O Congresso Nacional deu um jeito de abrandar o projeto de lei de iniciativa popular que pretendia varrer da vida politica brasileira os candidatos portadores de ficha suja.
Foi introduzida uma emenda no texto de modo a livrar da guilhotina ética diversos dos atuais deputados e senadores que têm ficha suja. Os ficha suja não serão inelegíveis no próximo pleito eleitoral. A regra só vale para o futuro.
Outro abrandamento consistiu em estabecer que só a decisão de um tribunal pode barrar um ficha suja. A decisão de primeiro grau, ou seja, de um Juiz de Direito não é suficiente para extirpar o ficha suja da vida política.
Despacho de um Juiz de Direito, decretando uma prisão preventiva, pode colocar um cidadão comum no cárcere. Não se faz necessária a decisão de um tribunal para isto. Parece-me que colocar alguém na cadeia é muito mais sério do que lavrar sentença considerando corrupto um politico. Por que então a decisão do juízo de primeiro grau tem eficácia para prender alguém e não tem força de dizer corrupto, não?
Para exercer certos cargos na estrutura do Estado a Constituição exige reputação ilibada. Quem responde a processo criminal, mesmo antes de ser condenado, já não tem reputação ilibada. Por que o pretendente a função eleitoral só depois da decisão de segundo grau passa a ser inelegível?
Novo abrandamento consistiu em reduzir a lista de crimes que provoca a inelegibilidade. Na forma do projeto primitivo, somente estavam fora do estigma eleitoral crimes que nada têm a ver com dignidade. O Congresso ampliou a lista.
Dois sofismas sustentam os abrandamentos feitos no projeto de origem popular.
O primeiro sofisma é aquele que se baseia no princípio da presunção de inocência, pedra angular do Direito Penal. Acontece que esse princípio é incabível no Direito Eleitoral onde prevalece o princípio da proteção. (Art. 14, § 9º, da Constituição Federal).
O segundo sofisma consiste em atribuir ao eleitorado a responsabilidade de negar voto ao ficha suja.
Nessa linha de raciocínio, a lei deve reduzir as inelegibilidades ao mínimo, deixando ao eleitor o papel de fazer a faxina geral.
Entretanto, é bastante difícil para o eleitor comum a análise da vida pregressa dos candidatos. Fatores culturais furtam o acesso de grande parcela da população a fontes de informação imparcial e segura.
Se for indagado às pessoas mais simples e humildes se elas acham que ladrão pode legislar ou governar, essas pessoas vão responder negativamente. Pelo que percebo da convivência direta com o povo, a resposta impugnando os ladrões será quase unânime. Mas essas pessoas mais simples e humildes, cuja consciência moral repudia os ladrões, não sabem o nome dos ladrões, nem mesmo o nome dos ladrões de seu município. E não sabem também essas pessoas que a ladroagem ganhou formas sofisticadas de exercício. Já não se fabricam ladrões como os de antigamente.
Não digo que o movimento popular foi totalmente derrotado nessa luta. O texto que o Congresso aprovou representa algum progresso. Expulsar ficha suja deixa de ser apenas um propósito e passa a integrar uma realidade legal, a ser ampliada através da pressão popular.
Penso que à margem daquilo que o Congresso aprovou, a consciência cívica nacional pode avançar muito, já nas próximas eleições.
As organizações populares, os comitês de combate à corrupção, as igrejas, o movimento Transparência Brasil e as redes estaduais de Transparência, os partidos politicos que abjuram a imundície, a própria Justiça Eleitoral, as associações de magistrados podem ir além da cota de moralidade que o Congresso Nacional endossou.
É perfeitamente possível, em cada unidade da Federação, organizar listas de candidatos com ficha suja, abarcando aqueles que ficaram a salvo da degola.
De forma independente e serena, sem excetuar quem quer que seja, sem perseguir, sem proteger, simplesmente relacionar os fichas sujas que não estão impedidos de candidatar-se, mas que merecem o anátema da consciência cidadã.
Nessa lista, os fichas sujas poderiam ser classificados por categoria:
a) fichas sujas poupados pelo Congresso porque suas sujeiras antecederam a lei;
b) fichas sujas condenados como corruptos, pelo juízo de primeiro grau, mas que ainda não foram condenados por tribunal;
c) fichas sujas autores de crimes excluídos da lista de delitos pelo Congresso.
Feito isso, partir para um balanço geral relacionando os partidos politicos que não tiveram condescendência com fichas sujas, isto é, partidos que não admitiram como candidatos aqueles fichas sujas que o espírito de corpo do Congresso salvaguardou.
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