Os reajustes e negativas dos planos de saúde compõem os maiores dilemas éticos nas cortes brasileiras. O país conta atualmente com 51 milhões de seguros médicos privados e 32 milhões de seguros odontológicos, com os reajustes de planos de saúde virando um grande tormento para muitos usuários. No caso de idosos, o reajuste por faixa etária pode dobrar o valor da mensalidade aos 59 anos.
Nos EUA, Luigi Mangione recebeu enorme apoio público por matar à queima-roupa Brian Thompson em 2024, CEO da UnitedHealthCare, a maior seguradora de saúde do país. O assassino foi indiciado por 11 crimes, incluindo terrorismo, mas se declarou inocente. Sua defesa criou um site para que respondesse as cartas recebidas na prisão, tendo declarado que o apoio recebido “transcendeu divisões políticas, raciais e de classe”.
O assassino alegou ter se inspirado no terrorista Ted Kaczynski, principalmente no livro-manifesto “Sociedade Industrial e Seu Futuro”. Além disso, as investigações encontraram motivações para o crime na leitura do livro “Atrasar, Negar, Defender”. Por precaução, o FBI determinou que a companhia Amazon.com removesse a versão digital do livro “Technological Slavery” de Kaczynski, desabilitando também sua leitura do aplicativo Kindle para os usuários que já o haviam adquirido. Se condenado, Luigi, de 26 anos, poderá pegar prisão perpétua sem condicional.
O ato bárbaro de Luigi motivou debates sobre os problemas no serviço de saúde norte-americano, que se repetem nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Os milhões de usuários brasileiros dos contratos privados de saúde passam por problemas semelhantes, principalmente para os mais idosos, com reajustes seguidos nas prestações mensais, bem acima dos ganhos de aposentadoria, e negativas de coberturas.
Nos EUA, o Medicare funciona como um seguro de saúde federal para pessoas acima de 65 anos ou portadores de doenças renais em estágio terminal, mas sem a assistência integral de um sistema público de saúde, como no Reino Unido. Além do Medicare, atua um sistema de assistência gerenciada (managed care), com foco na redução nos custos dos planos, mantendo a qualidade do serviço ofertado.
Segundo Peter Kongstvedt: “No início do século XX, os custos com saúde eram impulsionados por ocorrências comuns, como infecções, traumas e, cada vez mais, tratamentos cirúrgicos. Isso começou a mudar em meados do século, quando os avanços na ciência médica nos permitiram tratar condições que antes eram intratáveis. Ao longo das décadas, isso também levou a uma expectativa de vida mais longa, incluindo aqueles com múltiplas condições crônicas. No final do século XX, aproximadamente 80% dos custos totais estavam sendo incorridos por apenas 20% dos indivíduos, e 50% dos custos por apenas 5%...Durante esse período de 12 anos (2000-2012), muitos empregadores responderam às situações econômicas difíceis aumentando as franquias e outras formas de compartilhamento de custos e, em alguns casos, abandonando completamente a cobertura dos funcionários. Para algumas pessoas no mercado individual, o seguro saúde se tornou inacessível, e os custos com assistência médica sobrecarregaram muitos orçamentos familiares.” (“Seguro de Saúde e Assistência Gerenciada: o que são e como funcionam”, traduzido do inglês, editora Jones & Bartlett Learning, 5ª edição, 2019).
Uma grande parcela dos problemas enfrentados pelo sistema privado de saúde no Brasil foi submetida ao escrutínio dos tribunais, resultando em decisões polêmicas. E outras mais estão por vir. No tema 381, o Supremo Tribunal Federal irá se debruçar sobre a aplicação do Estatuto do Idoso aos planos de saúde contratados antes de sua vigência, vedando-se reajustes após os 60 anos também nos contratos anteriores a 2004. As operadoras alegam que esse entendimento irá encarecer ainda mais os planos, tornando-os inacessíveis a grandes estratos da população, aumentando ainda mais a pressão no sistema público de saúde.
Além do reajuste por idade, os planos securitários de saúde também estão sujeitos a reajustes por variação de custos e por aumento de sinistralidade. Quanto a este, o STJ julgou o Resp. nº 2.108.270-SP em 23/04/2024 impondo critérios a esta modalidade de reajuste, de forma complementar ao reajuste por variação de custo, exigindo um “extrato pormenorizado” para comprovar sua validade. De fato, tanto no reajuste por VCMH (variação de custos médicos e hospitalares) quanto por aumento de sinistralidade, o ônus da prova é da seguradora, sob pena de o reajuste ser reputado abusivo.
No caso de reajuste por idade, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça já havia validado o reajuste por faixa etária nos planos de saúde individuais e familiares ao julgar por unanimidade o tema 952 em 14/12/2016, um precedente qualificado e vinculante segundo o art. 927, III, do CPC. Neste caso, o Ministério Público Federal opinou pela validade do reajuste por faixa etária. Em 2022, a mesma corte estendeu esse entendimento para os planos coletivos no julgamento do tema 1.016, aplicando a mesma ratio decidendi do precedente anterior.
O REspe. 1.715.798, que compõe o tema 1.016, foi interposto pela Unimed-RS. A ANS não estipula percentual de reajuste nos planos coletivos, permitindo a negociação livre entre as partes contratantes, conforme a autorização legal disposta no art. 35-E, § 2º, da Lei nº 9.656/98. No caso concreto, a Unimed firmou um termo de ajustamento de conduta reduzindo o reajuste de 56% para 40%. O Ministério Público de São Paulo foi admitido como amicus curiae de forma intempestiva, ofertando manifestação nos autos.
O tema 952 do STJ teve como base o julgamento pelo TJSP do IRDR nº 11, que interpretou sistematicamente o art. 3º, II, da Resolução 63/03 da ANS, fazendo prevalecer o sentido matemático da expressão “variação acumulada”, com o cálculo do aumento real do preço verificado em cada intervalo da tabela de idades, apurado segundo a respectiva fórmula matemática. Com isso, restaram excluídos o cálculo da média dos percentuais e a soma aritmética de percentuais. O julgamento do IRDR 11 foi realizado em 08/11/2018 pela Turma Especial – Privado 1, composta de 20 desembargadores, que decidiram de forma unânime.
Além disso, no tema 952, que serviu de base para os julgamentos posteriores do STJ sobre a mesma temática, a corte procedeu a uma interpretação sistemática do art. 15, § 3º, da Lei 10.741/03, entendendo que a cláusula de reajuste por faixa etária se fundamenta no mutualismo, em sistema de repartição simples, bem como na solidariedade intergeracional, entendendo que o equilíbrio financeiro do plano de saúde depende em grande medida do regime atuarial e da distribuição dos riscos. Em suma, a corte firmou a compreensão de que só haverá discriminação do idoso se o reajuste for desproporcional em relação ao incremento do risco.
De fato, caso seja constatada majoração desarrazoada ou aleatória, aplica-se o art. 51, §2º, do CDC, contornando-se a abusividade da cláusula com a sua redução a termos razoáveis, por meio de cálculos atuariais realizados na fase de cumprimento de sentença. No caso concreto julgado pelo STJ no tema 952, em recurso especial representativo de controvérsia, a conclusão matemática do expert que elaborou o laudo pericial foi no sentido da inexistência de abusividade. De fato, consta nos autos que o percentual inicial do reajuste de 110% foi reduzido para 88%, com a mudança de faixa etária para 59 anos. O STJ considerou que o aumento não foi desmedido, tampouco representou uma cláusula de barreira para o ingresso de idosos no plano, afastando ainda o argumento da onerosidade excessiva.
No tema 1.016, houve divergência por ocasião da afetação, com ministros se posicionando pela mudança para “Revisão de Entendimento Firmado em Tema Repetitivo”, previsto no art. 256-S do RISTJ, a fim de proceder-se ao simples exame da extensão do entendimento firmado no Tema 952 aos contratos coletivos. No entanto, essa corrente restou vencida.
De fato, havia multiplicidade de demandas sobre idêntica questão de direito, consistente em elevado número de recursos especiais tramitando nas duas turmas de direito privado do STJ. Somente com julgamento pela sistemática do recurso repetitivo, disposta no art. 1.036 do CPC, haveria a formação de precedente qualificado, apto a autorizar aos tribunais de segunda instância o exercício do juízo de retratação preceituado no art. 1.040 do CPC. Desta forma, evita-se a subida ao STJ de novos recursos especiais sobre a mesma controvérsia.
No tocante à inversão do ônus da prova, o STJ examinou a aplicação do art. 373, II, do CPC, bem como as disposições materiais e processuais do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. A esse respeito, no REsp. 1.730.270, decidido em 06/11/2018, o STJ já havia firmado que a base atuarial idônea do reajuste não pode ser infirmada por simples alegação genérica de abusividade pela parte autora. Conforme constou no julgado: “Se se trata de regra de experiência técnica, de conhecimento exclusivo do juiz ou apanágio de especialistas, que por qualquer razão a tenha (o magistrado também tem formação em atuária, por exemplo), torna-se indispensável a realização da perícia”.
Analisando os casos concretos afetados ao tema 952, percebe-se ainda que o REsp. 1.716.113-DF foi interposto em face de decisão do TJDFT que reduziu o reajuste por faixa etária de 67,57% para 16,5%. Já no REsp. 1.728.839/SP, o TJSP julgou válido o reajuste de 67,38%. Há ainda precedentes que acataram reajustes de 130%, desde que demonstrada a viabilidade atuarial.
A esse respeito, impende destacar que o STJ cancelou a súmula nº 469, que aplicava o CDC aos contratos de plano de saúde de forma ampla. Em seu lugar, a corte editou a súmula 608, excepcionando a aplicação do CDC apenas quanto aos contratos de autogestão. Estes são ofertados por “Operadora de Plano de Assistência à Saúde”, que não se qualifica como “Plano Privado de Assistência à Saúde”, segundo o art. 1º, II, da Lei n. 9.656/98. Logo, as operadoras de contratos de autogestão não têm natureza de fornecedores do mercado de consumo.
Desta forma, em se tratando de planos coletivos de saúde, a inversão do ônus da prova deve ser analisada caso a caso, diante das peculiaridades do caso concreto. Os parâmetros do art. 6º, VIII, do CDC (verossimilhança e hipossuficiência) se adéquam apropriadamente aos contratos individuais e familiares, havendo maior liberdade na estipulação do prêmio nos contratos coletivos e de adesão, que possuem maior paridade entre os contratantes.
De qualquer maneira, a perícia atuarial é imprescindível para aferir a abusividade da cláusula de reajuste do plano de saúde, qualquer que seja sua modalidade. A atuária foi desenvolvida de forma paulatina, juntamente com outras áreas da matemática. No século XVIII, o matemático suíço Jacques Bernoulli elaborou a Lei do Acaso, posteriormente denominada de Lei dos Grandes Números, uma área da estatística empírica. Em 1816, o matemático francês Pierre Simon Laplace estudou os fenômenos aleatórios.
Esses desenvolvimentos estatísticos foram conjugados ao ferramental da atuária, tal como a tábua de vida do astrônomo Edmond Halley. Os cálculos atuariais passaram a contar com modelos preditivos mais avançados. Antes tidos como imprevisíveis, os adoecimentos passaram a ter previsibilidade tanto na sua ocorrência quanto em seus custos.
Modernamente, os cálculos atuariais incluem provisões mensais, carregamentos, média de severidade dos sinistros, frequência de utilização (divisão do número de sinistros pelo número de expostos), desvio padrão da frequência, agrupamento dos eventos e serviços ofertados (consultas, internações, diagnoses) e regressão linear. Esses dados buscam calcular a “Margem de Segurança Estatística” (MSE) aplicada ao plano de saúde, conferindo-lhe sustentabilidade financeira a longo prazo.
A prova técnica visa ainda conferir, por meio de cálculos, a conformação do reajuste aos critérios paramétricos dispostos nos arts. 2º e 3º da Resolução Normativa 63/03 da ANS. Essa aderência à previsibilidade levou as ferramentas da atuária para distintos campos do saber, como a previsão de reincidência de criminosos, em especial nos crimes sexuais.
De outro giro, a discussão sobre mutualismo e pacto intergeracional possui nítido cariz pragmático, vinculado à sobrevivência de um modelo de negócio. Com base nisso, muitas questões éticas acabam cedendo diante da realidade fática. Os diversos julgamentos unânimes em órgãos colegiados de tribunais, compostos por dezenas de julgadores, corroboram o pragmatismo que permeia a questão de fundo. De fato, um voto-vista que inaugure uma dissidência nesta temática esteada em argumentos meramente principiológicos ou um parecer do Ministério Público de idêntico cariz, serão prontamente superados pelas premissas fáticas subjacentes ao caso.
Atualmente, o envelhecimento da população é uma realidade que impacta o mercado de planos de saúde, já que quase um terço dos segurados estão na última faixa etária. Nesta temática, é importante citar uma corrente científica que contesta o aumento da expectativa de vida da população, argumentando que se trata de mera ilusão estatística decorrente da diminuição da mortalidade infantil.
Especialistas indicam que a expectativa de vida na história humana sempre girou em torno de 60 anos. Seja no século XIX ou nas civilizações antigas, como Roma ou Grécia no tempo bíblico, crianças que chegassem aos dez anos de idade tinham grande chance de viver até a velhice, salvo em ocasiões de guerras e pestes. As propagadas expectativas de vida entre 30 e 40 anos eram excepcionais, limitadas a regiões e épocas beligerantes ou devastadas por surtos e epidemias. Em geral, esse cálculo ilusório era decorrente da alta mortalidade infantil.
Apesar disso, é patente que houve expressivo aumento na média de vida no século XX, em todos os estratos sociais e em todas as faixas etárias. Esse aumento deveu-se a variados fatores, sendo o principal deles o cuidado com a saúde, tanto de forma preventiva, como no saneamento básico, quanto curativa, com os avanços da medicina. Atualmente, uma criança japonesa do sexo feminino nasce com a expectativa de chegar à idade de 90 anos. No Brasil, um homem de 65 anos tem uma expectativa de sobrevida de mais 20 anos.
Muitos estudos contestam a utilização da expectativa de vida ao nascer como medida do estado geral de saúde da população, principalmente em países em desenvolvimento. Isso porque esse índice é bastante impactado pela mortalidade infantil, que por sua vez está vinculado a condições socioeconômicas, como a educação materna. Muitos defendem sua substituição pelo “índice linear de mortalidade”, com o cálculo dos anos potenciais de vida perdidos (100 menos a idade da morte).
Existem mais de 30 mil centenários no Brasil, com a previsão de esse número decuplicar nas próximas décadas. O Japão já possui mais de 90 mil centenários, 90% deles mulheres. A longevidade feminina é explicada pela biologia, já que nos mamíferos de grande porte, o sexo feminino sempre vive mais tempo. Essa movimentação na pirâmide etária impacta fortemente na alocação orçamentária para os gastos em saúde, especialmente na pesquisa e tratamento da demência.
Segundo pesquisa da UBS realizada nos Estados Unidos em 2018, os ricos gastam até metade de sua fortuna com a busca da longevidade. Esse gasto em pesquisa de ponta pressiona continuamente os preços dos serviços de saúde, com explosão inflacionária na oferta. Novas fronteiras na pesquisa farmacológica fizeram surgir tratamentos e medicamentos milionários, a exemplo da terapia gênica.
Além disso, há diferenças substanciais entre as doenças crônicas e agudas, por terem aquelas uma progressão lenta e duração prolongada. Escrevendo em 1986, logo após a explosão em Chernobyl, Ulrich Beck sentenciou: “Uma dimensão completamente distinta dos efeitos socialmente transformadores da medicina desponta com a dissociação entre diagnóstico e terapia no desenvolvimento da medicina contemporânea. O resultado é um aumento dramático das assim chamadas “doenças crônicas”, isto é, doenças que, em razão do avançado aparato técnico medicinal, são diagnosticadas sem que estejam à disposição ou sequer em vista de surgir terapias efetivas para o seu tratamento. O número dos que sofrem de enfermidades crônicas subiu no mesmo período de 46% para 80%. Nesses casos, o fim é invariavelmente precedido de um grande sofrimento”. (Sociedade de Risco, Editora 34, 1º edição, pág. 302).
O aumento da expectativa de vida, no entanto, não é intérmino, possuindo limitações físicas e biológicas, tendendo a uma assíntota aos 90 anos. De fato, não só questões fisiológicas, mas principalmente físicas, impõem limitações intransponíveis ao propagado homem bicentenário. Conforme o pesquisador Leonard Hayflick, em artigo publicado na PubMed sobre entropia e determinismo genético:
“O denominador comum subjacente a todas as teorias modernas do envelhecimento biológico é a mudança na estrutura molecular e, portanto, na função. Essas mudanças são o resultado de mudanças entrópicas, que agora são apoiadas pela recente reinterpretação da Segunda Lei da Termodinâmica, onde a crença de que ela se aplica apenas a sistemas fechados foi derrubada. Entropia é a tendência de a energia concentrada se dispersar quando desimpedida, independentemente de o sistema estar aberto ou fechado. O obstáculo da mudança entrópica é a força relativa das ligações químicas. A prevenção da quebra de ligações químicas, entre outras alterações estruturais, é absolutamente essencial para a vida. Por meio da evolução, a seleção natural favorece estados de energia capazes de manter a fidelidade na maioria das moléculas até a maturação reprodutiva, após o que não há valor de sobrevivência da espécie para que esses estados de energia sejam mantidos indefinidamente. O processo de envelhecimento ocorre porque os estados alterados de energia das biomoléculas as tornam inativas ou com mau funcionamento. Do ponto de vista de um físico, um estado de energia reduzida não é necessariamente desordem, porque simplesmente resulta numa molécula idêntica com um estado de energia reduzida. O fato de tal molécula ser biologicamente inativa pode não interessar ao físico, mas com certeza interessa ao biólogo e, especialmente, ao biogerontólogo”.
O envelhecimento da população e o avanço científico são conquistas civilizatórias, que têm tornado os gastos em saúde cada vez mais substanciais para famílias e governos, com expressivo impacto nos modelos de negócio. Daí a necessidade de encontrar uma equação sustentável que concilie esses interesses fundamentais para uma vida digna.
Os planos de saúde no Brasil adotam o regime de fundo mútuo para a cobertura de eventos futuros e incertos, atrelado ao pacto intergeracional, o qual assegura um subsídio cruzado no valor do prêmio. Assim, os mais jovens pagam um prêmio maior em relação ao risco de sinistralidade. Com isso, inverte-se a lógica dos seguros convencionais do mercado, como o seguro de vida e de veículos, onde o prêmio pago pelo segurado é precificado com base no risco atuarial de ocorrência do evento coberto pela apólice. Essa desproporção nos seguros de saúde tem esteio no princípio da solidariedade entre as gerações, não extensível aos seguros de vida.
Contudo, caso o valor do prêmio incidente sobre os segurados mais jovens seja muito elevado, com excessiva desproporção em relação ao risco, pode haver uma fuga destes usuários, tornando o mercado de planos de saúde inviável financeiramente, fenômeno conhecido como “seleção adversa”.
O art. 2º da Resolução Normativa 63/03 da ANS prevê a existência de dez faixas etárias, que têm o objetivo de diluir os reajustes de forma mais suave, evitando aumentos abruptos, com o inciso X prevendo a última faixa de “59 anos ou mais”. Importante lembrar que o art. 15, parágrafo único, da Lei 9.656/1998 e o Estatuto do Idoso vedam reajustes por idade acima dos 60 anos, o que torna ilegal o a expressão “ou mais” na parte final do dispositivo.
Por sua vez, o art. 3º da resolução sobredita dispõe que o valor do prêmio da última faixa não pode ser superior a 6 vezes o valor da primeira faixa. A norma determina ainda que a variação do prêmio nas últimas três faixas não pode ultrapassar a variação nas sete primeiras faixas, objetivando com isso concentrar a variação nos segurados mais jovens (abaixo de 49 anos).
A comprovação de conformidade do reajuste por faixa etária com a precitada resolução deve ser feita de forma prévia, por meio da Nota Técnica de Registro de Produtos – NTRP, a cargo de um atuário, constando as premissas técnicas do cálculo. A ANS certifica o reajuste com base neste documento. A conformidade normativa pode ainda ser aferida em âmbito judicial, em sede de ações revisionais, por meio de prova pericial elaborada por atuário.
Ainda em 2014, o STJ julgou o REsp. 1.381.606, firmando a compreensão de que o reajuste por faixa etária não pode visar unicamente o aumento de lucros das operadoras. Logo, a jurisprudência da corte se inclina há mais de uma década pela validade da cláusula de reajuste por faixa etária, desde que se adéque à precificação dos custos adicionais daí advindos.
O valor de cada faixa etária já considera a expectativa de vida do segurado e a possibilidade de ele atingir a faixa subsequente. O reajuste diferenciado visa reequilibrar o fundo mútuo, evitando que permaneça deficitário. De fato, dados empíricos do Brasil atestam que os segurados da última faixa etária gastam até 7 vezes mais com saúde que os da primeira faixa.
Na população idosa, há divisão entre “idosos jovens”, na casa dos 60 anos, e os de idade mais avançada, entre 85 e 90 anos. Nesta última faixa, os custos com saúde crescem exponencialmente, mesmo em comparação com os idosos jovens. Por outro lado, o valor das aposentadorias caiu mais de 50% desde 2015. Consequentemente, o valor dos reajustes é alto em comparação à renda destes segurados, mas baixo em comparação aos seus custos de saúde.
É importante pontuar que os serviços e equipamentos de saúde são geralmente dolarizados, considerando a constante exigência do mercado pela importação de máquinas e insumos avançados dos modernos centros de pesquisa espalhados pelo mundo.
Os serviços listados na Resolução Normativa 428/2017 da ANS constituíam um mínimo obrigatório, que podia ser estendido pelas cláusulas do plano de saúde. Em 2022, o STJ entendeu que esse rol é taxativo, com algumas exceções. No mesmo ano, esse entendimento foi superado pela Lei nº 14.454/2022, que derrubou o rol taxativo, determinando ampla abrangência terapêutica, bastando para tanto a comprovação da eficácia do tratamento e a recomendação do Conitec.
Com a nova lei, as cláusulas do contrato securitário nos planos de saúde podem estabelecer limitações apenas quanto à cobertura dos sinistros, podendo limitar as doenças e agravos à saúde, mas não pode limitar as opções de tratamento nas situações cobertas. Contudo, em 2024 a 2ª Seção do STJ entendeu que essa lei não se aplica aos casos anteriores à sua vigência. Além disso, pende no STF ADIs contra a nova lei ajuizadas pelas seguradoras buscando manter o rol taxativo. As seguradoras alegam que a lei obriga cobrir novas tecnologias, medicamentos e exames não previstos, impondo riscos não contemplados na precificação dos contratos, criando desequilíbrio atuarial.
No escólio de Mônica Queiroz: “No seguro de pessoa protege-se o ser humano, a sua vida, a sua saúde e as suas capacidades. O seguro de pessoa é disciplinado no Código Civil nos arts. 789 a 802. Aqui se encontra, por exemplo, o seguro-saúde praticado pelos planos de saúde e regulados pela Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde). (Manual de Direito Civil, editora Método, 7ª edição, 2023, p. 710). Tratando do seguro de pessoa, pondera Tartuce: “Esse contrato de seguro visa à pessoa humana, protegendo-a contra riscos de morte, comprometimento da sua saúde, incapacidades em geral e acidentes que podem atingi-la. É o caso do seguro-saúde, tratado especificamente pela Lei nº 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde).” (Manual de Direito Civil, editora Método, 14ª edição, 2024, p. 831).
De fato, com o rápido desenvolvimento tecnológico na área médica e farmacológica, essa ampla abrangência terapêutica pode transmudar o contrato securitário em um contrato aleatório, sujeito a uma álea imprevisível, sem a devida contrapartida atuarial, desfigurando sua natureza de seguro de pessoa tal como retratado pela doutrina. De fato, no paradigmático tema 952 do STJ, o MPF manifestou-se pela validade do reajuste por faixa etária com base na atuária. Já na ADI contra a Lei do Rol, em trâmite no STF, o MPF manifestou-se em 2023 pela constitucionalidade da lei, ainda que implique desequilíbrio atuarial, tendo em conta “os princípios e valores sociais que regem a ordem econômica”.
É importante pontuar que o sistema público de saúde possui déficits anuais crescentes que resultam em ausência de sustentabilidade financeira a médio prazo, segundo seguidas auditorias do Tribunal de Contas da União. Contudo, diferentemente do SUS, cujos déficits são cobertos por impostos e emissão de títulos públicos, os planos privados se submetem às leis de mercado, tornando-se rapidamente inviáveis financeiramente. Essa realidade atingiu os planos individuais de saúde, que foram praticamente abolidos do mercado, restando apenas os planos familiares e de adesão, que também tendem a ficar comprometidos.
Em conclusão, espera-se que as cortes superiores levem em conta a sustentabilidade financeira dos seguros saúde, conciliando-a com os princípios constitucionais, a fim de manter a oferta de planos a preços acessíveis à população. De fato, após três anos de déficits acumulados, os planos voltaram a ter lucro em 2024. Com uma receita total na casa de R$ 250 bilhões, o setor de saúde suplementar lucrou cerca de R$ 7 bilhões. Essa receita supera o gasto federal em saúde pública (R$ 218 bilhões). Somado ao gasto em saúde das três esferas de governo, o setor de saúde no Brasil movimenta R$ 650 bilhões. Para não tornar os planos inviáveis, os tribunais de superposição necessitam conciliar os reajustes por faixa etária, variação de custos e sinistralidade, além das negativas de coberturas, de forma a manter um sistema hígido a longo prazo, interpretando sistematicamente as leis que impactam no funcionamento dos seguros saúde segundo as leis de mercado.
Oficial de Justiça do TRT 7° Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, LEONARDO RODRIGUES ARRUDA. Planos de Saúde no Brasil: O Maior Dilema Ético nas Barras dos Tribunais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 mar 2025, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68144/planos-de-sade-no-brasil-o-maior-dilema-tico-nas-barras-dos-tribunais. Acesso em: 26 mar 2025.
Por: EDUARDO CARLOS RAMALHOSA HORTENCIO
Por: FILIPE EWERTON RIBEIRO TELES
Por: Mauro Campos de Pinho
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