Está em discussão proposta de Súmula vinculante que impossibilita a instauração de ação penal por suposta prática de crime contra a ordem tributária antes do esgotamento da discussão administrativa resultando no lançamento definitivo do tributo.
A Procuradoria Geral da República posicionou-se contra a edição dessa Súmula porque a verificação da redução ou supressão de tributo no seu entender independe do lançamento tributário.
A proposta de Súmula ao referir-se a lançamento definitivo abre margem às discussões intermináveis, pois dá a entender que existiria um lançamento provisório.
Na verdade, com a notificação do sujeito passivo do ato do lançamento operado na forma do art. 142 do CTN tem-se por definitivamente constituído o crédito tributário.
O procedimento administrativo do lançamento referido no art. 142 do CTN se esgota com a notificação do sujeito passivo (145 do CTN), nada tendo a ver com o processo administrativo tributário, que é meio de solução da lide tributária, e não meio de constituição do crédito tributário.
Notificado do lançamento o sujeito passivo pode adotar uma das seguintes providências:
a) pagar o tributo exigido e extinguir o crédito tributário;
b) impugnar o crédito tributário dando nascimento ao processo administrativo tributário que suspende a exigibilidade do crédito.
Não existe o crédito tributário que não seja definitivo, como não existe denúncia criminal provisória. O fisco não notifica o contribuinte para apresentar defesa contra crédito tributário provisório, da mesma forma que o juiz não determina citação do indiciado para apresentar defesa contra denúncia provisória.
Toda divergência doutrinária e jurisprudencial decorre da não distinção entre procedimento administrativo do lançamento e processo administrativo tributário, com reflexo na fixação do termo inicial da prescrição tributária. Só no STJ há pelo menos três correntes diversas e confrontantes acerca do prazo prescricional.
Não somos contra a tese que condiciona a instauração da ação penal ao prévio esgotamento da discussão administrativa do crédito tributário acolhida pelo STF, a partir do julgamento do HC 81.611/DF.
O Direito Penal Tributário visa tutelar o erário. Não se trata de retirar de circulação alguém que represente um perigo à sociedade, mas de assegurar os meios financeiros de que necessita o Estado. Às vezes, a prisão pode implicar supressão de uma unidade produtiva e, por conseguinte, diminuição da receita tributária. Por isso, somos mais pela descriminalização pelo pagamento, a qualquer tempo, do tributo devido como proclamado pelo § 2º, do art. 9º, da Lei nº 10.684/2003, que introduziu o Refis II. Não se trata de extinção da punibilidade pelo pagamento de tributo objeto de parcelamento como estava na lei do Refis II, Lei nº 9.964/2000, art. 15, mas de pagamento de qualquer tributo.
A nova lei do parcelamento, Lei nº 11.941/09, restabeleceu a redação da Lei nº 9.964/2000, para extinguir a punibilidade apenas quando houver pagamento de tributo sob regime de parcelamento. Pergunta-se, ficou revogado o § 2º, do art. 9º da Lei nº 10.684/2003? No meu entender não! Aquele parágrafo tem natureza de norma permanente que não pode ser revogado por uma lei específica de natureza temporária. O prazo de adesão ao regime de parcelamento de que cuida a Lei nº 11.941/09 expirou-se no último dia 30 novembro.
Voltando ao tema, a proibição de ação penal na pendência de processo administrativo tributário é uma criação pretoriana. Não tem sede legal.
O que o art. 83, da Lei nº 9.430/96, proíbe é a representação fiscal para fins penais na pendência do processo tributário. Essa lei veio à luz para coibir os abusos dos agentes fiscais que lavravam os autos de infração e ao mesmo tempo promoviam representação indiscriminada ao Ministério Público para ingressar com ação penal, objetivando recebimento de tributo por via de coação indireta. Na época, não existia programas de parcelamento de débitos tributários que pudesse implicar suspensão da ação penal. Proposta ADI contra essa lei pelo Procurador Geral da República restou julgada improcedente a ação.
É claro que sem a representação fiscal fica difícil ao órgão ministerial promover denúncia contra infratores da Lei nº 8.137/90, que define os crimes contra a ordem tributária. Mas, não é impossível.
Mais importante que a proibição de ação penal na pendência de processo administrativo tributário é a extinção da punibilidade pelo pagamento, a qualquer tempo, de qualquer tributo devido, dentro da linha adotada pela jurisprudência do STF. Efetuado o pagamento, satisfeito estará o objetivo do bem tutelado penalmente.
Esperamos que esse posicionamento continue apesar do disposto nos artigos 67 e 68 da Lei nº 11.941/09, de natureza temporária, que reintroduziu a figura da extinção da punibilidade pelo pagamento de tributo incluído no regime de parcelamento.
SP, 2-12-09.
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