMENTO DE USUÁRIO PERMANENTE E EVENTUAL PELOS BAILES DE CARNAVAL. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA PELA UTILIZAÇÃO PERMANETE E EVENTUAL NOS BAILES DE CARNAVAL, DEVIDO A FINALIDADE LUCRATIVA DO ESTABELECIMENTO E CARACTERISTICA ESPECIAL DESTE EVENTO. RECONHECIDA A ILEGITIMIDADE DE UM DOS EMBARGANTES. RECURSO DE APELAÇÃO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 599372679, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 14/03/2001)”.
“EMENTA: DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE COBRANÇA. ECAD. LEGITIMIDADE DAS PARTES. MÉRITO. O ECAD é parte legítima para cobrar o direito autoral pela reprodução de obras musicais. Incidência do disposto no artigo 115 da Lei nº 5.988/73, reeditado nos artigos 98 e 99 da Lei nº 9.610/98.
Legitimidade do demandado reconhecida, uma vez que decorre do artigo 128 da Lei nº 5.988/73, o qual foi repetido na Lei nº 9.610/98, onde estabelece a responsabilidade do réu pelo pagamento dos direitos autorais decorrentes das obras musicais utilizadas em seu estabelecimento, independentemente de ser este locado ou cedido a terceiro, diante da solidariedade nele estabelecido.
Mérito. Possibilidade da cobrança dos valores relativos à utilização permanente das obras musicais no clube social, a título de mensalidade, e eventual, nos bailes de carnaval, devido a finalidade lucrativa do estabelecimento e característica especial deste evento.
Preliminares rejeitadas. Recurso não provido. (Apelação Cível Nº 70009165143, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 18/01/2006)”.
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. ECAD. FINALIDADE LUCRATIVA OU PROVEITO ECONÔMICO DO ENTE MUNICIPAL NÃO EVIDENCIADA. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA CONFIRMADA. PAGAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS INDEVIDO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. Realização de evento atento ao interesse público e sem fins lucrativos pelo Município de Salvador do Sul. Impossibilidade de cobrança de verba a título direito autoral pelo ECAD. Apelo não provido. (Apelação Cível Nº 70019481449, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 06/09/2007)”.
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS AJUIZADA PELO ECAD. DEMANDA PROPOSTA CONTRA O MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DE PAULA, CO-PATROCINADOR DO FESTIVAL NATIVISTA “RONCO DO BUGIO”, 12ª EDIÇÃO. “SHOWS” COM MÚSICA AO VIVO. EXECUÇÃO DE OBRAS MUSICAIS POR SEUS PRÓPRIOS AUTORES. DESNECESSIDADE DE EXIGÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO ECAD, VISTO QUE OS PRÓPRIOS TITULARES DAS OBRAS AS EXECUTARAM. DIREITO DE PROPRIEDADE IMATERIAL PREVISTO NO ART. 28 DA LEI Nº 9.610/98. AUSÊNCIA DE FINALIDADE LUCRATIVA OU PROVEITO ECONÔMICO DO ENTE MUNICIPAL EVIDENCIADA. PAGAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS INDEVIDO. PRECEDENTES DO E. STJ ACERCA DA MATÉRIA SOB CONTROVÉRSIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70004189676, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 21/09/2005)”.
Finalmente, prevê a lei sanções nos casos de descumprimento, penalizando o infrator com a imediata suspensão ou interrupção das execuções públicas, sem prejuízo de multa diária e de indenizações cabíveis, além de sanções penais. ( Art. 184 do Código Penal, com a redação dada pela lei 10.695/2003 )
SP, 11-5-09.
Advogada em São Paulo. Sócia fundadora da Harada Advogados Associados. Juíza arbitral pela Câmara do Mercosul. Membro do Instituto de Direito Comparado Brasil-Japão e do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Site:www.haradaadvogados.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HARADA, Felícia Ayako. ECAD - Direitos autorais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2009, 17:59. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/280/ecad-direitos-autorais. Acesso em: 23 nov 2024.
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