O artigo 218 - B, § 3º., CP, dispõe sobre o “efeito obrigatório da condenação” de “cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento” em que se processa exploração sexual de crianças e adolescentes. Efetivamente trata-se de mera repetição do outrora disposto no artigo 244 – A, § 2º., ECA.
Há entendimento doutrinário de que a penalidade de cassação de licença em comento como efeito da condenação seria ilegal. Em seu trabalho, Evandro Fabiani Capano, afirma que tal penalidade seria na verdade uma ilegal “medida de segurança” que violaria vários preceitos penais e constitucionais. Em um primeiro plano violaria preceitos constitucionais que vedam penas de caráter perpétuo (artigo 5º., XLVII, “b”, CF), bem como o Princípio da Intranscendência (artigo 5º., XLV, CF), pois que o fechamento do estabelecimento se daria em definitivo, bem como viria a atingir terceiros inocentes (v.g. funcionários do estabelecimento que perderiam seus empregos). Ademais, violaria até mesmo o Princípio da Legalidade (artigo 5º. XXXIV, CF c/c artigo 1º., CP), vez que uma pena somente poderia ser aplicada mediante sua previsão legal em um rol taxativo. No entendimento de Capano o fato da sanção prevista no artigo 218 – B, § 3º., CP não estar prevista no rol do artigo 43, CP como uma das penas restritivas de direito a tornaria inaplicável. Na realidade o autor advoga a tese de que a penalidade sob comento seria mesmo uma “medida de segurança” e não uma pena restritiva de direitos. Isso porque, segundo a dicção do artigo 44, CP, as penas restritivas de direitos seriam autônomas e substitutivas das privativas de liberdade, o que não ocorre com o caso da cassação de licença, que seria aplicável de forma cumulativa com a pena privativa de liberdade e não de maneira alternativa ou substitutiva. Na qualidade de “medida de segurança” a inaplicabilidade da cassação de licença seria constatável em virtude da alteração do sistema do Código Penal Brasileiro pela reforma da Parte Geral procedida em 1984, extinguindo o chamado “duplo binário”, que permitia a aplicação concomitante de pena e medida de segurança, substituindo-o pelo chamado “Sistema Vicariante”, o qual proíbe “o cúmulo de penas e medidas de segurança”.
Inobstante a bem fundamentada construção doutrinária acima exposta, ousa-se discordar, considerando-se a penalidade de cassação de licença prevista no § 3º. do artigo 218 – B, CP, plenamente aceitável e isenta de qualquer pecha de ilegalidade ou inconstitucionalidade.
A legislação é bastante cristalina ao estabelecer a natureza jurídica do instituto. Embora Capano entenda tratar-se de uma “medida de segurança” aplicada em “duplo binário”, não é isso que a legislação de forma induvidosa deixa escrito. Trata-se, na verdade, de um “efeito obrigatório da condenação”. Isso é explicitado no texto legal, tornando praticamente impossível outra alternativa de interpretação. Assim sendo a legalidade da previsão é tão explícita quanto aquela relativa aos demais efeitos genéricos e específicos da condenação previstos na própria parte geral do Código Penal, inclusive após a reforma de 1984, em seus artigos 91 e 92. Nada impede que o legislador preveja novos efeitos da condenação na parte especial ou mesmo em legislações esparsas.
Não há violação do Princípio da Legalidade pelo simples fato de que a penalidade vem prevista no artigo 218 – B, § 3º., CP, não sendo aplicável independentemente de previsão explícita na lei. O legislador não fica adstrito ao rol do artigo 43, CP e nem às disposições do artigo 44, CP, ainda que se tratasse realmente de uma pena restritiva de direitos e não de um efeito obrigatório da condenação. Isso porque acima do Código Penal encontra-se a Constituição Federal. Ela em seu artigo 5º., XLVI, alíneas “a” a “e”, estabelece um rol não taxativo de penas previsíveis pelo legislador ordinário. Além de afirmar que tais penas podem ser previstas “entre outras” (aí a não taxatividade que dá grande liberdade ao legislador), prevê expressamente a possibilidade de penas de “suspensão ou interdição de direitos”. Isso deixa claro que, mesmo que se tratasse de uma pena efetiva, ela encontraria sustentação constitucional e legal, não havendo violação ao Princípio da Legalidade de forma alguma.
Também não há falar em infração à vedação de penas de caráter perpétuo pelo simples fato de que a cassação de licença referida na lei é um “efeito obrigatório da condenação” e não uma pena. O que seria realmente assustador seria que um estabelecimento onde há exploração sexual de menores permanecesse em funcionamento independente inclusive de ter havido condenação criminal de seus proprietários e/ou responsáveis. A falta de uma disposição tal qual a prevista no § 3º. do artigo 218 – B, CP, é que poderia configurar uma inconstitucionalidade por insuficiência de tutela
Da mesma forma não procede a alegação de violação do Princípio da Intranscendência. As penas admitem certa transcendência inevitável, tal qual ocorre com os parentes de um condenado, que sofrem com o isolamento de seu ente querido durante o cumprimento da reprimenda. Por isso defende-se inclusive a tese de que o chamado “Princípio da Intranscendência” mereceria um nome mais adequado que seria o de “Princípio da Transcendência Mínima”. Afinal, sob o argumento de que, por exemplo, funcionários do estabelecimento perderiam seu emprego, seria possível manter o local em funcionamento, independentemente de sua utilização eminentemente exploradora de crianças e adolescentes sob o enfoque sexual?
Retomando o tema do caráter perpétuo da penalidade de cassação de licença é preciso salientar que não se trata de perpetuidade, mas de uma medida de caráter definitivo, tal qual ocorre com a perda de cargo ou de bens, incapacidade para o exercício do poder familiar etc., conforme previsto nos artigos 91 e 92, CP, sem que se mencione eventual inconstitucionalidade. Ademais, é de se salientar que o efetivo funcionamento e existência de uma pessoa jurídica somente se legitima constitucionalmente se seus fins são lícitos, podendo ser inclusive dissolvida por decisão judicial quando conformada para consecução de finalidades ilegais (vide artigo 5º., XVII e XIX, CF).
Dessa forma é de se concluir que a previsão do § 3º., do artigo 218 – B, CP, é legítima e oportuna, encontrando-se em consonância com os Princípios Penais Constitucionais e com a legislação pertinente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPANO, Evandro Fabini. Dignidade Sexual. São Paulo: RT, 2009.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl, BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Volume I. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
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