A Constituição Federal estabelece as bases fundamentais relativas às relações de consumo no Brasil. A necessidade de uma regulamentação específica fez surgir no cenário jurídico o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) que estabelece infrações penais do artigo 61 ao artigo 75, prevê, ainda, no artigo 76 circunstância agravante própria, além de regras penais nos artigos 77, 78 e 79 e comando processual penal no artigo 80.
Questão particular é a identificação da vítima nos crimes tratados no CDC, pois ocorre processo de vitimização difusa, pelo qual fica claramente constatado um interesse coletivo, mas também, em algumas hipóteses, difuso.
Muitas vezes é possível segmentar um grupo de pessoas atingido, falando-se no atingimento a um interesse coletivo, mas há hipóteses em que não se consegue segmentar esta coletividade, pois, embora se tenha atingido, ou ao menos haja a potencialidade que a conduta lesione um determinado número de pessoas, é impossível separá-los, segmentá-los, falando-se, em interesses difusos.
Nas relações de consumo o Direito Penal atua em um campo supra-individual ou meta-individual. Há uma transcendência, para além do indivíduo, com o objetivo de visualizar as ações lesivas à coletividade, quer na sua expressão de pessoas identificáveis, quer na sua expressão enquanto manifestação difusa.
Há de se destacar também em relação ao sujeito passivo a presença de um sujeito passivo principal constante e, de forma complementar, de um sujeito passivo secundário que pode ou não se manifestar.
O sujeito passivo principal é a coletividade que é atingida quando há a prática de conduta descrita como delito contra as relações de consumo. Já o sujeito passivo secundário é representado pelo consumidor especificamente atingido.
Em alguns casos, além da visualização permanente de que foi atingida a coletividade, consegue-se ter particulares identificados e que restam atingidos, hipótese em que se poderá falar na presença, além do sujeito passivo principal, também de um sujeito passivo secundário.
O detalhe fundamental é o sujeito passivo secundário não tem ocorrência obrigatória, não sendo necessariamente identificável.
Exemplo do sujeito passivo secundário é o consumidor identificado que efetivamente adquiriu produto, persuadido por propaganda com conteúdo enganoso. Enquanto se tem uma coletividade (sujeito passivo principal) que é atingida, no exemplo, pelo simples fato da veiculação da propaganda enganosa.
Também o bem jurídico atingido quando se pratica uma das infrações penais colacionadas no Código de Defesa do Consumidor sofrerá desmembramento em dois campos que voltam a atender tanto a realidade permanente do sujeito passivo principal, quanto à de ocorrência possível do sujeito passivo secundário.
O bem jurídico principal é o associado à vítima principal, ou seja, à coletividade. Sempre deve haver lesão ou perigo efetivo de lesão ao bem jurídico principal para que se possa ter o preenchimento da tipicidade penal, no que se relaciona aos crimes contra as relações de consumo.
O bem jurídico principal é a normalidade no funcionamento das relações de consumo, cuja integração se faz pelo texto constitucional que apregoa como campo do normal funcionamento das relações de consumo aquele em que os fornecedores e consumidores interagem sem que ocorra abuso do poder econômico ou da propaganda ou seu emprego de forma enganosa.
Quanto ao bem jurídico secundário, tem-se o bem jurídico associado ao sujeito passivo secundário, que por não ter sua presença de verificação obrigatória torna sua lesão ou o perigo de lesão efetiva, não obrigatório para a ocorrência da figura criminal.
Tradicionalmente a doutrina tem caracterizado as infrações penais previstas no Código de Defesa do Consumidor como delitos de perigo, fato que provoca questionamento importante.O tema comporta cautelosa reflexão, na medida em que há sustentação no sentido do reconhecimento da incompatibilidade das figuras dos crimes de perigo com as posturas próprias do Estado Democrático de Direito.
Em verdade, há um equívoco quanto se afirma se estar diante de crimes de perigo nas hipóteses delitivas contrárias às relações de consumo, pois representam delitos com lesão efetiva ao bem jurídico tutelado, qual seja o normal funcionamento das relações de consumo.
Não se deve confundir, como parcela considerável da doutrina tem feito, a inexigência de ataque ao bem jurídico secundário com a ausência de lesão ao bem jurídico primário tutelado, posto que o essencial é a agressão ao bem jurídico principal e não ao secundário.
Assim, a verificação, em situações concretas, deve ser da lesão ao normal funcionamento das relações de consumo, verificando-se efetivamente se houve comprometimento ao sistema de prestação de bens ou serviços pela prática abusiva do fornecedor.
A possibilidade de agressão ao bem jurídico secundário em nada afeta a efetiva tipificação da conduta, sendo seguro afirmar que a tipicidade penal já está satisfeita com a agressão ao bem jurídico principal, ou seja, com o comprometimento no normal funcionamento das relações de consumo.
Os crimes contra as relações de consumo, portanto, são delitos de resultado, pois a tipificação da conduta está vinculada ao resultado de efetiva lesão ao normal funcionamento das relações de consumo. Ofendendo-se o bem jurídico tutelado - normal funcionamento das relações de consumo - tem-se a tipificação penal, embora a presença de potencialidade na conduta para produzir resultado natural (bem jurídico secundário) irrelevante para a tipificação, sob o ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor.
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