Da mesma forma que proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Universal dos Direitos da Criança, a ONU também proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Idoso. É um documento da maior importância, não tão conhecido quanto merece ser. Nele se afirma que o idoso tem direito de continuar a viver em sua própria casa, cidade e ambiente social. Tem o direito de decidir que tipo de assistência prefere. Ainda a Carta de Direitos dos Idosos determina que cabe ao Governo o dever de assegurar a eles uma renda adequada à sobrevivência digna. Concordo com tudo isto, mas acho que se omitiu a proclamação de um dos direitos do idoso: o direito à saudade. No elenco da Declaração de Direitos das Pessoas de Terceira Idade penso que deveria ter sido contemplado expressamente o saudosismo como direito fundamental.
Fui nesta semana surpreendido por um sentimento intenso de saudosismo.
A primeira saudade que me acudiu foi a saudade das cartas.
Sou do tempo das cartas por via postal, que carregavam um certo mistério.
Aderi à internet, aos e-mails, pela praticidade deste tipo de comunicação, mas tenho saudade das cartas de antigamente.
Os e-mails também podem ter muita força de comunicação, mas as cartas tinham um sabor especial.
A primeira beleza das cartas é que dependiam da entrega e o carteiro era muitas vezes esperado com ansiedade e alegria.
Não foi à toa que a alma de Pablo Neruda atingiu culminâncias em “O Carteiro e o Poeta”. Numa perdida ilha do Mediterrâneo, um carteiro recebe a ajuda do poeta Pablo Neruda para, através da Poesia, conquistar o amor de Beatrice, sua eleita. O carteiro, que era o mediador da correspondência do Poeta, aprende, aos poucos, a traduzir em palavras seus sentimentos pela amada. Em troca, Mário, o carteiro, foi o interlocutor do Poeta, mostrando-se capaz de ouvir suas lembranças do Chile e compreender as dores do exilado.
Guardo todas as cartas que recebi de minha esposa quando éramos namorados.
Como ela também guardou as que eu mandei, temos em nosso arquivo todas as cartas que trocamos.
Hoje tenho 73 anos. Eu a conheci quando tinha 17.
Tenho também saudade do flerte.
Hoje já não se flerta mais.
Flerte, que coisa linda! Mulher objeto? De forma alguma... Mulher destinatária... da admiração, do encantamento, do discreto desejo.
Suprimiram-se as etapas do amor. Numa sociedade capitalista não se perde tempo. O tempo destinado à poesia, numa sociedade de consumo, escrava do ter, desalmada, é tempo perdido.
Mas temos de reagir. Salvaguardar a Poesia porque Poesia é Humanismo.
Que mundo triste seria este mundo se desaparecessem os poetas.
“Mãos, cabelos, corpo, músculos, seios, extraordinário milagre de coisas suaves e sensíveis, tépidas, feitas para serem infinitamente amadas.
Mas o seu belo braço foi num instante para mim a própria imagem da vida, e não o esquecerei depressa.”(Rubem Braga).
“Pode teu seio roçar de leve em meu braço,
podes ficar em silêncio, olhando longe – não me torturo;
uma grande, uma total serenidade desceu sobre nós
na noite leve leve, clara clara, clara e leve.” (Newton Braga).
“Trancou-se no quarto, olhou-se no pequeno espelho, reparou que o rosto estava afogueado, considerou demoradamente o seu corpo, apalpou com complacência os seios rijos, cujos bicos ficaram intumescidos, imaginou, pela centésima vez, as carícias, os abraços, os beijos do namorado, que já não tinha mais o que esperar”. (Aylton Rocha Bermudes).
“No silêncio da noite houve um frufru nervoso.
Apenas minha mão que, abrindo ala entre rendas,
Buscou teu seio como um pássaro medroso.
Foi tão leve a carícia que te fiz,
Tão medrosa, tão cheia de segredos,
Que foi surpreso que senti, feliz,
Teu corpo estremecer ao toque dos meus dedos.” (Athayr Cagnin).
“Sejam-me frutos os teus seios verdes,
quando a fome do amor pulsar em mim.
Sejas o vinho em hálito odoroso,
que me vem antes e depois do sono”. (Evandro Moreira).
“Os meus seios redondos são quais flores
Quais rosas em botões intumescidos,
Que te causam o desejo de sabores,
Alertando-me os múltiplos sentidos.” (Renata Cordeiro).
“Amar, jovem, é pouco, e ainda que doam
As palavras nos lábios, ao dizê-las,
esquece os teus cantares. Já não soam.
Cantar é mais. Cantar é um outro alento.
Ar para nada. Arfar em deus. Um vento.” (Rainer Maria Rilke, tradução de Augusto de Campos).
“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só as que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.” (Fernando Pessoa).
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