Dois fatos levam-me a escolher o tema da tortura para este nosso artigo.
O primeiro é o filme Tropa de Elite, do diretor José Padilha, a que só agora pude assistir, não obstante lançado em 2007. A película gira em torno da luta diuturna da polícia contra os traficantes de droga. No espectador desprevenido pode ficar a impressão de que Tropa de Elite legitima a tortura quando em algumas situações esse recurso parece ser o único meio possível para desvendar e reprimir o tráfico de drogas. Numa análise mais profunda, que tive o cuidado de fazer, não me pareceu que o filme defenda o uso da tortura, mesmo em hipóteses extremas.
O segundo fato, bastante recente, é a decisão do Supremo Tribunal Federal que, por maioria, entendeu terem sido abrigadas pela lei de anistia todas aquelas pessoas que, durante o regime de exceção instaurado em 1964, torturaram opositores do regime. Cingiu-se o Supremo a uma interpretacão textual da lei de anistia, fundamentando seu entendimento no princípio da segurança jurídica que estaria ameaçado se, por via da interpretação judicial, fosse dada dimensão restrita ao leque dos anistiados, deixando ao desamparo da anistia os torturadores.
Parece-me que, neste caso, a razão esteve com a minoria, ou seja com os dois ministros derrotados no seu entendimento: Ayres Britto e Ricardo Lewandovski. Entenderam esses magistrados que a tortura é crime comum, não é crime politico, daí que não foi abrangido pela anistia.
Na prática, a decisão do STF, que tivesse posto a tortura fora da anistia, provavelmente não levaria nenhum torturador do antigo regime para a prisão, dado o decurso de tempo. A morte já alcançou alguns dos implicados nessa prática abjeta. Outros, ainda vivos, já estão idosos. O processo, a sentença, os recursos, o julgamento dos recursos, todo esse ritual, que não pode ser desprezado, tornaria inviável uma condenação.
Mas, a meu ver, o mais importante, no caso, não seria a condenação concreta, mas sim a condenação como postulado ético.
O que fica, da lamentável decisão do mais alto tribunal do país, é a ideia de que a tortura é crime político e por isso os praticantes da tortura foram anistiados
Na verdade, e isto deve ser proclamado com todas as forças, em homenagem ao Brasil de amanhã – a tortura não é crime politico. Nenhuma razão política, nenhum credo, nenhuma causa justifica ou autoriza a tortura. A tortura é um crime contra a humanidade, é sempre um escárneo à dignidade humana. Fere o torturado e degrada o torturador.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos repudia, de forma absoluta, a tortura:
Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Observe-se o uso do pronome ”ninguém“, no texto. O mesmo pronome de significado total é utilizado nas diversas linguas em que a Declaração Universal é proclamada.
A tolerância para com a tortura jogaria por terra toda a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Trava-se nos dias de hoje uma luta universal contra a prática da tortura que, lamentavelmente, não é uma violação da dignidade humana perdida nas brumas do passado.
No âmbito das Nações Unidas, são passos extremamente relevantes: a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura; as Regras mínimas para o tratamento dos reclusos; a Declaração sobre princípios fundamentais de Justiça para as vítimas de delitos e do abuso de poder.
Também no seio da sociedade civil é ampla a luta contra a tortura.
Em 1974, funda-se na França a ACAT - Ação dos Cristãos pela Abolição da Tortura.
Esta associação reúne católicos, ortodoxos e protestantes. Em nome do Evangelho, seus filiados lutam pelos Direitos Humanos em geral, mas muito especialmente pela abolição da tortura em todo o orbe terráqueo.
No Brasil, inúmeros grupos de Direitos Humanos têm tido extrema sensibilidade para com o problema da tortura, inclusive a seção brasileira da ACAT.
A tortura política acabou no país, com a queda da ditadura. Mas a tortura contra o preso comum é prática diuturna nas delegacias, cadeias e prisões em geral.
Centros de Defesa de Direitos Humanos, Comissões de Justiça e Paz, Conselhos Seccionais e Comissões de Direitos Humanos das OABs, Pastorais Carcerárias têm vigilado e denunciado com veemência a prática da tortura nos presídios.
Dentre os grupos que lutam contra a tortura existe um que faz da abolição da tortura a sua razão de ser. É o grupo "Tortura Nunca Mais".
Apesar dos fatos dramáticos que a imprensa registra, relatando frequentemente casos de tortura, o crescimento da consciência da dignidade humana e da cidadania tem felizmente marcado o cotidiano da vida brasileira.
É assim que vemos, com esperança, o eco, em nosso país, do grande grito de Justiça, Paz e Humanismo: "Tortura Nunca Mais".
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