Um resumo de alguns princípios do ECA para consumo rápido e popular
INTRODUÇÃO
Nas comemorações dos 18 anos do ECA em Teresópolis, a Juíza da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, Drª Inês Joaquina Sant’Ana Santos Coutinho, tomou a iniciativa de estimular a constituição de um grupo de trabalho para criação de uma agenda comum para os festejos. Composto por instituições e entidades, lideradas pela Vara, pelo CMDCA e pelo Conselho Tutelar, promoveram-se seminários, palestras, concursos. Participaram as Secretarias Municipais de Educação, de Desenvolvimento Social, de Segurança Pública, colégios e organizações não governamentais.
Nas reuniões e eventos externos reiterou-se o balanço reproduzido na maior parte dos municípios, que revelou substanciais avanços, como a redução da mortalidade infantil, o aumento da matrícula escolar, a colocação em pauta de questões urgentes como a exploração sexual infanto-juvenil e o trabalho infanti. Mas verificou-se que a coluna de passivos era, ainda, gigantesca. Foram tomadas iniciativas como a criação do Projeto “ESCOLA DA PAZ – Teresópolis”, com palestras nas escolas e no ginásio desportivo da cidade para conscientização de pais, professores e alunos sobre os direitos e deveres de cada um.
A certa altura, embora o “Grupo 18 anos do ECA” tenha tratado de questões de fundo, como a carência de estruturas e ferramentas institucionais adequadas para o trato dos problemas urgentes na área dos direitos infanto-juvenis, preocupações mais corriqueiras nos vieram. Era preciso reverter o sentimento popular, muito propagado (e formado) pela mídia, de que a crise na área se deveria a um suposto excesso de benesses e direitos trazidos às crianças e aos adolescentes pela Lei 8.069/90.
Na verdade, há uma incompreensão generalizada quanto ao papel de cada um, seja família, seja governo, seja sociedade, no trato com as questões infanto-juvenis. Ocorrem omissões descabidas e indesculpáveis. Famílias, escolas e diversos setores fundamentais passaram a omitir-se de suas obrigações de criação de parâmetros para a vida social, através da imposição de limites e regras de disciplina. Com isso, pareceu à maioria dos adultos e, até mesmo, às próprias crianças e adolescentes, que estas tinham mais direitos que deveres.
Por isso, o “Grupo 18 anos” encomendou-me um trabalho que pudesse ajudar a inverter a mão deste raciocínio. Logo elaborado, serviu à divulgação de princípios básicos do ECA, através de cartazes e panfletos. Afixados às centenas e distribuídos aos milhares, contribuíram para uma visão mais positiva do ECA. O fato é que saímos da defensiva. Partimos para a cobrança, exigindo de cada um o cumprimento da sua parcela de responsabilidade.
Ao contrário do que possa parecer, a divulgação foi excepcionalmente bem recebida. Muitos se encarregaram de fazer bem vinda “pirataria” do documento, para afixá-lo em seus estabelecimentos ou organizações. Recebemos diariamente pais, professores e educadores, pedindo cópias, para divulgação.
Apresentamos, a seguir, o texto que foi empregado nos cartazes.
O TEXTO DA CAMPANHA
“Teresópolis nos 18 anos do
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
Você tem feito a sua parte?
ENTÃO PRESTE ATENÇÃO:
DAR BEBIDA A MENOR DE 18 ANOS (mesmo no almoço de casa ou no churrasquinho de amigos), É CRIME. Sabia?
DEIXAR CRIANÇA OU ADOLESCENTE TER ACESSO A ESTÍMULOS SEXUAIS FORA DE HORA (sexo precoce, ‘dança da garrafa’, ‘dança do créu’, programas eróticos, vídeos pornográficos) É SEMPRE CRIME OU INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. Você tem cuidado nessa área?
O MENOR DE 18 ANOS PRESTA MAIS ATENÇÃO A EXEMPLOS DO QUE A PALAVRAS. Não adianta dar bons conselhos e viver de forma irresponsável.
EDUCAÇÃO NÃO É TRABALHO SÓ DA ESCOLA. ACIMA DE TUDO É TRABALHO DA FAMÍLIA. MAS TAMBÉM DO EMPRESÁRIO, DO GARÇOM, DO TROCADOR DO ÔNIBUS, DO FEIRANTE... de todos, enfim. Com nossos atos, cuidados e exemplos, somos todos educadores, queiramos ou não. Que sejamos bons!
NÃO USE O ECA COMO DESCULPA. A LEI NÃO PROÍBE QUE VOCÊ EDUQUE SEU FILHO. ELE NÃO PODE TUDO. O Código Civil (artigo 1.634,VII) diz que é obrigação do pai e da mãe exigir dos filhos respeito e obediência. E claro que isso deve ser feito com autoridade amorosa, nunca com espancamento. Seu filho tem direito de ser respeitado!
MÃE É PRECIOSA, SEMPRE. MAS SE VOCÊ É PAI, SAIBA QUE VOCÊ É FUNDAMENTAL. Seja um pai participativo e presente.
NINGUÉM PODE SUBMETER O JOVEM A RISCOS. NEM ELE PRÓPRIO. Jovem: evite situações de alcoolismo, drogas, sexo precoce, violência, etc, que possam prejudicar a sua vida, saúde física e psicológica e integridade afetiva e moral.”
BASE LEGAL DAS AFIRMAÇÕES DO CARTAZ DE CAMPANHA
Como se pode ver, o cartaz procura simplicidade e recado direto. Foi criticado por alguns, já que algumas assertivas seriam pouco fundamentadas. Ora, a população precisa de mensagens claras, não de tratados de direito. Por isso atacamos de maneira sumária, sim, os problemas centrais observados no cotidiano da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Teresópolis.
Mas, como veremos, não há uma afirmação sequer no cartaz que possa ser tomada por descabida. Senão, vejamos.
Bebidas Alcoólicas – Temos convivido com a atitude irresponsável de familiares e com comerciantes caçadores do lucro a qualquer custo, que vendem ou fornecem bebidas à menores. Os índices de alcoolismo infanto-juvenil crescem e abrem a porta para outras formas de dependência e atitudes de risco.
Por isso afirmamos que, conforme diz o artigo 243 do ECA, é crime a venda de bebida alcoólica a menores de 18 anos, pois causa dependência física ou psíquica. E o artigo da Lei não se dirige apenas a comerciantes, posto que fala em fornecimento gratuito, ministração ou entrega, “de qualquer forma”, o que atinge aos pais sem consciência. Um fenômeno recente neste particular é a proliferação de festividades em sítios, churrascadas em residências, onde pais ou proprietários permitem o consumo franco de álcool.
Estímulos Sexuais – A sexualidade precoce é um grave mal dos tempos contemporâneos, com as conseqüências nefastas das DTS’s e gravidezes precoces. Mas crianças e adolescentes são longamente adestradas para esse precipitado comportamento de risco. Para que houvesse entendimento bem nítido do assunto, colocamos exemplos do cotidiano das pessoas. Certamente, muitos poderão ter pensado tratar-se de mero discurso moralista, censura, postura retrógrada. Entretanto, assim não diriam caso conhecessem os incidentes sexuais envolvendo, não mais apenas adolescentes, mas também crianças.
Já se registrou ocorrências em escolas, de tentativas de abuso por parte de grupos de meninos de sete ou oito anos, contra meninas de cinco. Em alguns, casos, abusos ocorrem e são filmados com celulares, para postagem na internet. Data venia dos precavidos, não há como não perceber a ligação dos estímulos constantes à sexualidade precoce, não só com o comportamento impróprio de crianças, mas com o próprio problema da pedofilia e da prostituição infanto-juvenil.
Informamos tratar-se sempre de crime ou infração administrativa, não sem críticas dos legalistas estritos. Entretanto, embora não haja tipificação nítida, literal, uma interpretação finalística e sistêmica do Estatuto verificará que o mesmo garante à criança e ao adolescente estarem livres de qualquer forma de negligência, exploração ou violência (art. 5º do ECA). Também o artigo 15 prevê o direito ao respeito e à dignidade da criança ou adolescente, até porque, conforme o artigo 6º, vive em condição peculiar de “pessoas em desenvolvimento”. Por isso, garante-se, no artigo 17, a inviolabilidade de sua integridade, não só física, mas também psíquica e moral. Ora, fomentar o sexo ou a sensualidade na inocência é violência, é exploração, é negligência, desrespeita dignidades indenes, e as afeta psíquica e moralmente.
Não esqueçamos que o artigo 232 criminaliza a submissão de criança ou adolescente à vexame ou constrangimento, por parte de quem o tiver sob guarda, autoridade ou vigilância (atenção, pais, tios, professores!). O artigo 240 também prevê pena de reclusão para o produtor de produto artístico ou audiovisual que valha-se de criança ou adolescente em cena pornográfica, de sexo explícito ou vexatório. É secundado pelo artigo 241, que criminaliza a conduta de apresentação, produção, venda, fornecimento, divulgação ou publicação por qualquer meio, de imagens com pornografia ou cenas de sexo, envolvendo crianças ou adolescentes. Neste artigo, é criminalizada também a conduta de quem a tanto permite. E temos também o artigo 244, que trata diretamente da prostituição ou “exploração sexual”.
No capítulo das infrações administrativas, temos aquelas decorrentes da venda, locação, fornecimento ou exposição a menores de 18 anos, de material impróprio ou inadequado (notadamente de cunho pornográfico ou obsceno), nos artigos 256 e 257.
Veja-se, ainda, que o Código Civil, em seu artigo 1.638, III, prevê a perda do poder familiar do pai e da mãe que “praticarem atos contrários à moral e aos bons costumes”. Isso sem esquecer que o ECA prevê também, no artigo 249, a infração administrativa por descumprimento dos deveres do poder familiar.
Portanto, é possível a compreensão de que aquele que permite, por exemplo – como já registramos –, que numa festa de cinco anos, as meninas presentes compareçam trajando shorts minúsculos e apertados, e subam a um palco para a “dança da garrafa”, pode ser responsabilizado e, conforme o caso concreto, ser sancionado administrativa ou, até, criminalmente.
A necessidade do exemplo – Este item apela à consciência de todos os adultos, que tanto cobram melhor postura dos adolescentes, mas que não percebem a correlação entre aquilo que praticam e os frutos deste comportamento. Também lido de forma sistêmica, o ECA fará com que vejamos a necessidade de que o direito dos menores de 18 anos ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, a não serem expostos a negligência, violência ou qualquer tipo de influência nociva à sua formação, exige que os adultos lhes dêem mais do que conselhos bem elaborados, exemplos concretos de vida digna e correta.
Educação como trabalho de todos – O ser humano aprende o tempo todo, não apenas na escola. Se o que a sociedade vive e pratica, ou o que ocorre na família do educando confronta as lições que recebe dos seus educadores formais no sistema de ensino, muito freqüentemente, as lições não serão internalizadas. Ou, pior, o educando poderá supor que a educação que recebe na escola – e claro que não estamos falando apenas de conteúdos – só vale para determinados ambientes. Fomenta-se assim, o “jeitinho”, a hipocrisia e a tendência à ilicitude.
Hoje assistimos a uma crise no sistema de ensino, decorrente da mútua incompreensão entre família e escola e de ambas em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Disso tem resultado o aumento da indisciplina escolar e, mesmo, da violência entre alunos, destes para com os professores e vice-versa.
Na verdade, o artigo 227 da Constituição Federal (repetido no 4º do ECA), quando trata dos direitos que devem ser assegurados como absoluta prioridade a crianças e adolescentes, inclui o direito à educação, e põe como devedores, que devem “assegurar” tal direito, a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público.
Também, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96) é muito clara quando diz, logo no seu primeiro artigo:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Ou seja, quando dispõe “convivência humana”, por exemplo, o legislador não deixa escapar ninguém. É fundamental que cada um se convença de que somos todos educadores.
O ECA e o poder familiar – Uma das mais injustas acusações – que acaba virando desculpa freqüente! – é a de que o ECA veio inibir o poder e o dever que os pais têm de educar seus filhos.
Ora, o ECA é apenas uma lei no ordenamento jurídico. A não ser nos casos explícitos, no abole as demais leis. Acima de tudo, não abole a Constituição.
O atual Código Civil, surgido bem depois do ECA, manteve as disposições do antigo “pátrio poder”, apenas atualizando a nomenclatura para “poder familiar”. Ou seja, desde 1916, sem solução de continuidade, sem redação diferente, sem norma que o contradiga, atualmente conforme o artigo 1.634, vige a seguinte determinação legal:
“Compete aos pais quanto à pessoa dos filhos menores:
I – dirigir-lhes a criação e educação; (...)
VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.” (grifei)
Embora possamos ressalvar que, dadas outras disposições legais, não é permitido aos genitores espancamentos e maus-tratos, os termos da lei são claros: “dirigir”, “exigir”, “obediência”, “respeito”. Ou seja, CHEGA DE DESCULPAS!
A participação do pai – Quem milita na área infanto-juvenil percebe a quantidade de crianças ou adolescentes que crescem sem a referência da figura masculina e paterna. Exaustivos estudos já foram feitos demonstrando o preço altíssimo que essa omissão provoca na psique do indivíduo em formação. O pai é o tertius, o ‘interditor’ essencial à construção das noções de identidade e de autoridade.
Nestes tempos de maior liberação sexual e desfazimento de relacionamentos mais corriqueiro, é muito comum a mulher que cria filhos de companheiros diferentes. Estes, muito freqüentemente, desinteressam-se da própria prole, tão logo a mulher tem filhos do novo relacionamento. Já o companheiro atual, muitas vezes entende que não tem que “criar o filho de outro”. Disso resultam, não só lares desfeitos, mas, pior, lares em permanente conflito, com filhos que acabam indo morar com avós ou tios, ou se alternando entre residências temporárias.
Crianças carregam a mágoa dessa situação de ausência de firmeza e raízes afetivas confiáveis por toda a vida. A relação desta condição com a emergência da situação de risco e do ato infracional é evidente e já foi por nós estudada em outro trabalho.
Importante despertar a consciência social para o resgate do papel do pai responsável, participante, como condição sine qua non à solução do drama da situação infanto-juvenil nos dias de hoje.
Situação de risco – Sendo pessoas em período especial de formação biopsíquica, crianças e adolescentes não podem ser expostos a qualquer situação de risco. Esta é entendida como toda aquela circunstância que possa lhes causar qualquer forma de dano. Ou, mais ainda, como parte do princípio da precaução (art. 70 do ECA), deve-se impedir não só aquilo que se tem certeza que pode oferecer risco, mas aquilo que pode constituir mera ameaça.
Assim, o dono de parques de diversões deve zelar pela segurança dos equipamentos, bem como para que a participação nos brinquedos observe rigorosamente a idade recomendada. O gerente do cinema deve zelar para que não ingresse menor de 18 anos nos filmes assim classificados, bem como de alertar os pais quanto aos filmes de classificação etária inferior, no que tiverem de danoso à formação infanto-juvenil. O garçom do bar deve pedir o documento de identidade antes de servir bebida alcoólica. O proprietário de van deve verificar se os menores que transporta para outro município estão documentados e, eventualmente, autorizados. O porteiro do motel deve verificar se ingressam menores no estabelecimento, inclusive, requisitando documento de identidade. O proprietário de um sítio que o aluga ou cede para uma “churrascada” deve examinar atentamente as intenções dos promotores do evento e fiscalizar o que lá ocorrerá, principalmente no que concerne à presença de menores de idade.
Mas, não é só. A própria criança ou adolescente não é dado praticar atos que o exponham a risco. E aqui entra o difícil equilíbrio, já que a transgressão e testagem de limites é própria da adolescência. Entretanto, quando o adolescente exagera, ele submete-se à autoridade do Conselho Tutelar, do Ministério Público e do Juiz da Infância e da Juventude. Pode carecer de medida protetiva, já que estas são aplicáveis, conforme o artigo 98 do ECA, “sempre que os direitos reconhecidos na lei forem ameaçados ou violados”, não só por “ação ou omissão da sociedade ou do Estado”, “por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável”, mas também “EM RAZÃO DE SUA CONDUTA”.
Logo, o menor de 18 anos não pode fazer o que quer. Aquele que consume drogas, que abandona o lar parental sem razão convincente, que se deixa ficar em logradouros em horário que lhes possa oferecer perigo, que pratica atos infracionais, que se expõe a sexo precoce, que freqüenta estabelecimentos ou diversões impróprias à sua idade, expõe-se a risco. Ameaça a própria integridade. A Lei não permite e exige providências da família e das autoridades, ainda que contra a vontade da criança ou adolescente.
CONCLUSÃO
O esforço de esclarecimentos que empreendemos parece começar a dar bons resultados. Muita gente passou a enxergar a Vara da Infância e da Juventude e o Conselho Tutelar com outros olhos.
A experiência nos ensinou que é preciso “traduzir o ECA” para o cotidiano das pessoas. Quanto mais seus princípios forem compreendidos pelas pessoas, em suas situações de vida concretas, maior o eco que a Lei especial obterá no coração da sociedade.
Serventuário de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, http://denilson_araujo.blog.uol.com.br/
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DENILSON CARDOSO DE ARAúJO, . ECA para fazer eco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2008, 12:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/30/eca-para-fazer-eco. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Carlos Eduardo Rios do Amaral
Por: Carlos Eduardo Rios do Amaral
Por: Melissa Telles Barufi
Por: Carlos Eduardo Rios do Amaral
Por: Maria Berenice Dias
Precisa estar logado para fazer comentários.