Embora o período de restrições causado pela disseminação do vírus COVID-19 tenha terminado, a indústria automotiva brasileira ainda enfrenta diversos obstáculos que impedem o crescimento do setor, entre eles, a escassez de peças e componentes no mercado.
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores – ANFAVEA, só no ano de 2022 ocorreram 16 paradas nas fábricas de veículos, sendo que neste período a indústria brasileira deixou de produzir aproximadamente 150 mil veículos em decorrência da falta de componentes disponíveis no mercado.
Nesse contexto, caso recentemente você tenha precisado de algum serviço relacionado à manutenção, conserto ou até mesmo a entrega de veículo zero quilômetro, provavelmente notou que o período para a conclusão destes serviços tem aumentado demasiadamente, sendo frequente o descumprimento de prazos causado por parte das montadoras e concessionárias espalhadas pelo país.
Portanto, mais do que nunca, resta imprescindível ao consumidor saber o que pode ser feito do ponto de vista legal caso seja prejudicado pela demora excessiva na entrega de veículos.
Mas afinal, o que pode ser feito?
Medidas preliminares
Antes de adentrar ao assunto, importante esclarecer que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) materializado pela Lei 8.078 de 1990 não estabelece de maneira taxativa um prazo máximo para realização deste tipo de serviço.
Entretanto, a Lei assegura que este prazo deve ser fixado de maneira razoável, respeitando aquele convencionado pelas partes ao momento da contratação do serviço automotivo conforme inteligência dos artigos 30, 31 e 35 do referido Diploma Legal e jurisprudência majoritária.
Assim, caso suspeite que se encontre em uma situação de demora na finalização dos serviços contratos para a manutenção ou reparo de seu veículo, o consumidor deve, antes de mais nada, verificar se o prazo fixado pela prestadora se encontra razoável, o que para jurisprudência pode ser considerado entre 30 e 60 dias.
Caso seja configurada a situação de atraso, a próxima etapa para o consumidor deve ser a obtenção de um posicionamento formal da prestadora de serviços, seja ele através do envio de notificação extrajudicial elaborada por um advogado especialista, ou até mesmo, através de consulta aos canais oficiais de contato disponibilizados pela empresa, desde que respondidos dentro de um período razoável.
Ressalta-se que o intuito desta etapa é garantir a resolução do impasse de maneira célere, sendo comum neste caso a tentativa de contornar o problema através de medidas como ressarcimento de despesas de locação de veículo reserva ou despesas com transporte do cliente prejudicado.
Caso a tentativa de resolução do impasse pela via extrajudicial reste prejudicada, recomenda-se o registro de reclamação junto aos órgãos de proteção do consumidor (PROCON), a qual também pode ser acompanhada da adoção de medidas judiciais a depender de cada caso concreto, como o requerimento de pedido liminar em situações em que o consumidor prejudicado necessite do uso de veículo automotor para sua locomoção (idosos, deficiente, profissionais do ramo da saúde, etc…), havendo a necessidade das prestadoras de serviço providenciarem qualquer veículo semelhante até a finalização do serviços em atraso.
Medidas definitivas – Responsabilidade das prestadoras de serviço automotivo.
Importante esclarecer que mesmo com adoção das medidas descritas acima, muitas prestadoras de serviços automotivos ainda assim se eximem da responsabilidade de reparação ao consumidor prejudicado, muitas vezes alegando que a demora na prestação dos serviços teve como causa fatores externos a sua vontade, como problemas alfandegários ou ausência de matéria prima ocasionada por problemas globais como o conflito entre Rússia e Ucrânia ou o caos nos portos chineses em decorrência das medidas restritivas adotadas pelo país.
Entretanto, mais uma vez, a situação deve ser analisada sob a ótica da razoabilidade, já que embora sejam verídicos os eventos mencionados acima, figura como responsabilidade das prestadoras deste serviço a garantia ao estoque de peças de seus produtos comercializados, conforme inteligência do artigo 32 do CDC.
Pois bem, ainda sobre a responsabilidade das montadoras, importadoras e concessionárias sob a ótica do consumidor prejudicado, pouco importa quem deu causa ao atraso na finalização dos serviços, de modo que o artigo 18 do CDC estabelece que os fornecedores de produtos respondem solidariamente caso seja configurada a situação de falha na prestação de serviço.
Portanto, independente se já ocorrida a entrega do veículo ou não, figura como medida definitiva ao consumidor prejudicado o ajuizamento de Ação Indenizatória a fim de reaver todas as despesas gastas pelo consumidor com transporte ou locação de veículo reserva, bem como, referente a presença de danos morais amparados pela jurisprudência majoritária em casos semelhantes .
Importante ressaltar que para o sucesso da medida judicial descrita acima, figura como imprescindível o registro de todos os contatos e demais provas pertinentes a relação do consumidor e a prestadora de serviços automotivos.
Ao final, entende-se que apesar dos atuais obstáculos enfrentados pela indústria automotiva brasileira, esta não pode se eximir de suas obrigações legais perante o consumidor havendo a necessidade de amparo caso seja constatada a situação de atraso do serviço automotivo por escassez dos produtos.
Ainda, importante ressaltar que as medidas descritas se encaixam em situações de reparo, manutenção e entrega de veículos, já que todas dependem da disponibilidade dos componentes automotivos no mercado.
[1] (TJ-PR – APL: 14656038 PR 1465603-8 (Acórdão), Relator: Desembargadora Ângela Khury, Data de Julgamento: 25/05/2017, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2067 12/07/2017)
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