Considerações iniciais
O fenômeno da “privatização dos presídios”, surge nos Estados Unidos, a partir de 1980, devido à crise nas penitenciárias americanas e a falta de recursos para a construção de novas unidades prisionais. Thomas Beasley, empresário do Estado de Tenesse, tomando conhecimento do déficit de vagas, disseminou a idéia de exploração privada do sistema prisional para atender a situação emergencial no tocante a ausência de vagas.
Aspectos da “Privatização” nos Presídios
Nos Estados Unidos, a expressão privatização dos presídios pode ser vista sobre quatro aspectos: o primeiro deles é que teríamos a administração total do presídio pela empresa privada que acomodaria os reclusos; o segundo aspecto, seria a construção de presídios financiados pelas empresas privadas, com a posterior locação pelo Estado, durante alguns longos anos. Outro modelo, é a utilização de trabalho dos presos pela empresa privada; por último, é o caso da empresa particular fornecer serviços terceirizados nos setores da educação, saúde, alimentação e vestuário.
Diante da influência dessa nova política penitenciária não demorou muito tempo para que a privatização dos presídios se difundisse por todo o mundo. O Professor Laurindo Dias Minhoto[1] lembra, que o fenômeno da privatização na Inglaterra, surge em 1984, ante a crise do sistema penitenciário inglês que se afundava na ineficácia das instituições prisionais e o alto custo do sistema prisional.
A França também adotou o modelo americano, com algumas ressalvas, estabelecendo uma parceria entre Estado e iniciativa privada no tocante a responsabilidade, gerenciamento e administração do sistema prisional.
A Parceria Público-Privada no Brasil: Críticas X Solução (uma das alternativas para reestruturar o sistema carcerário)
O Brasil diante de tantos problemas existentes no âmbito prisional, resolveu experimentar a parceria público-privada, com o objetivo de propiciar uma verdadeira ressocialização para o condenado e dar uma maior efetividade na Lei de Execução Penal. Entretanto, o modelo adotado foi o francês, aquele em que há uma participação conjunta entre Estado e a iniciativa privada. Alguns estados brasileiros foram pioneiros e se destacaram ao adotarem este modelo, como é o caso do Paraná com a Penitenciária de Guarapuava, do Ceará com o Presídio Estadual de Juazeiro do Norte e São Paulo com a Penitenciária Estadual de Piraquara.
Após o surgimento dos presídios “privatizados” no Brasil, vieram as críticas, que se debruçaram sobre os mais variados argumentos.
Em um artigo publicado Elizabeth Sussekind[2] afirma:
Que o custo financeiro para a manutenção do preso em um presídio privatizado é muito alto, fazendo uma comparação com a Penitenciária de Guarapuava, no Estado do Paraná, onde cada detento custava 2 mil reais por mês, enquanto um preso num presídio de segurança máxima, custa cerca de 600 reais por mês, ao erário público.
Quanto à questão relativa ao elevado custo financeiro na manutenção do preso deve ser analisada de acordo com os fatores positivos que esse modelo traz para a sociedade, uma vez que, os índices de reincidência criminal são baixos, ou seja, existe ao menos uma possibilidade de ressocialização nesse sistema, em face do investimento que se faz na pessoa do preso, colocando ao seu dispor trabalho, condições mínimas de habitabilidade, alimentação e saúde, fatores que sem dúvida contribui para reestruturação do sistema prisional, ressocialização e paz social.
O Professor Maurício Kuehne[3] sintetiza, que a proposta de privatização dos presídios encontra um óbice tanto no aspecto constitucional quanto na Lei de Execução Penal, justificando que a função jurisdicional é indelegável e a segurança é atribuição inerente e exclusiva do poder estatal.
A opinião do citado professor deve ser respeitada, principalmente por se tratar de um especialista na matéria, porém, essa crítica não traduz o verdadeiro sentido que a parceria público-privada no Brasil se fundamenta. Pois, no modelo brasileiro o Estado não estará delegando função pública, pelo contrário, o poder judiciário continuará analisando pedidos referentes aos benefícios penais, tais como, indultos, remições, progressão de regime e todos os demais atos da execução da pena, não sendo extinto nenhum órgão de execução penal. Na realidade o que se entrega à iniciativa privada é a administração da estrutura física do presídio e a possibilidade de ser o empregador do preso no futuro. Portanto, concordo com o Promotor Cláudio da Silva Leiria[4] quando diz que: não há delegação de atividade estatal “stricto sensu”, pois, se assim o fosse a iniciativa privada não poderia atuar em áreas como educação e saúde que são atribuições inerentes ao poder público.
Outra crítica reside no argumento de que a “privatização” dos presídios constitui um verdadeiro negócio lucrativo, onde a exploração da mão-de-obra presidiária é o objetivo das empresas privadas, transformando o crime em uma verdadeira indústria.
Em relação a “privatização” dos presídios se transformar em indústrias, seja por causa da possível obtenção de lucro na mão-de-obra presidiária ou pela voracidade capitalista que as empresas privadas estão submetidas, não encontro fundamento sólido para se temer um desvirtuamento do principal objetivo que é a recuperação do condenado e a reestruturação do sistema penitenciário, visto que, o poder público também atuará em conjunto com a empresa privada, num modelo conhecido como co-gestão. Dessa forma, o trabalho desenvolvido pelos presidiários irá proporcionar a possibilidade de desenvolver atividades de capacitação e profissionalização remuneradas, contribuindo para reinserção social e para o próprio sustento da renda familiar. A principal diferença desse modelo será a verdadeira aplicação dos preceitos da Lei de Execução penal.
Outra resistência encontra-se na divergência de alguns autores em relação ao termo privatização, que o utilizam de forma equivocada, ora, não devemos confundir o termo privatização com o termo terceirização, co-gestão e parcerias público-privadas, pois esses são aplicados no Brasil.
Essa observação resulta da afirmação de que a privatização é a delegação total do Estado ao particular, exercendo este as funções de gerenciamento, fiscalização, funções administrativas, de execução de penas, de acompanhamento ressocializador.
Por sua vez, no Brasil o modelo aplicado é o da terceirização ou parceria público-privada que se constituem pela delegação parcial de determinadas atividades penitenciárias, principalmente no que diz respeito à execução de atividades pedagógicas, laborais, ocupacionais, serviços de hotelaria, alimentação e o espaço físico prisional. Dessa forma, o particular em parceria com o Estado partilha as responsabilidades na execução das atividades funcionais.
Segundo a administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro[5], a definição do termo terceirização é a contratação por determinada empresa, que executa serviços de terceiros para o desempenho de atividades-meio, ou seja, atividades funcionais.
Nesse sentido, no sistema de co-gestão (poder público e iniciativa privada) o Estado apenas contrata serviços privados, dos quais serão executados por estes e em nenhuma hipótese diminuirá a competência e o poder da administração pública ou o direito de punir do Estado, permanecendo de forma indelegável a responsabilidade pela execução penal, da administração penal e prisional. Portanto, não se trata de privatização da penitenciária, mas a contratação de serviços operacionais.
Importante esclarecer, que diante do interesse público as contratações das empresas privadas só serão admitidas quando antecedidas por licitação, respeitando os direitos e responsabilidades contratuais e os preceitos da Lei de Execução penal, bem como, a realização de concursos públicos para os cargos que venham ser necessários.
Tendo exposto alguns argumentos contrários a parceria público-privada, passaremos a analisar os fatores positivos.
O Promotor de Justiça Cláudio da Silva Leiria[6], enumera algumas vantagens que a parceria público-privada poderia proporcionar:
Colocação do policiamento ostensivo nas ruas, pois muitos policiais militares hoje fazem a guarda dos presídios;
Um tratamento mais digno ao apenado, inclusive com oportunidades de trabalho remunerado para o preso, que normalmente não obteria no restritivo mercado de trabalho;
Diminuição da corrupção no serviço público envolvido;
Uma melhor imagem do preso junto à comunidade (que o verá como um cidadão útil), o que poderia favorecer o aumento de esforços comunitários em seu favor;
Uma possível eliminação de motins e rebeliões dos presos;
A possibilidade de realizar um trabalho mais eficaz de ressocialização do preso;
Aumento do número de vagas no sistema prisional.
O Jurista Luiz Flávio Gomes[7], também se filia a corrente que é favorável a terceirização dos presídios, lembrando o autor que:
Algumas experiências foram muito positivas, por exemplo, na Penitenciária de Guarapuava, cuja taxa de reincidência criminal é de 6%, enquanto a média gira em torno de 85%. Nesse presídio terceirizaram serviços de segurança, alimentação, trabalho, dentre outros. O preso passou a se sentir mais humano, chega até fazer pecúlio para ajudar a família.
Outro defensor da “privatização” dos presídios é o Promotor Fernando Capez, que ao analisar o sistema prisional afirma que:
Nós temos depósitos humanos, escolas do crime, fábrica de rebeliões. O Estado não tem recursos para gerir e construir presídios, sendo assim, a privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra, tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável, ou “privatizamos” os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a “privatização” não é questão de escolha, mas uma necessidade insdicutível, é um fato.[8]
Considerações Finais
Enfim, diante da ineficiência do Estado e do sucateamento da máquina penitenciária, se faz necessário a adoção experimental de modernos instrumentos de política criminal, aplicando-se na forma de terceirização de setores funcionais, de modo que se possa primar pela eficácia e efetividade da lei de Execução Penal, reestruturação dos espaços físicos das penitenciárias, pela reabilitação do condenado, a reinserção do apenado no meio social, a preservação da dignidade do preso e do agente público, a possibilidade de trabalho remunerado, a atenuação da superlotação nos presídios.
REFERÊNCIAS
NUNES, Adeildo. A Realidade das Prisões Brasileiras. Recife: Editora Nossa livraria, 2005.
MINHOTO, Laurindo Dias. Privatização de Presídios e Criminalidade. São Paulo: Editora Max Limonad, 2000.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002.
MUKAI, Toshio. Parcerias Público-Privadas. Ed. Forense Universitária, 2005.
BITENCOURT, Cézar Roberto. Falência da pena de prisão. 3. ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1993.
REVISTAS JURÍDICAS
Consulex – nº 48
SITES
www.brasilsemgrades.org.br
www.mj.gov.br/depen
Notas:
[1] MINHOTO, Laurindo Dias. Privatização de Presídios e Criminalidade. São Paulo: Editora Max Limonad, 2000, p. 65.
[2] Revista Jurídica Consulex, nº. 48, p.8.
[3] Privatização dos Presídios. R. CEJ, Brasília, nº 15, p. 12-29, set./dez. 2001.
[4] www.brasilsemgrades.org.br/artigos.
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002, p. 174.
[6] www.brasilsemgrades.org.br.
[7] http://www.datavenia.net/entrevistas/000012032002.htm.
[8] http://www.datavenia.net/entrevistas/000012032002.htm
Advogado e Assistente do I Juizado Cível de Olinda-Pernambuco. Pós Graduado em Direito Público pela Escola da Magistratura de Pernambuco - ESMAPE. Sócio fundador do escritório Arruda, Cavalcanti e Sousa Advogados e Consultoria Jurídica. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Sande Nascimento de. Breves considerações sobre a Parceria Público-Privada no Sistema Penitenciário Brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jun 2010, 00:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/630/breves-consideracoes-sobre-a-parceria-publico-privada-no-sistema-penitenciario-brasileiro. Acesso em: 25 nov 2024.
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