Se vivo fosse, o Padre Gabriel Maire completaria no dia primeiro de agosto 73 anos.
Ele morreu na véspera do Natal, em 1989, atingido por uma bala criminosa. Tinha então 53 anos.
No próximo mês de dezembro será celebrado o vigésimo aniversário de sua morte.
Será bem apropriado que neste mês de agosto comecemos a preparar, no íntimo de nossa alma, a grande celebração a ocorrer em dezembro.
Dia de morte é dia de choro e de tristeza quando se trata do falecimento das pessoas comuns. Mas quando se trata de santos ou de herois, dia da morte é dia de glória.
Assim acontece, por exemplo, com Tiradentes, o mártir da Independência do Brasil, diante de quem nos postamos, com reverência, em cada vinte e um de abril, data do seu enforcamento.
Os santos do calendário cristão são relembrados no dia de sua morte, não no dia do seu nascimento, salvo quando não se sabe o dia da passagem. Nesta hipótese, é escolhida aleatoriamente uma data.
Os que mataram o Padre Gabriel Maire deixaram no seu pulso um relógio francês de excelente qualidade. Responda o senso comum, não é preciso que compareça nesta hipótese a sabedoria do criminalista, a argúcia do policial: quem mata para roubar (latrocínio) deixa no pulso da vítima um relógio valioso, tão fácil de ser retirado do braço?
Pondere-se outra circunstância. Pouco antes de sua morte o Padre Gabriel Maire prestou depoimento perante a Comissão “Justiça e Paz” da Arquidiocese de Vitória relatando que estava marcado para morrer. A ação pastoral do Padre Gabriel estava contrariando muitos interesses.
Recentemente o Tribunal de Justiça do Espírito Santo determinou a reabertura do “caso Gabriel Maire”, reconhecendo que tinha havido erro na apuração original. O desembargador relator, no momento em que proferiu seu voto, pediu em francês, perdão à família do Padre Gabriel, que reside na França, pelos descaminhos da Justiça capixaba ao se defrontar com esta morte.
Aquele foi um momento de esperança porque tudo indicava que, finalmente, a Justiça iria fundo no processo.
Qual não foi a surpresa e a decepção de milhares de pessoas quando, novamente, a Justiça decide que, no caso do Padre Gabriel, houve latrocínio e não homicídio.
O processo aproxima-se da prescrição, ou dizendo numa linguagem leiga, o processo está perto de acabar sem que os mandantes do crime sejam julgados perante o Tribunal de Júri.
A Família do Padre Gabriel e os que batalham para que se faça Justiça no caso vão apelar para a Corte Interamericana de Direitos Humanos denunciando a falha e a omissão da Justiça brasileira.
A decisão dessa Corte internacional terá efeito moral fortissimo, mas não tem efetividade porque a Corte Interamericana não pode intervir na Justiça dos países que integram o sistema interamericano.
Neste mês de julho li o livro Mártir da Amazônia – a vida da Irmã Dorothy Stang.
Esta obra foi dada de presente a minha mulher pela advogada Lindinalva Marques. Como eu logo me interessei pelo livro, pedi a minha mulher que me concedesse prioridade na leitura, no que ela bondosamente consentiu.
A vida da Irmã Dorothy é uma vida linda. Ela se apaixonou pelo trabalho pastoral com os migrantes, aquela gente miserável que partiu para a Amazônia em busca de trabalho e de pão.
Irmã Dorothy foi seguidora do teólogo Gustavo Gutiérrez que disse:
“Na América Latina o desafio não vem em primeiro lugar de não-crentes, e sim de não-pessoas, ou seja, aqueles a quem a ordem social dominante não reconhece como pessoas.”
Irmã Dorothy foi adepta da Teologia da Criação, ou seja, da idéia de que se rende culto a Deus zelando por este mundo que Ele criou, pelo meio ambiente, pelos rios, pelas florestas.
Por este sentimento de que a criação é obra divina, opôs-se vigorosamente aos interesses nacionais e internacionais que pretendem devastar a Amazônia.
Não obstante cidadã norte-americana, Dorothy era antes de tudo cidadã do Reino de Deus.
O exemplar do livro Mártir da Amazônia está marcado com muitas observações manuscritas, algumas delas fazendo referência ao Padre Gabriel. A proprietária do livro não se importa que eu faça marcas, até gosta de ler os livros marcados por mim. Vigora um comunismo literário em nossa casa.
Irmã Dorothy e Padre Gabriel são dois mártires da causa da Justiça, com quatro pontos de identidade entre eles:
a) ambos assumiram a luta pela Justiça inspirados no Evangelho;
b) ambos deixaram o torrão natal e vieram para o Brasil;
c) ambos foram assassinados;
d) nos dois casos os processos judiciais não fizeram desabrochar a verdade integral dos fatos.
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