Cara Presidenta Dilma,
Permita-me começar dizendo que estou muito satisfeito com o governo de V. Ex.a. Creio que boa parte das críticas que vem recebendo se deve, exatamente, ao fato de estar fazendo o que precisa ser feito, fazendo o que as pessoas de bem desse país anseiam e o que a Constituição demanda. Permita-me então, por favor, a ousadia de, como cidadão, dar a V. Ex.a. os meus parabéns.
Tomo a liberdade de me dirigir a V. Ex.a. para falar de uma urgência, urgência esta com prazo definido. No próximo dia 31 de outubro expira o prazo de nomeação de 220 novos Auditores Fiscais do Trabalho (AFTs), e o país, os trabalhadores e os empresários honestos não podem perder essas pessoas. Sei que V. Ex.a. se preocupa com os custos; portanto, em breves linhas, mostrarei que a medida é superavitária em vários aspectos.
Nem o país, nem a arrecadação, nem as pessoas e crianças aviltadas com escravidão e trabalho em condições desumanas podem dispensar estes 220 fiscais. Perdoe-me, mas também não faz sentido que um governo do Partido dos Trabalhadores (PT) não invista na proteção dos... trabalhadores!
Se alguém vem dizendo a V. Ex.a. que não existe dinheiro, que temos de cortar custos, me perdoe, Presidenta, mas esta(s) pessoa(s) não entende(m) o suficiente a respeito da função dos AFTs. A medida é boa e dará “lucro”, demonstrarei.
A necessidade e a economicidade da nomeação dos aprovados podem ser demonstradas em onze argumentos, que se seguem:
Onze motivos para a nomeação urgente dos AFTs
1. OIT – Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), temos um déficit de 1.650 auditores fiscais do trabalho no país. Um governo neoliberal ou de direita talvez não se importasse com a OIT, mas não se espera isso do PT, e, menos ainda, de V. Ex.a.
2. Arrecadação – No Brasil, entre os anos de 2003 e 2010, foram registrados 15 milhões de empregos formais, parte disso por conta da atuação direta de fiscais do trabalho. Emprego formal significa, além de trabalhadores mais protegidos, arrecadação para o INSS.
3. Financiamento de programas do governo – O FGTS, fundo recolhido apenas de trabalhadores formais e muito graças à atuação dos fiscais do trabalho, teve, entre os anos de 2000 e 2010, valor notificado de 8 bihões de reais, auxiliando no financiamento de vários programas do governo, entre os quais o “Minha Casa, Minha Vida”.
4. Combate ao trabalho escravo – Os fiscais também são essenciais para o combate ao trabalho escravo, uma das bandeiras do PT e determinação da Constituição Federal. Entre os anos de 2000 e 2010, 37 mil trabalhadores foram libertos.
5. Combate ao trabalho infantil – Ainda uma realidade em diversas regiões do país, a exploração de mão de obra infantil/juvenil pode ser eliminada com fiscais em número suficiente. Em 10 anos, 100 mil crianças foram retiradas, por fiscais, de trabalhos degradantes. Sem qualquer exagero, seria uma grande satisfação que a primeira mulher na Presidência fosse a responsável por, finalmente, livrar o país, e todas as mães (e pais), desse câncer. V. Ex.a. pode dar passo seguro nessa direção, pois temos 220 fiscais prontos para fazer este serviço (não o único, mas um dos mais relevantes do ponto de vista humano).
6. Combate a acidentes de trabalho e doenças profissionais – Outro motivo para nomear todos os aprovados: estamos com grave problema social e econômico, que é o aumento vertiginoso (segundo dados da Previdência) de registros de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Em 2009, foram registradas 2,5 mil mortes por acidentes de trabalho no Brasil, o que corresponde a uma morte a cada 3,5 horas. Estes acidentes caracterizam enorme prejuízo. Economizar com fiscais para gastar com Previdência e SUS é erro grave. Entre os anos de 2003 e 2008, com o decréscimo de servidores, os gastos previdenciários decorrentes de acidentes de trabalho pulou de 3,57 para 6,29 bihões de reais.
7. Desafogamento da Justiça do Trabalho – Muitos dos processos em tramitação poderiam ter sido evitados pela orientação e atuação dos AFTs. Com menos processos, não só cortamos custos, mas também promovemos maior celeridade na Justiça. E todos sabem que a eficiência da Justiça é fator dissuasório. Se ela for agilizada, muitos empregadores deixarão de contar com sua morosidade para financiar seu fluxo de caixa com dinheiro que pertence ao trabalhador. V. Ex.a. não é Presidenta apenas do Poder Executivo, mas de todo o país. O Judiciário pode ser muito ajudado por essa medida, que ainda estimularia as empresas a agir com correção.
8. Benefício aos empresários corretos – Não acho que para os trabalhadores ficarem bem é preciso perseguir empresários, ao contrário. Abraham Lincoln dizia isso: para criar riqueza não temos de extinguir os ricos. V. Ex.a. pode ajudar os empresários dignos. Explico: os AFTs terminam por serem aliados dos bons empresários, pois, ao fiscalizar quem anda errado, evitam que estes, e não outros, tenham vantagens competitivas no mercado. Por linha idêntica, a atuação dos Fiscais da Receita (AFRB) ajuda a quem não é sonegador, e a falta desses profissionais só ajuda a quem anda errado.
9. Prejuízo ao serviço – As aposentadorias, falecimentos e migrações para outros cargos vêm fazendo com que o número de fiscais diminua. Assim, a não convocação não mantém o serviço público funcionando, ao contrário, prejudica-o, violando o principio da continuidade e piorando sua qualidade. Basta dizer que, se em 1996 eram cerca de 3.500 em atividade, hoje não passam de 2.850. Não faz sentido que 15 anos depois, tendo o país atividade econômica muito maior, o número de fiscais seja inferior. Experimente V. Ex.a calcular quantos fiscais temos para cada empresa; é tão pequeno o número que estamos, hoje, diante de uma virtual ausência de fiscalização. A rigor, teríamos de ter, pelo menos, 10.000 fiscais, e, mesmo assim, seria um número pequeno comparado ao que cada um retornaria aos cofres públicos. Não podemos ser tímidos para garantir direitos. INSS, FGTS, respeito à CLT e redução de despesas médicas e acidentes trabalhistas devem ser prioridades em qualquer governo.
10. Justiça social – Os AFTs ajudam a combater a exploração do homem pelo homem e a violação de direitos fundamentais. Este combate apenas pode ser feito com os meios certos, e nenhum meio é superior ao homem competente, medido nas provas, e colocado a serviço da consecução dos objetivos da Carta Magna, que certamente são os mesmos de V. Ex.a, pelo que vem demonstrando desde que assumiu a Presidência da República.
11. Respeito aos concurseiros – Como se dez argumentos não bastassem, ainda há mais um. Os aprovados, brasileiros como nós, sacrificaram tempo e dinheiro, confiaram no edital, estão dispostos a trabalhar servindo ao público e, como comprovado nas provas, são competentes e capazes para fazê-lo. É quase uma crueldade, e até falta de respeito, deixar que estes brasileiros, aprovados, percam a vitória obtida com suor, afinco, dedicação, horas afastados de suas famílias etc., em suma, com grande sacrifício pessoal e confiança, pelo esgotamento do prazo do concurso. Veja ainda que será mais uma enorme despesa fazer um novo concurso ao invés de aproveitar o que já foi realizado. Será rasgar dinheiro.
Em suma, Senhora Presidenta, não aproveitar pessoas que já foram aprovadas, colocando-as para atuar, é danoso para o país e, no mínimo, na melhor das análises, perda de dinheiro. Dinheiro que o governo está precisando! É também economizar dinheiro, cortando gastos com o SUS e no Judiciário. Enfim, contratar no setor de fiscalização é um investimento. Ver fiscais como “despesa” é miopia das mais graves. V. Exa., com sua formação técnica, certamente sabe que fiscal arrecada, gera receitas, e ajuda a combater injustiças.
V. Exa., que experimentou pessoalmente os horrores do cárcere, pode contribuir para desencarcerar brasileiros, alguns em tenra idade, e libertar pessoas das mãos cruéis do desrespeito aos direitos assegurados pela CLT.
A boa notícia é que o concurso para o cargo, feito em 2009, já preencheu, em nomeações já feitas, as 234 vagas originalmente previstas. Inteligentemente, no entanto, o edital também previa a nomeação de mais 220 aprovados, em outros dois grupos, alcançando o total de 450 pessoas, todas já aprovadas. O orçamento de 2011 – ano de “vencimento” do concurso – previa a nomeação desses 220 aprovados, mas o corte e a suspensão de nomeações, feitos por V. Ex.a. no início do vosso mandato, estão impedindo o acesso destas pessoas, que estudaram com grande sacrifício e que estão habilitadas, como provaram em certames públicos de elevado grau de dificuldade.
Por tudo isso, perdoe a este cidadão que admira V. Ex.a. por pedir que se providencie de imediato a colocação desses bons brasileiros a fim de que trabalhem em favor de nosso maravilhoso país.
Atenciosamente,
William Douglas
Professor, Mestre em Direito, Pós-graduado em Políticas Públicas e Governo
Juiz Federal, Titular da 4ª Vara Federal de Niterói - Rio de Janeiro; Professor Universitário; Mestre em Direito, pela Universidade Gama Filho - UGF; Pós-graduado em Políticas Públicas e Governo - EPPG/UFRJ; Bacharel em Direito, pela Universidade Federal Fluminense - UFF; Conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ; Professor Honoris Causa da ESA - Escola Superior de Advocacia - OAB/RJ; Professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas - EPGE/FGV; Membro das Bancas Examinadoras de Direito Penal dos V, VI, VII e VIII Concursos Públicos para Delegado de Polícia/RJ, sendo Presidente em algumas delas; Conferencista em simpósios e seminários; Autor de vários livros. Site: www.williamdouglas.com.br<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DOUGLAS, William. Carta aberta à presidenta Dilma - mais fiscais do trabalho, por favor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2011, 00:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/988/carta-aberta-a-presidenta-dilma-mais-fiscais-do-trabalho-por-favor. Acesso em: 27 nov 2024.
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