Muitos questionam se a “transação Penal” e o “Acordo de Não Persecução Penal, poderiam fundamentar a reprovação em concurso público na fase de sindicância de vida pregressa, previstos em editais de certames voltados a selecionar candidatos a cargos de policiais ou na área de segurança pública.
A resposta é NEGATIVA.
No tocante à transação penal, trata-se de instituto que foi criado pela Lei n. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no Brasil, que no seu art. 76 estabeleceu que:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.
§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível. (sem negrito no original)
Perceba que a transação penal é um negócio jurídico entabulado pelo Ministério Público com o autor do crime ou contravenção penal (infração penal de menor potencial ofensivo, com pena igual ou inferior a 2 anos). Uma vez entabulado o acordo, será submetido ao juízo criminal que dará uma sentença homologatória (e não condenatória), portanto, referida sentença não tem a carga de uma sentença penal condenatória, para gerar efeitos extrapenais e alcançar institutos de natureza civil.
Observe que esse acordo homologado não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para impedimento de obtenção do mesmo benefício no período de 05 anos, portanto, a certidão para fins de constatação de vida pregressa deve exibir a informação “nada consta”.
O Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema em Repercussão Geral, vejamos:
Tema 187 – “As consequências jurídicas extra penais previstas no art. 91 do Código Penal são decorrentes de sentença penal condenatória. Tal não ocorre, portanto, quando há transação penal (art. 76 da Lei 9.099/1995), cuja sentença tem natureza meramente homologatória, sem qualquer juízo sobre a responsabilidade criminal do aceitante. As consequências geradas pela transação penal são essencialmente aquelas estipuladas por modo consensual no respectivo instrumento de acordo.” RE 795.567/PR
Em outra ocasião o STF decidiu entendendo ser ilegítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a partição de candidato pelo simples fato de responder a inquérito policial ou ação penal, vejamos:
Concurso público - análise da vida pregressa - transação penal - extinção da punibilidade - eliminação de candidato - ilegitimidade
"1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o mérito da repercussão geral no RE 560.900-RG (Tema 22), firmou o entendimento no sentido de que sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal.
2. Nesse contexto, conclui-se igualmente ilegítima a cláusula de edital de concurso público capaz de excluir candidato beneficiado por transação penal que resultou na extinção da sua punibilidade, ou seja, situação em que a ação penal sequer chegou a existir." ARE 1.034.405 AgR/RJ
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Quinta Turma, acompanhando o relator, ministro Felix Fischer, no RMS 28.851, entendeu que a transação penal homologada por fatos imputados ao candidato a concurso não é, por si só, capaz de gerar sua exclusão na fase de investigação social.
No caso analisado pelo órgão julgador, um aspirante ao cargo de agente penitenciário afirmou que, apesar de ter obtido êxito em todas as fases da disputa, foi reprovado na investigação social e criminal em virtude de transação penal homologada anteriormente, relativa a suposto cometimento de crime de baixo potencial ofensivo.
Ao proferir seu voto, o relator destacou que, entre os diversos efeitos da transação penal em benefício do acusado, como reconhecido pela doutrina, está a não imputação de reincidência nem de registro de maus antecedentes.
"A transação penal a que alude o artigo 76 da Lei 9.099/1995 não importa em condenação do autor do fato", declarou o magistrado, para quem "revela-se ilegal o ato administrativo que tem o recorrente como não recomendado em virtude tão somente de haver celebrado transação penal".
Apesar disso, Fischer lembrou que há independência entre as instâncias criminal e administrativa, de modo que a transação penal obtida pelo acusado não poderia ter o efeito automático de impedir a apuração do mesmo fato na esfera administrativa, nem a aplicação das penalidades correspondentes.
No tribunal de Justiça do Distrito Federal destacamos os seguintes julgados:
“2. O candidato que, por infringência à regra disposta no art. 28, inc. III, da Lei nº 11.343/2006, cumpre a medida alternativa imposta, sem que tenha havido condenação por prática de crime, não pode ter a aludida conduta reconhecida como antecedente criminal, pois isso configuraria flagrante violação ao princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade, previsto no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal e no art. 8º, 2, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José). 3. A eliminação de candidato de fase de concurso público na etapa de sindicância de vida pregressa pela constatação da conduta de porte de drogas para uso pessoal que não resultou em condenação criminal é desproporcional e irrazoável, sendo possível a declaração de nulidade do ato por parte do Poder Judiciário. 4. Diante da declaração de nulidade do ato de eliminação do candidato, deve ser possibilitada sua participação nas próximas etapas do certame.” Acórdão 1229549, 07042418620198070018, Relator: ALVARO CIARLINI, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 12/2/2020, publicado no DJE: 20/2/2020.
Acórdãos representativos
Acórdão 1281793, 07009114720208070018, Relator: JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 9/9/2020, publicado no PJe: 18/9/2020;
Acórdão 1255879, 07047407020198070018, Relatora: NÍDIA CORRÊA LIMA, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 10/6/2020, publicado no DJE: 9/7/2020;
Acórdão 1242080, 07049476920198070018, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 15/4/2020, publicado no PJe: 20/4/2020;
Acórdão 1232880, 07071024520198070018, Relator: ARQUIBALDO CARNEIRO PORTEL, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 4/3/2020, publicado no PJe: 28/3/2020;
Acórdão 1205847, 07049502420198070018, Relator: ESDRAS NEVES, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 25/9/2019, publicado no DJE: 11/10/2019;
Acórdão 1204297, 07047589120198070018, Relatora: ANA CANTARINO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 26/9/2019, publicado no DJE: 1/10/2019.
Concurso público – sindicância de vida pregressa – inquérito policial arquivado – eliminação de candidato – ilegalidade. "1. Caracteriza ato ilegal a eliminação de candidato do certame, na fase da sindicância de vida pregressa e investigação social, lastreada somente em registros de ocorrência policial ou processo judicial não concluído, por ferir os princípios constitucionais da presunção de inocência, da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes no STJ e STF. 2. No caso, o candidato foi eliminado na fase de sindicância de vida pregressa, em razão de supostas anotações de crime de lesões corporais, no contexto da Lei Maria da Penha, e de injúria, em que o inquérito foi arquivado por sentença penal terminativa transitada em julgado. 3. Nessa conjuntura, revela-se ilegal o ato administrativo que eliminou o candidato, por ferir os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, derivados do princípio da legalidade, podendo, assim, o Judiciário exercer o controle, sob tal aspecto e com base em tais princípios, sem que, com isso, invada o mérito do ato administrativo.”Acórdão 1232616, 07043223520198070018, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 19/2/2020, publicado no PJe: 28/3/2020.
Concurso público – sindicância de vida pregressa – suspensão condicional do processo – descumprimento de medida protetiva – prisão preventiva – eliminação de candidato – legalidade. “I - A avaliação das situações que afastam a idoneidade moral exigidas em concurso público para a carreira militar deve ser realizada caso a caso, segundo a fundamentação apresentada pelo ato administrativo apresentado. II - É legal o ato que contraindica candidato denunciado pela prática de contravenção em contexto de violência contra a mulher e que permaneceu preso por descumprimento de medida protetiva de urgência, ainda que não haja sentença condenatória transitada em julgado. III - A natureza dos fatos nos quais o candidato se envolveu, relativos à Lei Maria da Penha, somado ao descumprimento de ordem judicial com a prisão preventiva, não permitem concluir pela idoneidade moral e procedimento irrepreensível exigidos no concurso, especialmente diante da atividade a ser desempenhada, de soldado policial militar.”Acórdão 1225281, 07044323420198070018, Relatora: VERA ANDRIGHI, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 18/12/2019, publicado no DJE: 5/2/2020.
Assim, não pode a Administração criar empecilho aos concurseiros no tocante às exigências não previstas em Lei relacionados à vida pregressa, sendo indevida a exclusão de candidato que tenha transacionado com o Ministério Público, nos termos da Lei n. 9099/95.
E o Acordo de Não Persecução Penal, pode fundamentar reprovação em concurso público na fase de sindicância de vida pregressa?
A resposta, também é NEGATIVA.
O Acordo de Não Persecução Penal surgiu recentemente com a Lei nº 13.964, de 2019, que trouxe para o CPP, art. 28-A, instituto muito semelhante à transação penal, aplicável aos autores que praticaram infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, podendo o Ministério Público propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime e fixar condições para cumprimento, tais como:
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal. (§ 6º, art. 28-A, CPP).
Perceba a semelhança com a transação penal. A sentença, também é homologatória, sendo que no § 12, também prevê que o ANNP não constará em certidão de antecedentes criminais, salvo para impedimento do benefício no período de 05 anos, vejamos:
A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo (§ 12, art. 28-A, CPP).
Por se tratar de instituto recente, ainda não identificamos jurisprudência versando sobre ANNP x concurso público, no entanto, acreditamos que o mesmo entendimento fixado para a transação penal (art. 76, L. 9099/95), no sentido de não poder fundamentar a reprovação em concurso público na fase de sindicância de vida pregressa, também deverá ser aplicado ao recente instituto do ANPP, contemplado no art. 28-A do CPP.
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. Transação Penal e o Acordo de Não Persecução Penal (ANNP) podem fundamentar reprovação em concurso público na fase de sindicância de vida pregressa? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2023, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3570/transao-penal-e-o-acordo-de-no-persecuo-penal-annp-podem-fundamentar-reprovao-em-concurso-pblico-na-fase-de-sindicncia-de-vida-pregressa. Acesso em: 26 dez 2024.
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