Habeas Corpus n. 2009.018895-4, da Capital
Relator: Des. Luiz Fernando Boller
HABEAS CORPUS – PECULATO – CONCUSSÃO – CORRUPÇÃO PASSIVA – VIOLAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL – CRIME CONTINUADO E EM CO-AUTORIA – ASSOCIAÇÃO À EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE AZAR – VIDEO-BINGO – PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADA – PRESSUPOSTOS DOS ARTIGOS 254 E 255 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E MANUTENÇÃO DAS NORMAS E PRINCÍPIOS DE HIERARQUIA E DISCIPLINA MILITARES – MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA – NÃO CONFIGURAÇÃO DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – PREDICADOS PESSOAIS DOS PACIENTES QUE NÃO OBSTAM A PRISÃO CAUTELAR – CONFIANÇA NO JUIZ DO PROCESSO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – ORDEM DENEGADA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 2009.018895-4, da comarca da Capital (Vara da Justiça Militar), em que é impetrante FULANO DE TAL e outros, e paciente CICLANO e outros:
ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do pedido e denegar a ordem.
RELATÓRIO
Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de medida liminar, interposto por FULANO DE TAL em favor de CICLANO, BELTRANO e TERTULIANO respectivamente sargento e soldados da Polícia Militar de Santa Catarina – que se encontram segregados cautelarmente por lhes ter sido imputada a prática dos crimes tipificados nos artigos 303, 305, 308, § 1º, 326 c/c. 53 e 80, todos do Código Penal Militar.
Nas razões do pedido de ordem, sustentam, em síntese, que os pacientes sofrem constrangimento ilegal por parte do juízo da Vara da Justiça Militar da comarca da Capital, em razão do indeferimento de pedido de liberdade provisória, uma vez que "não têm como intimidar qualquer das testemunhas arroladas no processo" (fl. 04), sendo réus primários, sem antecedentes criminais, com residência fixa; pais de família benquistos na sociedade do município de Brusque-SC (fls. 02/06).
O pedido de liminar foi indeferido (fls. 63/64), tendo as informações sido devidamente prestadas pelo Juiz Getúlio Corrêa, Auditor da Justiça Militar (fls. 68/75).
Perante esta Corte, a douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 78/83).
VOTO
Verifica-se no caso em apreço que presentes estão os pressupostos dos artigos 254 e 255 do Código de Processo Penal Militar, de modo que a manutenção da prisão cautelar é justificada pela garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
Com efeito, o contexto dos autos – com especial destaque para a consistente informação prestada pela autoridade militar, dita coatora – evidencia que os pacientes de fato integravam uma quadrilha, organização criminosa, voltada à exploração ilícita de jogos eletrônicos de apostas (vídeo-loteria), valendo-se da condição de policiais militares para obter informações privilegiadas, e, de posse delas, viabilizar a exploração ilícita, frustando o trabalho investigativo e repressivo do Estado.
Como bem destacado pelo douto Procurador de Justiça, "diferentemente do que afirmam os Impetrantes, o fato de os Pacientes serem Policiais Militares não lhes confere "um voto de confiança", mas, pelo contrário, agrava sobremaneira a conduta ilícita e reforça a necessidade da segregação cautelar" (fl. 81).
À propósito, o art. 255 do CPPM, preceitua que:
A prisão preventiva, além dos requisitos do artigo anterior, deverá fundar-se em um dos seguintes casos:
a) garantia da ordem pública;
b) conveniência da instrução criminal;
c) periculosidade do indiciado ou acusado;
d) segurança da aplicação da lei penal militar;
e) exigência da manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado.
Fundamentando a segregação cautelar, o magistrado a quo exaltou que:
A prisão dos denunciados, além de ser necessária à garantia da ordem pública e conveniente à instrução criminal, também se torna fundamental à manutenção dos princípios de hierarquia e disciplina militares que estão ameaçados com a liberdade destes, os quais em evidente afronta aos princípios institucionais envolveram-se com atividades ilícitas, provocando repercussão negativa no meio castrense e perante a sociedade (fl. 09).
Via de conseqüência, forçoso concluir que a norma processual penal militar foi bem observada, impedindo o acolhimento da pretensão de liberdade.
Em análoga situação, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que:
HABEAS CORPUS. MORRO DA ROCINHA/RJ. TRÁFICO DE DROGAS, FALSA IDENTIDADE E CORRUPÇÃO PASSIVA. ENVOLVIMENTO DE POLICIAL MILITAR. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.
1. Por meio das investigações policiais, com o monitoramento de ligações telefônicas dos acusados e testemunhos, logrou-se identificar o envolvimento de várias pessoas, dentre essas, policiais militares, com o já nacional e internacionalmente conhecido tráfico de drogas em morro carioca, cuja violência vem desafiando as autoridades públicas há décadas.
2. Há, portanto, veementes indícios de autoria e materialidade de crimes que se traduzem em verdadeiro câncer social. O envolvimento de policiais militares, institucionalmente encarregados da segurança pública, provoca uma amarga sensação de impotência do Estado frente ao sério problema. A liberdade desses agentes públicos, como bem anotado no decreto prisional, no acórdão impugnado e no parecer ministerial nesta instância, permitiria a continuação da atividade ilícita, perpetuando a desordem pública. Assim, resta suficientemente justificada a manutenção do cárcere cautelar para o resguardo da ordem pública.
3. Ordem denegada (HC 45.061/RJ - Rel. Min. Laurita Vaz – Julgado em 13/12/2005 - DJ 01/02/2006).
Neste mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci leciona que:
Autoridades e agentes policiais como autores do crime: pode constituir causa determinante para a decretação da prisão preventiva, sob o fundamento da instrução criminal, tendo em vista que a pessoa, designada pelo Estado para a proteção da sociedade, termina por cometer crimes, causando natural temor às testemunhas, a serem ouvidas durante a instrução (Código de processo penal comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 594).
A propósito, colhe-se da jurisprudência desta Corte:
Para a prisão preventiva não se exige certeza da autoria, bastam indícios. É cediço que as circunstâncias do paciente possuir atividade laboral lícita, residência fixa, ser primário e de bons antecedentes, ostentar ficha funcional ilibada, não obstam a prisão cautelar quando presentes seus pressupostos. O envolvimento de policiais militares em infrações penais causa repercussão negativa na sociedade, especialmente diante de sua atribuição constitucional de preservação da ordem, ficando justificada a prisão preventiva para reforçar a credibilidade da justiça, embasada na garantia da ordem pública. (HC 2007.064598-4 da Capital. Rel. Des. Antônio Fernando do Amaral e Silva, j. 25/02/2008).
E mais:
A pretendida aplicação do princípio da presunção de inocência não é cabida, pois por demais sabido que tal preceito constitucional não impede a medida cautelar uma vez ocorrentes qualquer dos pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Ora, a própria Constituição Federal faz previsão da possibilidade da prisão exceção, seja preventiva, seja nos casos de flagrante, o que não torna soberano o princípio invocado (HC 2005.022101-8, de Campo Erê, rel. Des. Solon d'Eça Neves).
Ademais, "o princípio da presunção de inocência não é óbice ao recolhimento provisório, eis que a própria Constituição o coonesta em seu art. 5º, LXI, ao permitir a possibilidade de prisão em flagrante ou por ordem fundamentada e escrita da autoridade competente" (RT 701/316).
Ressalte-se, ainda, a aplicabilidade à espécie do princípio da confiança no juiz do processo, que dispõe de meios de convicção mais seguros para aquilatar a necessidade da medida, em virtude de maior proximidade das partes, dos fatos e das provas.
E segundo esta ótica, nem se alegue a ausência de fundamentação da decisão que determinou o encarceramento cautelar, visto que, a despeito da ausência de traslado de documentos suficientes, têm-se que ao apreciar a matéria, o juízo a quo apresentou eficientes motivos de fato e de direito que justificam a medida, esclarecendo, ainda, que o delito em tela é considerado daqueles que geram grave repercussão social e institucional, o que justifica a segregação como garantia da ordem pública (fl. 09).
Ante o exposto, o presente writ deve ser conhecido, mas, presentes os requisitos para a manutenção da prisão preventiva, a ordem deve ser denegada.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, decide a Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do pedido de denegar a ordem.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Hilton Cunha Júnior, com voto, e dele participou a Excelentíssima Senhora Desembargadora Marli Mosimann Vargas. Funcionou como Representante da doutra Procuradoria-Geral de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Doutor Robison Westphal.
Florianópolis, 02 de junho de 2009.
Luiz Fernando Boller
Relator
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