1. Introdução
Inicialmente, necessário se mostra esclarecer a distinção existente entre o poder constituinte originário – que é quem elabora a Constituição – e o Poder Constituinte Derivado – poder de reformar a Constituição.
O primeiro, poder constituinte originário, é o poder de elaborar uma nova constituição. Estabelece uma nova ordem jurídica fundamental para o Estado em Substituição à anteriormente existente. Tem três características básicas: a) é inicial, pois dá origem a uma nova ordem constitucional, não se fundando em qualquer outro; b) é ilimitado, já que não está submetido a nenhuma ordem jurídica, podendo dispor sobre qualquer assunto, é o poder que tudo pode (Paulo Bonavides, 2006, p. 148); c) é incondicionado, pois não tem fórmula preestabelecida para sua manifestação.
Por sua vez, o poder constituinte constituído ou derivado se insere na Constituição, é órgão constitucional, conhecendo limitações tácitas e expressas, como veremos a seguir, e se define como poder primordialmente jurídico, que tem por objetivo a reforma do texto constitucional. É subordinado, encontrando-se abaixo do poder constituinte originário, limitado por este; e condicionado, uma vez que deve manifestar-se de acordo com o preestabelecido pelo poder constituinte originário.
O Constituinte de 1988, ao prever a possibilidade de alteração das normas constitucionais através de um processo legislativo especial e mais dificultoso que o ordinário, definiu nossa Constituição Federal como rígida, fixando-se a idéia de supremacia da ordem constitucional.
Segundo o art. 60, I, II e III, vê-se que a Constituição poderá ser emendada por proposta de iniciativa: de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
A elaboração de emenda à constituição dá-se da seguinte maneira: apresentada a proposta, será ela discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada quando obtiver em ambos, três quintos dos votos dos membros de cada uma delas (art. 60, §2º). Diferentemente da Constituição anterior, que previa discussão e votação da emenda em sessão conjunta das duas casas, a Carta Magna vigente prevê que elas atuem separadamente (Silva, 2007, p. 64).
Finalmente, uma vez aprovada, a emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. Em razão do elevado quorum exigido para sua aprovação, as emendas não estão sujeitas à sanção ou veto do Presidente da República. Ressalte-se que a proposta de emenda constitucional rejeitada não poderá ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (Pinho, 2006, p. 90).
Como se vê, a Constituição da República conferiu ao Congresso Nacional a competência para elaborar emendas a ela. Deu-se, assim, a um órgão constituído o poder de emendar a Carta Magna. Por isso se lhe dá a denominação de poder constituinte instituído ou constituído. Por outro lado, como esse seu poder não lhe pertence por natureza, primariamente, mas, ao contrário, deriva de outro (isto é, do poder constituinte originário), é que também se lhe reserva o nome poder constituinte derivado, embora pareça mais acertado falar em competência constituinte derivada ou constituinte de segundo grau (Silva, 2007, p. 64).
Cuida-se na verdade de um problema de técnica constitucional, já que seria muito complicado ter que convocar o constituinte originário todas as vezes em que fosse necessário emendar a Constituição. Por isso, o próprio poder constituinte originário, ao estabelecer a Constituição Federal, instituiu um poder constituinte reformador, que também pode ser chamado poder de reforma constitucional ou poder de emenda constitucional (Silva, 2007, p. 65).
Ocorre que esse poder reformador, como já esclarecido, não é incondicionado, pois está sujeito a limitações explícitas e implícitas impostas pelo poder constituinte originário.
As limitações explícitas no texto constitucional se subdividem em três subespécies: circunstanciais, materiais e formais, enquanto os limites implícitos do poder de reforma, que são os que derivam dos limites expressos, dividem-se em dois grupos: as normas sobre o titular do poder constituinte reformador e as disposições relativas à eventual supressão das limitações expressas (Moraes, 2004, p. 564).
2. Limitações expressas
2.1 Limites circunstanciais
São limitações que pretendem evitar modificações na constituição em certas ocasiões anormais e excepcionais do país, a fim de evitar-se perturbação na liberdade e independência dos órgãos incumbidos da reforma. Pretende-se, assim, que qualquer alteração do texto constitucional ocorra em plena normalidade democrática, sem qualquer restrição a direitos individuais ou à liberdade de informação, para que as conseqüências de eventuais modificações da Lei Maior sejam amplamente discutidas antes de qualquer deliberação.
A Constituição Federal de 1988 não admite emendas na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio, como bem preceitua o §1º do art. 60.
A constituição francesa não permite modificação com a presença de forças estrangeiras de ocupação em território francês. Essa norma é fruto da história francesa, que teve a sua constituição desfigurada durante o período de ocupação nazista. Nas palavras de Paulo Bonavides:
Guardavam os franceses amarga lembrança do episódio político de julho de 1940 quando, invadida a França pelos exércitos alemães reformaram-se em Vichy as Leis Constitucionais da III República, com parte do território nacional ocupado e debaixo da pressão militar estrangeira (2006, p. 200).
2.2 Limitações materiais
Certas matérias não podem ser objeto de modificação. O Texto Constitucional de 1988 veda a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º).
Segundo Alexandre de Moraes (2004, p. 565), tais matérias formam o núcleo intangível da Constituição Federal, denominado tradicionalmente por “cláusulas pétreas”. Todas as constituições brasileiras de 1891 a 1946 proibiam qualquer emenda visando à alteração tanto da República como da Federação. A Carta atual retirou das cláusulas pétreas a República, estabelecendo a realização de um plebiscito em que o povo pôde optar livremente por ela como forma de governo preferida.
Existem ainda limitações materiais implícitas ao poder constituinte derivado, que serão abordadas adiante.
2.3 Limitações procedimentais
As limitações procedimentais referem-se às disposições especiais, em relação ao processo legislativo ordinário, que o legislador constituinte estabeleceu para permitir a alteração da Constituição Federal. Como já explanado anteriormente, segue o procedimento de aprovação previsto no artigo 60, devendo este rito ser rigorosamente observado, sob pena de inconstitucionalidade formal da norma aprovada.
Interessante acrescentar que várias constituições anteriores não admitiam o poder de iniciativa da proposta de emenda por parte do presidente da República, como as Leis Magnas de 1891 (art. 90), 1934 (art. 178) e 1946 (art. 217), mas que foi admitido pelas Cartas de 1937 (art. 174), 1967 (art. 47) e hoje encontra-se expressamente previsto no inciso II do art. 60 (Pinto Ferreira, 1992, p. 202).
2.4 Limitações temporais
Determinadas constituições contêm normas que impossibilitam qualquer modificação durante certo período após a sua promulgação ou só admitem a aprovação de alterações de tempos em tempos, de forma espaçada.
Na história constitucional brasileira as limitações temporais não são comumente encontráveis. Só a Constituição do Império estabeleceu esse tipo de limitação, visto que previra que tão-só após quatro anos de sua vigência poderia ser reformada (art. 174).
3. Limitações implícitas
Além dos limites explícitos anteriormente mencionados, há limites materiais implícitos ao poder constituinte derivado, decorrentes dos próprios princípios adotados pela Constituição. Esses limites também são denominados como inerentes ou tácitos. Como exemplos, José Afonso da Silva (2007, p. 68) aponta: 1) os concernentes ao titular do poder constituinte, pois uma reforma constitucional não pode mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador; 2) as referentes ao titular do poder reformador, pois seria despautério que o legislador ordinário estabelecesse novo titular de um poder derivado só da vontade do constituinte originário; 3) as relativas ao processo da própria emenda, distinguindo-se quanto à natureza da reforma, para admiti-la quando se tratar de tornar mais difícil seu processo, não a aceitando quando vise a atenuá-lo.
Como explica o doutrinador, essas restrições se justificam por razões lógicas: se pudessem ser mudadas pelo poder de emenda ou ordinário, de nada adiantaria estabelecer vedações circunstanciais ou materiais (Silva, 2007, p. 68).
BIBLIOGRAFIA
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006.
CHIMENTI, Ricardo Cunha et ali. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004.
FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15.ed. São Paulo: Atlas, 2004.
NOVELINO, Marcelo. Teoria da constituição e controle de constitucionalidade. São Paulo: Jus Podivm, 2008.
PINHO, Rodrigo César Rebelo. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
Oficial da Polícia Militar de Santa Catarina, Pós-Graduado, Lato Sensu, em Direito pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina - ESMESC em convênio com a Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Aprovado no Exame da OAB/SC. Aprovado no Concurso para Técnico Judiciário do Tribunal Reginal Eleitoral de Santa Catarina. Aprovado no Concurso para o Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHWARTZ, Diego. Limites ao poder de emenda à Constituição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2008, 10:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/15357/limites-ao-poder-de-emenda-a-constituicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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