A Reforma Tributária promovida pela Lei Complementar nº 214/2025, ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), trouxe avanços significativos na sistemática de tributação indireta, buscando maior racionalidade, transparência e justiça fiscal. Um dos pontos de maior relevo prático e jurídico diz respeito ao tratamento tributário conferido aos medicamentos, cuja complexidade regulatória, impacto social e volume econômico demandaram solução normativa sofisticada, que respeitasse os princípios constitucionais da seletividade, essencialidade e capacidade contributiva.
O art. 146 da mencionada Lei Complementar estabelece um regime diferenciado de tributação para determinados medicamentos, reduzindo a zero as alíquotas do IBS e da CBS sobre seu fornecimento. Tal desoneração, contudo, não é ampla ou genérica. Ao contrário, exige observação estrita à lista taxativa constante do Anexo XIV da referida norma, que relaciona, com a devida especificação das classificações fiscais (NCM/SH), centenas de medicamentos, vacinas e soros imuno-biológicos. A compreensão sistêmica desse regime exige articulação não apenas com o caput do artigo, mas também com seus parágrafos, que ampliam e especificam hipóteses de aplicação do benefício.
O caput do art. 146 determina a aplicação da alíquota zero sobre o fornecimento dos medicamentos relacionados no Anexo XIV. Essa lista tem natureza vinculante, não se admitindo interpretação extensiva ou analógica, sob pena de violação à legalidade estrita em matéria tributária. Em paralelo, o §1º do artigo amplia a desoneração para abranger quaisquer medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quando adquiridos por órgãos da administração pública direta, autarquias e fundações públicas, bem como por entidades de saúde imunes ao IBS e à CBS que possuam o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) e comprovem a prestação de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), nos moldes dos arts. 9º a 11 da Lei Complementar nº 187, de 2021.
Esse desdobramento normativo, ao reconhecer a especificidade das relações de consumo institucional, garante que medicamentos essenciais ao funcionamento do sistema de saúde pública ou à atuação das entidades beneficentes não sofram o ônus fiscal, independentemente de constarem da lista do Anexo XIV. Assim, a lei conjuga uma lógica de desoneração ampla, nas hipóteses de destinação específica, com uma abordagem restritiva quando se trata do mercado privado.
O §2º do art. 146 inova ao equiparar, para fins de redução de alíquota, o fornecimento de composições para nutrição enteral e parenteral, bem como de composições especiais e fórmulas nutricionais destinadas às pessoas com erros inatos do metabolismo, desde que relacionadas no Anexo VI da LCP e adquiridas pelos entes referidos no §1º. A relevância desse dispositivo é inegável, pois reconhece a necessidade de garantir tratamento tributário isonômico a produtos que, embora não se enquadrem tecnicamente como medicamentos, possuem função terapêutica essencial.
Outro aspecto fundamental é a previsão de atualização periódica da lista do Anexo XIV. O §3º permite que o chefe do Poder Executivo da União e o Comitê Gestor do IBS, ouvida a autoridade sanitária, editem anualmente ato conjunto para revisar a referida lista. Essa revisão, todavia, é restrita à inclusão de medicamentos inexistentes na data da última revisão que atendam às mesmas finalidades daqueles já listados, e cujos limites de preço já tenham sido estabelecidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Trata-se de mecanismo que permite certa flexibilidade ao sistema, sem comprometer a segurança jurídica e a previsibilidade necessárias ao planejamento tributário.
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