Fracassada a tentativa de reformar o Código Tributário Nacional por meio do Projeto de Lei nº 173 de 1989, fala-se, novamente, em necessidade de uma modificação para ajustar aquele diploma legal específico, que data de 25 de outubro de 1966, à ordem constitucional superveniente.
Somos contra qualquer reforma radical, que faria com que perdesse toda uma doutrina e jurisprudência formadas ao longo de mais de quatro décadas e implicaria desperdício do material hoje existente.
Basta que a maior parte de seus dispositivos sejam interpretados de forma atualizada. Por exemplo, quando o art. 5º do CTN prescreve que os tributos são “impostos, taxas e contribuições de melhoria” basta atentar para a tranqüila jurisprudência de nossos tribunais, que reconhece cinco espécies tributárias encampando o pronunciamento da doutrina especializada. Outrossim, quando o art. 3º, II proclama que a natureza específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação sendo irrelevante a “destinação legal do produto de sua arrecadação” é preciso recordar que, à época do advento do CTN, a contribuição social não era reconhecida como espécie tributária, muito menos como tributo de natureza intrínseca, como hoje é proclamada pela unanimidade da doutrina e da jurisprudência. É da essência da contribuição social que o produto de sua arrecadação seja destinada à consecução da finalidade que deu causa à sua criação, do contrário, confundir-se-ia com a espécie imposto.
Nem sempre as interpretações equivocadas resultam da falta de técnica do legislador ou da falta de clareza de dispositivos legais. Às vezes, os desvios interpretativos ocorrem por conveniências políticas. A lei pode ajudar a conter esses desvios prescrevendo regras expressas, diretas e claras, mas, não terá força suficiente para eliminá-los. Da mesma forma, a lei poderá conter a ação dos agentes públicos ímprobos, prescrevendo sanções severas contra eles, mas, não terá o condão de transformar o ímprobo em probo, nem o desonesto em honesto.
Feitos esses esclarecimentos, forçoso reconhecer que alguns dos dispositivos do Código Tributário Nacional, realmente, estão a merecer uma redação mais precisa. Um desses dispositivos é o que diz respeito à decadência, causa de extinção do crédito tributário, motivo de intermináveis discussões doutrinárias e jurisprudenciais que só servem para afetar o princípio da segurança jurídica.
Tendo em vista a inegável divergência que se formou em torno desse assunto não basta a proclamação do art. 173 do CTN:
“Art. 173. O direito de a Fazenda constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados:
I- do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II- da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento”.
Primeiramente, o art. 173 somente regula a decadência na modalidade de lançamento de ofício estabelecida pela legislação tributária aplicável a cada tributo. De regra, exclui-se da contagem do prazo qüinqüenal o exercício em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Em compensação, havendo inicio de fiscalização por qualquer meio referido no parágrafo único, ou pela lavratura do termo de início de fiscalização no livro fiscal competente, a contagem do prazo decadencial inicia-se a partir dessa data, isto é, ocorre uma antecipação do termo inicial da decadência tributária.
Em segundo lugar, no lançamento por homologação, o termo inicial do prazo decadencial inicia-se a contar da ocorrência do fato gerador da respectiva obrigação tributária, nos termos expressos do § 4º do art. 150 do CTN. E é a legislação de cada tributo que fixa a modalidade de lançamento por homologação. Por isso, não é dado ao intérprete convolar esse lançamento por homologação em lançamento de ofício, a pretexto de que não houve pagamento antecipado do tributo sem o prévio exame do fisco, para daí extrair a conclusão de que deve ser somado o prazo decadencial de cinco anos do § 4º do art. 150 do CTN com o prazo referido no inciso I do art. 173 do CTN. É a equivocada tese dos 5 + 5 anos. Na realidade, a soma dos dois prazos, se possível fosse, daria 11 anos. Outro equívoco dessa tese é que nada há no CTN que obrigue o fisco a aguardar cinco anos para saber se o contribuinte antecipou ou não o pagamento. Decorrido o prazo legal previsto na legislação de cada tributo, sem que tenha havido antecipação do pagamento nada impede de o fisco, imediatamente, fiscalizar e verificar a atividade exercida pelo contribuinte e promover a sua cobrança, sem prejuízo do lançamento de ofício por eventual diferença a maior, que vier a ser constatada. Normalmente o prazo de pagamento antecipado é de periodicidade mensal. Inaceitável a inércia do fisco por sessenta meses para homologar o lançamento, ou exigir o pagamento do valor que entender devido, principalmente, considerando a existência de um sistema informatizado, que permite ao fisco acompanhar a atividade do sujeito passivo da própria repartição fazendária.
Neste particular, o artigo 150 e §§ 1º a 4º do CTN são suficientemente claros no sentido de que cabe ao fisco proceder a homologação das atividades exercidas pelo contribuinte ou promover lançamento direito do crédito tributário em relação à operação eventualmente omitida pelo contribuinte, mas sempre dentro do prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador. Se não houve qualquer omissão nos registros de operações do contribuinte, mas faltou apenas a antecipação do pagamento do montante por ele apurado ocorre a homologação do lançamento tributário, porém, sem a extinção do crédito tributário a que alude o § 1º. Trata-se de mera hipótese de inadimplência e não de sonegação. Nada há a ser explicitado no CTN a este título.
Quanto ao prazo final da decadência, também, reina interminável controvérsia.
Sabemos que o crédito tributário é constituído pelo lançamento, definido no art. 142 do CTN como procedimento administrativo de natureza vinculada.
No final do procedimento aí referido é expedido um documento conhecido, na prática, como auto de infração que outra coisa não é senão o lançamento, constitutivo do crédito tributário. Com o ato do lançamento, necessariamente unilateral do fisco, a obrigação tributária que surgiu com a ocorrência do fato gerador torna-se líquida e certa. É a constituição definitiva do crédito tributário.
Mediante interpretação sistemática dos dispositivos do CTN não temos dúvida em proclamar que o momento dessa constituição definitiva do credito tributário ocorre com a notificação do lançamento ao sujeito passivo, nos precisos termos do art. 145 do CTN. Aqui cessa a cogitação de decadência para iniciar-se a cogitação de prescrição definida no art. 174 do CTN.
De fato, notificado do lançamento, ao contribuinte restam duas alternativas: (a) efetuar o pagamento do montante exigido, hipótese em que se extingue o crédito tributário; (b) impugnar o lançamento, hipótese em que se instaura o processo administrativo tributário em obediência aos princípios do devido processo legal e do contraditório em ampla defesa.
Esta fase administrativa de solução da lide nada tem a ver com o procedimento administrativo do lançamento em que não se cogita de aplicação do princípio contraditório e ampla defesa, por se tratar de direito potestativo da Fazenda de constituir o crédito tributário.
Há um equivoco na tese sustentada por parte da doutrina e da jurisprudência no sentido de que o crédito tributário só se constitui definitivamente com a decisão irreformável na esfera administrativa, porque o recurso administrativo poderá resultar em modificação do lançamento.
Ora, a decisão administrativa não tem o condão de constituir o crédito que já estava constituído nos termos dos artigos 142 e 145 do CTN. Essa decisão tem o condão apenas de desconstituir o crédito tributário extinguindo-o (art. 156, IX do CTN) caso o lançamento tenha incorrido em alguma irregularidade formal ou material.
Sustentar que o crédito tributário é provisório, enquanto não encerrar o processo administrativo onde se discute o lançamento, é o mesmo que afirmar que, por força do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, o crédito tributário só se aperfeiçoa com a final decisão judicial, pois, cabe igualmente ao Judiciário desfazer o crédito tributário confirmado na esfera administrativa, sempre que, por provocação do interessado, constatar ilegalidade ou inconstitucionalidade na sua constituição. E com certo exagero poder-se-ia sustentar a necessidade de aguardar, ainda, o decurso do prazo para eventual propositura de ação rescisória da decisão judicial confirmatória do crédito tributário constituído pelo lançamento.
A tese da provisoriedade do crédito tributário, a impedir a fluência do prazo prescricional enquanto não se ultimar o processo administrativo tributário, à luz do que acabamos de expor, torna-se insustentável.
Contudo, essa divergência de interpretação, que tanta insegurança jurídica tem trazido na vida prática, tendo em vista o renome dos autores n’um e n’outro sentido, pode ser dirimida pelos que pretendem reformar o CTN inserindo-se a seguinte expressão na parte final do art. 174 do CTN, que passaria a ter a seguinte redação:
“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data de sua constituição definitiva o que se dá com a notificação referida no art. 145”.
Lembro, por oportuno, que o projeto legislativo de 1989 de início referido limitava-se a reproduzir em seus artigos 149 e 150 os prazos decadencial e prescricional tais como prescritos nos artigos 173 e 174 do Código Tributário em vigor. Nenhuma contribuição trazia para dirimir a controvérsia de que tratamos neste trabalho.
Aprovar um novo estatuto específico apenas realizando alterações topológicas de seus dispositivos em nome de uma sistematização das normas gerais de direito tributário, ou para introduzir novos conceitos não valerá a pena. Preferível deixá-lo como está. O certo é manter a atual enumeração dos dispositivos do Código Tributário Nacional e efetuar alguns ajustes mediante supressão, acréscimo ou modificação de disposições a fim de melhor explicitar alguns de seus dispositivos ajustando-os à nova realidade decorrente da Constituição de 1988. Assim procedendo as toneladas de exemplares do CTN espalhados pelo país inteiro, bem como as milhares de obras de direito tributário hoje existentes não precisariam ser destruídas, mas simplesmente adaptadas. E mais, a jurisprudência formada ao longo de mais de quatro décadas, superando algumas das controvérsias doutrinárias, seria preservada.
SP, 9-6-09.
Advogado em São Paulo (SP). Mestrado em Teoria Geral do Processo pela Universidade Paulista(2000). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HARADA, Kiyoshi. Decadência tributária. Controvérsia quanto aos prazos inicial e final e a desejável alteração dos dispositivos do Código Tributário Nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2009, 09:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/302/decadencia-tributaria-controversia-quanto-aos-prazos-inicial-e-final-e-a-desejavel-alteracao-dos-dispositivos-do-codigo-tributario-nacional. Acesso em: 23 nov 2024.
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