1. CONCEITO DE ESTADO
O conceito de Estado varia conforme o ângulo em que é considerado. Para nossos fins, interessa o prisma constitucional: o Estado é pessoa jurídica territorial soberana. Pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações. Território é o espaço físico em que o Estado exerce sua soberania. Inclui o solo, o subsolo, as águas interiores, o mar territorial e o espaço aéreo. Já a soberania, no âmbito interno, é o poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação e, no âmbito externo, é a prerrogativa de receber tratamento igualitário na comunidade internacional. Disso decorre, por exemplo, a imunidade diplomática.
2. PODERES DE ESTADO
Os poderes de Estado, na clássica tripartição de Montesquieu, são: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si e com suas funções reciprocamente indelegáveis (CF, art. 2°). A cada um desses poderes é atribuída uma função de modo preferencial. Assim a função preferencial do Poder Legislativo é a elaboração de leis (função normativa); a função preferencial do Poder Executivo é a conversão da lei em ato individual e concreto (função administrativa); e a função preferencial do poder Judiciário é a aplicação forçada da lei aos litigantes (função judicial).
Fala-se de função preferencial de cada poder de Estado porque todos os poderes praticam atos administrativos, e, em caráter excepcional e admitido pela CF, desempenham funções e praticam atos que, a rigor, seriam de outro poder. Ex.: o Poder executivo pode julgar por meio de processos administrativos e pode legislar por meio de medidas provisórias. O Poder Legislativo exerce funções administrativas ao regular seus serviços internos e funções judiciais ao julgar o Presidente da República por crime de responsabilidade. Por fim, o Poder Judiciário também exerce funções administrativas ao regular seus serviços internos e funções legislativas em casos como as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, as súmulas vinculantes e as declarações de inconstitucionalidade (neste último caso, trata-se de legislador negativo).
De acordo com o sistema de freios e contrapesos (“cheks and balances”), cada Poder será controlado pelos outros, ou seja, certos atos só podem ser praticados por um Poder com a participação de outro(s). Ex.: a nomeação de Ministro do Supremo Tribunal Federal deve ser feita pelo Presidente da República e antecedida de indicação do próprio Presidente e aprovação do indicado pelo Senado. O Executivo pode participar da produção legislativa por meio de medidas provisórias e projetos de lei e o Legislativo pode, inclusive por meio do Tribunal de Contas, fiscalizar a atuação do Executivo.
3. FUNÇÕES DO ESTADO
De acordo com Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 25), a função do Estado ou “função pública, no Estado Democrático de Direito, é a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso de poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica”.
No mundo ocidental, é unânime a existência de três funções públicas: a legislativa (ou normativa), a administrativa (ou executiva) e a jurisdicional. Existem, porém, atos que não se enquadram em nenhuma delas e que terminam por compor a função política.
A função legislativa é aquela que o Estado, de modo exclusivo, exerce por meio da edição de normas gerais e abstratas, que inovam na ordem jurídica e estão subordinadas diretamente à Constituição. Essa função é exercida basicamente pelo Poder Legislativo, pois, normalmente, atos dos demais poderes só tem efeitos concretos. Excetuam-se as medidas provisórias e as leis delegadas que, a despeito de serem editados pelo Executivo, são imediatamente subordinados à Constituição. Os regulamentos, que também são normas gerais e editadas pelo Poder Executivo, não estão compreendidos nessa função, pois encontram-se subordinados às leis e não têm autonomia para criar obrigações.
A função jurisdicional também é atribuída exclusivamente ao Estado para resolução de conflitos de interesses com força de coisa julgada. No caso, apenas o Poder Judiciário exerce essa função, pois, somente suas decisões tornam-se imutáveis (transitam em julgado) depois de esgotados os recursos ou depois de ultrapassado o prazo para sua interposição. Trata-se do sistema da jurisdição única, segundo o qual todas as matérias podem ser apreciadas pelo Judiciário, que é o único poder competente para decidi-las de modo definitivo.
Nos termos do magistério do citado autor (p. 32), “função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que, no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada por comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário”. Vê-se que a função administrativa é a única passível de ser exercida também por particulares, como os que recebem uma delegação para a prestação de serviços públicos. Também é única presente em todos os poderes, a despeito de predominar de forma nítida no Poder Executivo.
A função política ou de governo não é aceita por toda a doutrina, sendo considerada por muitos apenas como uma qualidade, um atributo das altas escolhas de governo, em qualquer um dos três poderes. Para os que concordam com sua existência, atos políticos são aqueles que cuidam da gestão superior da vida estatal, pressupondo decisões de âmbito muito mais político do que jurídico. Ex.: iniciativa de leis pelo chefe do Poder Executivo, a sanção, o veto, o impeachment, a decretação de calamidade pública e a declaração de guerra. Apesar do alto grau de independência com que esses atos são realizados, também estão submetidos ao controle judicial.
4. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
Forma de Estado designa o como o poder é dividido em um determinado território. Se houver apenas um centro de poder, a forma de Estado é unitária, o que geralmente ocorrer em países de pequena extensão, como o Uruguai. Havendo mais de um centro de poder, a forma é composta, que se divide em uniões, confederações e federações. A última espécie é a mais relevante de todas, caracterizando-se por um conjunto de Estados autônomos (poder limitado nos termos da Constituição) que abdicam de sua soberania (poder ilimitado no âmbito interno) em favor de uma União.
Como forma de Estado, o Brasil adotou o federalismo. Assim, cabe distinguir: Estado federal, isto é, a República Federativa do Brasil, é o todo, dotado de personalidade jurídica de Direito Público internacional. A União, como diz o próprio nome, é a entidade política formada pela reunião das partes componentes, constituindo pessoa jurídica de Direito Público interno, autônoma em relação aos Estados e a que cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro. Os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios são entidades federativas componentes, dotadas de autonomia e também de personalidade jurídica de Direito Público interno. Já os territórios não são componentes da federação, mas simples descentralização administrativo-territorial da União, também chamados de autarquias territoriais.
As leis podem ser classificadas de acordo com a entidade federativa que a emite: há, portanto, leis federais, estaduais, municipais e distritais. A União, porém, pode emitir também leis nacionais, com eficácia para todos os entes federativos, nos casos previstos na Constituição. Ex.: enquanto a Lei 8.112/90, que rege os servidores públicos, é federal; a Lei 8.666/93, que rege as licitações e os contratos administrativos, é uma lei nacional.
5. GOVERNO
Governo é o conjunto de órgãos e as atividades que eles exercem na sentido de conduzir politicamente o Estado, definindo suas diretrizes supremas. Não se confunde com a Administração Pública em sentido estrito, que tem a função de realizar concretamente as diretrizes traçadas pelo Governo. Portanto, enquanto o Governo age com ampla discricionariedade, a Administração Pública atua de modo subordinado.
Sistema de Governo é o modo como se relacionam os poderes Executivo e Legislativo. Existem os seguintes sistemas de governo:
a) presidencialista: o chefe de estado também é o chefe de Governo e, portanto, da Administração Pública. É o sistema adotado no Brasil pela Constituição de 1988 e confirmado pelo plebiscito de 1993;
b) parlamentarista: a chefia de Estado é exercida por um presidente ou um rei, sendo que a chefia de Governo fica a cargo de um gabinete de ministros, nomeados pelo Parlamento e liderados pelo primeiro-ministro;
c) semipresidencialista: também chamado de sistema híbrido, é aquele em que o chefe de Governo e o chefe de Estado compartilham o Poder Executivo e exercem a Administração Pública;
d) diretorial: o Poder executivo é exercido por um órgão colegiado escolhido pelo Parlamento. Ao contrário do parlamentarismo, não há possibilidade de destituição do diretório pelo Parlamento.
As formas de Governo (ou sistemas políticos) dizem respeito ao conjunto das instituições pelas quais o Estado exerce sue poder sobre a sociedade e, principalmente, o modo como o chefe de Estado é escolhido. Existem três formas:
a) presidencialismo: escolhido pelo voto (direto ou indireto) para um mandato pré-determinado;
b) monarquia: escolhido geralmente pelo critério hereditário, sua permanência no cargo é vitalícia – o afastamento só pode ocorrer por morte ou abdicação. A monarquia pode ser absoluta, em que a chefia de Governo também está nas mãos do monarca; ou parlamentarista, em que a chefia de Governo está nas mãos do primeiro-ministro;
c) anarquia: ausência total de Governo.
6. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A palavra “administrar” significa não só prestar serviço, executá-lo, mas também dirigir, governar, exercer a vontade com o objetivo de obter um resultado útil; e até, traçar um programa de ação e executá-lo. Distingue-se da propriedade no sentido de que, na administração, o dever e a finalidade são predominantes ; no domínio, a vontade prevalece.
Basicamente, são dois os sentidos em que se utiliza mais comumente a expressão Administração Pública:
a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer a função administrativa em qualquer um dos Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário;
b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo. Nesse sentido a Administração Pública abrange:
I) fomento: atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada. São atividades de fomento: auxílios financeiros ou subvenções, financiamentos, favores fiscais e desapropriações que favoreçam entidades privadas sem fins lucrativos;
II) polícia administrativa: atividade de execução das restrições impostas por lei ao exercício da liberdade e da propriedade em benefício do interesse coletivo. Ex.: limite de velocidade nas estradas;
III) serviço público: toda utilidade material que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para satisfazer as necessidades coletivas. Ex.: serviços de água, luz e telefone;
IV) “intervenção administrativa: compreende a regulamentação e fiscalização da atividade econômica de natureza privada, bem como a própria atuação direta do Estado na atividade econômica, nos termos do art. 173 da Constituição Federal, normalmente por meio de empresas públicas e sociedades de economia mista” (Alexandrino e Paulo, 2008, p. 17-18).
Há ainda outra distinção que os autores costumam fazer, a partir da idéia de que administrar compreende planejar e executar:
a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada, compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo) aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administração Pública compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa;
b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, que as executa.
Procurador do Banco Central do Brasil em Brasília. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá. Professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade Paulista (Unip). Professor de Direito Penal, Processual Penal e Administrativo nos cursos Objetivo e Pró-Cursos. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Co-autor do livro "Direito Penal Acadêmico". Home Page: http://www.alexandremagno.com
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Alexandre Magno Fernandes. Estado, Governo e Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2008, 13:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/15295/estado-governo-e-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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