Tramita no legislativo federal o projeto de lei nº 2.654/2003 onde passa a ser crime toda e qualquer forma de punição contra a criança e o adolescente, seja de forma moderada ou imoderada, sob alegação de quaisquer propósito, até mesmo pedagógico.
Trata-se, ao nosso entendimento, de uma desnecessidade jurídico-social. Explico.
O Brasil é considerado o país das leis. É verdade. O Brasil é recordista em promulgações de leis. Tem legislação para tudo, acredite! Mas, essas leis são cumpridas? Não. O legislador apenas se preocupa com o imediatismo. E é por isso que nossas leis caem em desuso e no esquecimento jurídico. O que é necessário e urgente é que se faça cumprir as leis vigentes e não se criarem dia pós dia novas leis.
O projeto de lei da “palmada” nada mais é do que a repetição legal do que já estampado no nosso ordenamento jurídico. É o mesmo que, segundo ditado popular, “chover no molhado”. Vamos aos fundamentos.
Segundo o Código Civil, em seu art. 1638, o pai ou a mãe que castigar de forma imoderada seu filho, perderá o poder familiar – pátrio poder. Trata-se da proteção social do filho menor.
O Código Penal, em seu art. 136 diz, entre outras coisas, que quem expuser a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, quer abusando de meios de correção ou disciplina, sujeitar-se-á a uma pena de detenção de até um ano. Notadamente, o artigo de lei se amolda perfeitamente na relação dos pais para com seus filhos.
Ainda, no mesmo diploma legal, o art. 129 trata da lesão corporal, onde discorre que quem “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem” será punido com uma pena de detenção de até 1 ano. No mesmo art. 129 §9º, o legislador trata da violência doméstica, ou seja, o pai ou a mãe que cometer lesão corporal contra seus filhos estará sujeito à pena de detenção de até 3 anos. E mais, se o filho for portador de deficiência, a pena será aumentada em um terço.
Por seu turno, a lei de tortura prevê, em seu art. 1º, que quem (leia-se pais) submeter alguém (leia-se filho), sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo, estará sujeito à pena de reclusão de até 8 anos. Se a pessoa (leia-se filho) sob sua guarda, poder ou autoridade for criança ou adolescente, a pena de reclusão poderá chegar a 10 anos e 8 meses.
Por fim, cito o Estatuto da criança e adolescente, onde em seu art. 232 o legislador repudia quem submete criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento, restando apenado com detenção de até 2 anos.
Eis os fundamentos materiais da minha assertiva.
O ordenamento jurídico já conta com substancial número de dispositivos legais que protegem a integridade física do menor, principalmente do menor submetido ao pátrio poder ou congêneres. Ora, se já não são bastantes, por que de se criar mais uma lei que no “frigir dos ovos” trata do mesmo bem jurídico já tratado noutros dispositivos? Não há como não discordar desse despautério. Repito! Necessário se faz é o cumprimento dos dispositivos existentes, que data vênia, são muitos e bastantes.
Segundo palavras da subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen Oliveira, da Secretaria de Direitos Humanos, "nossa preocupação é com as palmadas reiteradas, e a tendência de que a palmada evolua para surras, queimaduras, fraturas, ameaças de morte". Ou seja, bem jurídico já tutelado pelo ordenamento, não carente de novas leis. Carente sim, de bom senso.
Quanto às palmadas em si, trata-se de uma questão cultural e mesmo educacional. Bom, quem nunca tomou umas palmadas de seus pais ou mesmo quem nunca deu umas palmadas em seu filho, que atire a primeira pedra. Pois, eu mesmo não posso, uma vez estar incluso nos dois grupos.
A palmada e o tapinha sempre se fizeram presentes na educação dos filhos enquanto crianças e adolescentes e, pessoalmente, não tenho conhecimento de ferramentas da psicologia para substituí-las. Como eu, outros milhões de pais também não o tem. Mas, no projeto, o legislador aplica como uma das reprimendas legais a participação obrigatória, do pai ou mãe que der palmadas em seus filhos, em curso acompanhado por psicólogo para que se aprenda a labutar com a educação dos filhos sem a necessidade de castigo físico.
Ora, então por que o Estado não oferece esse mesmo curso/programa social de forma preventiva educacional para diminuir as reprimendas físicas praticadas pelos pais em desfavor de seus filhos? Prefere o legislador criar uma reprimenda de cunho criminal a educar, a prevenir. É incompreensível. É desproporcional.
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