Sumário: I - Poderes do Ministério Público e Reserva Constitucional; II - Independência funcional e o Princípio do Promotor Natura; III - Ato do Príncipe: Medida Provisória; IV - Conclusão
I - PODERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E RESERVA CONSTITUCIONAL
Recentemente o Presidente da República editou mais uma Medida Provisória [1] alterando dispositivos da Lei 9649/98 que trata da organização da Presidência da República e dá outras providências criando, no âmbito do Poder Executivo Federal, a Corregedoria Geral da União com plenos poderes investigatórios quando houver atos lesivos ao patrimônio público da União.
Trata-se de uma medida adotada pelo Chefe do Executivo Federal visando a coibir os atos de corrupção praticados nos diversos órgãos federais com demonstração de intolerância para com os mesmos por parte do governo.
Tal medida, embora prima facie bem vista pela sociedade, tem nítido caráter inibidor das funções do Ministério Público da União e da Polícia Federal de forma a permitir ao Chefe do Executivo total controle sobre tudo que se apura no âmbito da recém criada Corregedoria e o que é pior: podendo demitir "ad nutum" o Corregedor Geral que é de sua livre escolha.
Na medida em que a sociedade, politicamente organizada, rompeu com a ordem jurídica vigente até cinco de outubro de 1988 e exigiu uma nova construção jurídico constitucional, formando um Estado Democrático de Direito, entregando ao Ministério Público a legitimidade para exigir, em juízo ou fora dele, a reparação de toda e qualquer lesão ou ameaça a direito dando-lhe as garantias da independência funcional e da inamovibilidade[2], em uma clara alusão de que desejava apagar da memória nacional o período sombrio da ditadura, não resta a menor dúvida de que o ato presidencial visa a esvaziar, por via oblíqua, os poderes persecutórios do Ministério Público.
A Corregedoria Geral da União, sendo órgão integrante da Presidência da República, não goza das garantias constitucionais necessárias para uma perfeita investigação criminal ou cível sem que haja ingerência política em sua atuação por parte dos integrantes do governo ou do próprio Presidente da República[3]. Em outras palavras, não tem independência. Investigará os casos que forem do interesse do governo e desde que não comprometam a postura moral do Chefe do Executivo.
Na verdade, quando se cria tal órgão o que se quer é colocar o Ministério Público em situação vexatória perante a opinião pública levando o leigo a crer que não há razão nenhuma para o Ministério Público se insurgir contra a atuação do mesmo, pois quanto mais se investir contra os crimes que lesam os cofres públicos melhor será para a sociedade. Porém, essa não é a verdadeira razão de ser da criação do mencionado órgão. Quer-se ter controle da apuração de todos os atos que envolvam membros situacionistas do governo impedindo uma apuração séria, descomprometida politicamente e isenta de qualquer paixão a não ser a da justiça. Ou seja, em véspera de ano eleitoral para os principais cargos eletivos, em especial para Presidente da República, quer se evitar uma atuação efetiva do Ministério Público combatendo o verdadeiro crime organizado que se instalou no poder público, gerando uma violência nas ruas como conseqüência e não como causa.
Hodiernamente se fala em violência urbana como causa (roubos, homicídios, estupros, tráfico de drogas, etc.), porém a verdadeira violência é praticada por agentes públicos que, através do seu atuar nocivo, pretendem remediar com um mais Estado policial e penitenciário o menos Estado econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo mundo[4].
Há uma reserva constitucional dos poderes do Ministério Público que lhes foram outorgados pelo Poder Constituinte e que não podem ser subtraídos pelo Poder Reformador. Tratam-se de cláusulas pétreas, ou seja, aquelas que não podem ser removidas, nem por emenda[5], muito menos por medidas provisórias. Há uma limitação material explícita e implícita ao Poder Reformador.
Se a Constituição veda, expressamente, a supressão dos direitos e garantias individuais, claro está que a supressão das funções do Ministério Público, através da criação de um órgão que fará o que ele faz, impedindo-o de ter acesso, de imediato, as investigações que estarão a cargo do mesmo, é atentatória dos direitos e garantias individuais e, por via de conseqüência, as suas nobres funções constitucionais. Se não pode haver emenda a Constituição alterando os direitos e garantias individuais[6], muito menos a famigerada Medida Provisória poderá fazê-lo.
Carl Schmitt prelecionando a cerca dos limites de reforma da Constituição, em sua preciosa obra, afirma que:
Los órganos competentes para acordar una ley de reforma de la constitución no se convierten en titular o sujeto del Poder constituyente. Tampoco están comisionados para o el ejercicio permanente de este Poder constituyente; por tanto, no son una especie de Asamblea nacional constituyente com dictadura soberana, que siempre subsiste en estado de latencia.[7]
Em outras palavras: se o próprio parlamento brasileiro não está autorizado a proceder a uma reforma constitucional limitando os poderes funcionais do Ministério Público, o Chefe do Executivo Federal não poderá agir assim pelas mesmas razões. Por amor a hermenêutica se quem pode o mais (Poder Constituinte Derivado[8]) não pode fazê-lo, quem só pode o menos (Medida Provisória) muito menos.
II - INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E O PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. É cediço que a Constituição da República quando assegura ao Ministério Público a garantia da independência funcional e o princípio do Promotor Natural o faz em nome da sociedade e não da pessoa física do membro do Ministério Público. Independência funcional é a liberdade de agir, dentro dos exatos limites da Constituição, por parte do membro do Ministério Público não estando sujeito a nenhuma ingerência interna ou externa por parte de quem quer que seja. A hierarquia administrativa que vincula os membros da instituição à Chefia não significa subordinação funcional. O Procurador Geral tem a chefia da instituição, porém não possui ingerência sobre nenhum membro da instituição, bem como também, as demais autoridades integrantes dos demais poderes (Presidente da República, Ministros de Estado ou dos Tribunais superiores, Governadores e etc.). Deve haver perfeito entrosamento entre todos, porém sem ingerência entre um e outro para que haja respeito ao princípio da independência e harmonia dos poderes.
Alberto Binder[9], em seu magistério, deixa consignado quando trata da independência dos juízes, com inteira aplicação aos membros do Ministério Público, que:
La independencia de los jueces no es una prerrogativa profesional. Se trata, en realidad, de que los ciudadanos, sujetos pasivos de la administración de justicia, tengan la garantía de que la persona que va a administrar algo de tan graves consecuencias como el poder penal del Estado, actúe com total libertad y sin estar sometido a presiones. No hay que olvidar que es una garantía prevista en favor de los ciudadanos y no en favor de los jueces.
O Promotor natural é aquele que tem, previamente, sua atribuição delimitada em lei e independente no exercício de suas funções gozando do atributo constitucional da inamovibilidade.
O Promotor Natural é o garantismo constitucional de toda e qualquer pessoa (física ou jurídica) ter um órgão de execução do Ministério Público com suas atribuições previamente estabelecidas em lei, a fim de se evitar o chamado Promotor de encomenda para esse ou aquele caso. O princípio existe muito mais em nome da sociedade do que propriamente da pessoa física do Promotor de Justiça (ou Procurador da República), pois, na verdade, exige-se, dentro de um Estado Democrático de Direito, que a atuação dos órgãos do Estado seja pautada pelos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade (cf. art. 37, caput, da CRFB) não sendo admissível que os atos sejam praticados pelo Ministério Público com interferência de terceiros em afronta ao Devido Processo Legal.
Na medida em que se tenta subtrair da ação do Ministério Público atos lesivos ao patrimônio público entregando a apuração dos mesmos também à Corregedoria Geral da União, com um caráter de filtragem, para posterior remessa ao Parquet, afronta a Constituição da República.
Na medida em que se permite investigação criminal pela Corregedoria Geral da União se usurpam as funções não só do Ministério Público, mas também, principalmente, da Polícia Federal.
Perguntar-se-à: Com que objetivo se cria tal Corregedoria?
Primeiro, com o nítido objetivo de se impedir a criação de uma "CPI da Corrupção" no Congresso Nacional evitando mais desgastes para o Governo Federal que, nos últimos anos, foi alvo de toda sorte de atos lesivos aos cofres públicos com notícias de corrupção e escândalos entre seus membros, porém sem nenhuma medida punitiva, assegurando a permanência do Príncipe no Poder.
Segundo, impedir a atuação do Ministério Público que, independente e com alguns Procuradores e/ou Promotores destemidos e imbuídos do espírito de justiça, deu início a um processo de moralização pública no País incomodando a um determinado grupo de políticos e empresários que utilizam os cargos que ocupam para se locupletarem ilicitamente.
Não tenho dúvidas de que o Ministério Público ainda tem muito há fazer para cumprir com todas as suas funções constitucionais. Na verdade, muita das mazelas que assolam o País é culpa, em parte, do Ministério Público que se esconde atrás da arrogância institucional e de seus interesses pessoais[10], descompromissado dos verdadeiros interesses sociais. A acomodação institucional gera uma injustiça no âmbito social. A famigerada ação penal tem, normalmente, no seu polo passivo "três sujeitos processuais": o preto, o pobre e a prostituta. Esses são facilmente condenados e o Ministério Público se vangloria desse sucesso.
Não há mais espaço, dentro do Estado Democrático de Direito, para satisfação por parte do Ministério Público em condenar o réu. A condenação é medida de caráter excepcional e não regra. Condenação é a consagração do sistema capitalista - desigual que se instalou no País e no mundo. A coroação da injustiça social que deve e pode ser solucionada pelo Ministério Público em perfeita união com a Magistratura, sem que ambos percam sua independência. Mas devo reconhecer que a vaidade que impera em ambas as instituições impede esse avanço social.
Enquanto o Ministério Público está preocupado com os sujeitos processuais que acima citei, um Senador da República nega veementemente sua participação na quebra de sigilo do painel eletrônico do Senado desafiando quem quer que seja provar o contrário. No dia seguinte confessa perante as câmeras de televisão que mentiu para a Nação e que, portanto, violou o painel de votação eletrônica do Senado tendo acesso a informações protegidas pelo sigilo, inclusive chorando dizendo que quer voltar a dormir em paz[11]. Quem está errado? O Senador ou o Ministério Público (e/ou Judiciário)? Claro que é o Ministério Público (e/ou Judiciário). O Senador, pertencendo ao governo que pertence e sendo seu líder, não poderia ter agido de forma diferente. Já o Ministério Público (e/ou Judiciário) encontra-se preocupado se o réu tem ou não direito a suspensão condicional do processo nesse ou naquele caso, portanto, nas infrações penais de médio potencial ofensivo. Se o furto é mediante fraude ou mediante destreza. Se o artigo 32 da LCP foi ou não revogado pelo artigo 309 da Lei 9.503/97. Enfim... está na contra mão de direção da sociedade. A sociedade está a procura de justiça social, o Ministério Público em sentido inverso.
Há que se refletir sobre o verdadeiro papel do Ministério Público na sociedade hodierna a luz da Constituição da República.
O Executivo e o Legislativo não estão cumprindo seu papel constitucional e, portanto, devem ser substituídos por decisões judiciais justas provocadas pelo Ministério Público, sem que haja quebra da independência e harmonia entre os poderes. Esta independência visa a assegurar a consecução do bem comum, do interesse público e não a interesses pessoais. O Judiciário passa a ser assim a última e única porta de socorro à sociedade na qual a mesma pode bater pleiteando seus direitos.
III ATO DO PRÍNCIPE: MEDIDA PROVISÓRIA. A Constituição da República, promulgada em cinco de outubro de 1988, expurgou do ordenamento jurídico vigente a época, a famigerada figura do Decreto - Lei que dava poderes, limitados, ao Presidente da República para tratar de matérias que versassem sobre segurança nacional; finanças públicas, inclusive normas tributárias e criação de cargos públicos e fixação de vencimentos, em caso de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não houvesse aumento de despesa[12]. Percebe-se que havia restrição ao uso do Decreto - Lei quanto a matéria que poderia ser tratada no mesmo, não obstante traduzir-se, da mesma forma que a Medida Provisória, em um verdadeiro Ato do Príncipe. O que significa dizer: são medidas típicas de um regime autoritário, ou de um disfarçado regime democrático, mas sempre colocadas nas mãos do Príncipe para que ele possa manipular o exercício do Poder em proveito próprio e/ou de seus apadrinhados políticos.
Ivo Dantas preleciona em sua obra que:
Só a fobia pela expressão decreto- lei e a vontade de ocultar a verdadeira face do novo instituto trazido à Constituição, justificaram a substituição da primeira e tradicional expressão do nosso constitucionalismo (Decreto - Lei) por esta outra (Medidas Provisórias), cujos aspectos negativos, em razão dos poderes, aparentemente ilimitados conferidos ao Presidente da República, são, muitas vezes piores do que aqueles permitidos pelo Decreto - Lei[13].
A Medida Provisória, segundo o texto constitucional[14], tem como pressupostos específicos a relevância e urgência. Portanto, se não houver os dois pressupostos exigidos pelo legislador constituinte o ato será eivado do vício da inconstitucionalidade. Trata-se da conjunção aditiva e e não da alternativa ou. Nesse caso, os dois pressupostos exigem presença simultânea. O Presidente da República não está impedido de aumentar despesas com a edição das Medidas Provisórias o que não ocorria com o Decreto - Lei. Neste, seu poder era limitado.
O âmbito de incidência das Medidas Provisórias não é limitado, expressamente, pelo legislador constituinte, o que faz o Presidente da República entender que está autorizado a expedi-las sobre qualquer matéria. Entretanto, entendo que as matérias que podem ser objeto de discussão, debates e votação perante as duas Casas Legislativas por não estarem açambarcadas pelos pressupostos da relevância e urgência, refogem do âmbito de incidência das Medidas Provisórias. Há uma limitação material implícita no próprio processo legislativo estabelecido pela Constituição.
Relevante é tudo aquilo que é importante, imprescindível, proeminente, essencial, exigível ou fundamental para os interesses da sociedade, razão pela qual esta entregou ao Chefe do Executivo, através do Poder constituinte, a legitimidade para editá-las. A relevância assim deve vincular-se à realização dos interesses sociais, ao interesse público[15] e não aos interesses do Príncipe e da sua Corte.
A urgência qualifica o momento e define o tempo de exercício de uma determinada competência fazendo surgir o perigo de dano se a medida não for adotada[16]. Trata-se de um periculum in mora. Nesse caso, haverá urgência se a medida a ser adotada não puder sê-lo em outra oportunidade, em outro momento, em outro tempo. O que significa dizer: se o que se quer atingir, para os fins sociais, não puder aguardar o ordinário processo legislativo previsto no art. 59 da Constituição da República, a Medida Provisória é o ato cautelar legislativo condicional[17] que deve lançar mão o Presidente da República para atender ao interesse público. Do contrário, ausente seus pressupostos (relevância e urgência), a Medida Provisória será inconstitucional e o Judiciário, se provocado for, não poderá deixar de reconhecer sua inconstitucionalidade.
Ressalta-se ainda que como todo ato jurídico a Medida Provisória tem seus requisitos genéricos, quais sejam: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita e não defesa em lei[18]. O objeto é definido nas sábias palavras do colega do Ministério Público Fluminense e eterno mestre, Dr. José dos Santos Carvalho Filho, como:
A alteração no mundo jurídico que o ato administrativo se propõe a processar. Significa, como informa o próprio termo, o objetivo imediato da vontade exteriorizada pelo ato, a proposta, enfim, do agente que manifestou a vontade com vista a determinado alvo.
Pode o objeto do ato administrativo consistir na aquisição, no resguardo, na transferência, na modificação, na extinção, ou na declaração de direitos, conforme o fim a que a vontade se preordenar[19].
Claro está que a Medida provisória quando concede poderes à Corregedoria Geral da União para praticar atos investigatórios de ilícitos penais e civis lesivos ao patrimônio público, fere a atribuição constitucional do Ministério Público e da Polícia Federal com nítida intenção de enfraquecer o papel desempenhado pelo Parquet. Pretende-se criar um filtro das denúncias sobre corrupção no âmbito federal para, após a análise da irregularidades, remeter o que se "entender cabível" aos órgãos competentes[20].
Ademais, há que se ressaltar que todo ato jurídico praticado no âmbito da administração pública deve sê-lo imbuído de determinada finalidade, o que significa dizer: voltado para a consecução do interesse público, do interesse social. O administrador, de bens públicos, não pode praticar seus atos visando a interesses privados, de particulares de uma pequena Corte. Sua função é a consecução do bem comum. Na medida em que o ato (Medida Provisória) é realizado sem atender a sua primária finalidade e, conseqüentemente, com ausência de seus pressupostos constitucionais específicos (relevância e urgência), há uma tredestinação, ou seja, desvio de finalidade, verdadeiro abuso de poder que deve ser punido com a sanção da inconstitucionalidade.
O princípio da finalidade é inerente a própria formação da Constituição que além de ser um documento jurídico fundamental de um País é também um instrumento de governo e uma Carta que expressa os sentimentos, os desejos e os valores de um povo.
Gregorio Badeni, professor titular de Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires, deixa consignado em sua obra[21] que:
Toda constitución responde a una finalidad, en la medida en que sociedad se integra para alcanzar un objetivo determinado. (...) Es así que la constitución, además de organizar, debe reflejar en su texto la finalidad perseguida por la sociedad que regula y el plan de acción que deberán ejecutar los detentadores del poder para satisfazer las necessidades que condujeram a la integración social.
Prossegue o mesmo autor deixando claro que a sociedade deve ver atendidos seus objetivos sociais através dos postulados constitucionais que consagrou com a delegação do Poder Constituinte. Continua o mestre:
Toda constitución debe tener una finalidad que, en definitiva, será la proyección jurídica del objetivo personalista o transpersonalista que impulsa el movimiento social.
Em síntese, a Medida Provisória colocada nas mãos do Chefe do Executivo deve ser editada para atender aos fins sociais.
V - CONCLUSÃO Postas as considerações acima, entendo que a Medida Provisória que altera a Lei 9649/98 é inconstitucional por não atender aos seus pressupostos específicos, quais sejam: a relevância e urgência.
É perfeitamente possível alteração de qualquer lei ordinária, desde que pelo processo legislativo próprio previsto no art. 59 da CRFB. Entretanto, se houver, em nome do interesse público, relevância e urgência, na sua alteração, a Medida Provisória é a providência cautelar colocada nas mãos do Chefe do Executivo Federal para atender ao bem comum.
A Medida Provisória é o bote de salvação da sociedade, diante do naufrágio legislativo, que o Chefe do Executivo Federal lança ao mar para atender aos interesses sociais face a uma situação atual de perigo.
Trata-se de medida a ser adotada em caráter excepcional e não ordinário. O Chefe do Executivo não pode subtrair as funções dos demais poderes com a edição reiterada de Medidas Provisórias. Governar o País através de Medida Provisória é fechar, por via oblíqua, o Congresso Nacional quebrando a independência e harmonia entre os Poderes desestabilizando o regime democrático conquistado, aos poucos e as duras penas com derramamento de muito sangue, pelo povo brasileiro durante as últimas décadas.
O Ministério Público, alçado ao patamar de instituição essencial a função jurisdicional (art. 127, caput, da CRFB) não pode se quedar inerte diante desses atos, em especial quando se quer afastá-lo da persecução penal. Nem na época da ditadura, que inclusive, nesse ponto, era mais honesta, houve tamanha desfaçatez. Naquela época o Dr. Hélio Pereira Bicudo[22] sofreu todas as investidas por parte do regime militar, porém o período era totalitário: aquelas eram as regras do jogo[23]. Hoje não se justifica tal comportamento.
A persecução penal deve ser exercida pelo Ministério Público com o auxílio direto da polícia que não pode ter suas funções subtraídas por um ato manu militari, como se estivéssemos na época da ditadura em que a polícia era seu braço direito. Ou será que estamos e não percebemos? Será que por trás da cortina do Estado Constitucional Democrático de Direito há um ditador travestido de democrata com o escuso objetivo de proteger a sua Corte? Será que a "Constituição Cidadã" é apenas uma folha de papel, como dizia Ferdinand de Lassalle[24], sem corresponder a Constituição real?
Com a palavra, a sociedade civil !!!!
[1] MP nº 2143-31, de 02 de abril de 2001.
[2] Cf. arts. 127, §1º c/c 128, §5º, I, ambos da CRFB
[3] Lei 9649/98 -
"Art. 1o (...)
§ 1o Integram a Presidência da República como órgãos de assessoramento imediato ao Presidente da República:
(...)
§ 3o Integram ainda a Presidência da República:
I - a Corregedoria-Geral da União;
[4] Loïc Wacquant. AS PRISÕES DA MISÉRIA. 1 edição. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1999. P. 7.
[5] Cf. art. 60, §4º da CRFB.
[6] Cf. art. 60, §4º, IV c/c art. 127, caput, ambos da CRFB.
[7] TEORÍA DE LA CONSTITUCIÓN. 1 edição 2 reimpressão, Madrid, Alianza Universidad Textos, 1996, 119.
[8] Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho é aquele que retira sua força do Poder constituinte originário. Portanto, é um poder subordinado limitado pelas regras de fundo estabelecidas pelo Poder constituinte originário. É também condicionado porque está sujeito as regras de forma estabelecidas pelo Poder constituinte originário (O Poder Constituinte. 3 edição, São Paulo, Saraiva, 1999, 112).
[9] Introducción Al Derecho Procesal Penal. 1 edição, Buenos Aires, Ad Hoc, 1993, p. 149.
[10] É crível, embora perfeitamente lícito, a luta, interna corporis, por aumento de salário fazendo com que se negocie frente aos Poderes Executivo e Legislativo para que a categoria receba, via lei complementar ou qualquer outro ato normativo, uma maior remuneração. Não nego nem desconheço a real defasagem salarial, mas que é de todo o funcionalismo público e não só da Magistratura e do Ministério Público. Não pode nem deve haver privilégios. Nesse caso, se tivermos que pagar caro, em nome da sociedade, para exercermos nossas prerrogativas e deveres constitucionais, que assim o seja. É o nosso ônus. Do contrário, estaremos sempre nas mãos dos políticos e, conseqüentemente, sem a verdadeira independência funcional de que precisamos.
[11] Jornal "O GLOBO" de 24 de abril de 2001, "O PAÍS", p. 03.
[12] Art. 55 da CRFB de 24/01/67 com a Emenda nº 1 de 17/10/69.
[13] MEDIDAS PROVISÓRIAS. 1 edição, Nossa Livraria, 1991, p. 57.
[14] Art. 62 da CRFB - Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.
Parágrafo único - As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.
[15] Clémerson Merlin Cléve. ATIVIDADE LEGISLATIVA DO PODER EXECUTIVO. 2 edição, São Paulo, RT, 2000, p. 173.
[16] Clémerson Merlin Cléve. Ob. cit. p. 176.
[17] Entendo ser essa a natureza jurídica da Medida Provisória, não obstante conhecer a controvérsia doutrinária a cerca do assunto. Para tanto remeto o leitor interessado na matéria para as obras de: Marco Aurélio Greco. MEDIDAS PROVISÓRIAS. São Paulo, RT, 1991, p. 9 onde o autor diz ser um ato administrativo com força de lei; Sérgio Andrea Ferreira, Medida Provisória: :natureza jurídica, RTDP, São Paulo, nº1, 1993, p. 151 onde o autor diz tratar-se de um ato de governo; Saulo Ramos. Medida Provisória, A nova Ordem constitucional - aspectos polêmicos, Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 530 onde o autor diz tratar-se de um poder de cautela legislativa e; Pontes de Miranda. Comentários a Constituição de 1967, 2 edição, São Paulo, RT, 1979, t. III, p. 141-142 onde o autor referindo-se ao Decreto- Lei diz tratar-se de uma lei sob condição resolutiva.
[18] Art. 82 do Código Civil - A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145) (no original sem remissão).
[19] DIREITO ADMINISTRATIVO. 4 edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1999, p. 70.
[20] Lei 9649/98 com a MP nº 2143-31, de 02/04/01 - "Art. 14 -A. À Corregedoria-Geral da União, no exercício de sua competência, cabe dar o devido andamento às representações ou denúncias fundamentadas que receber, relativas a lesão, ou ameaça de lesão, ao patrimônio público, velando por seu integral deslinde.
§ 1o À Corregedoria-Geral da União, por seu titular, sempre que constatar omissão da autoridade competente, cumpre requisitar a instauração de sindicância, procedimentos e processos administrativos outros, e avocar aqueles já em curso em órgão ou entidade da Administração Pública Federal, para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível.
§ 2o Cumpre à Corregedoria-Geral da União, na hipótese do parágrafo anterior, instaurar sindicância ou processo administrativo ou, conforme o caso, representar ao Presidente da República para apurar a omissão das autoridades responsáveis.
§ 3o A Corregedoria-Geral da União encaminhará à Advocacia-Geral da União os casos que configurem improbidade administrativa e todos quantos recomendem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento ao erário e outras providências a cargo daquela Instituição, bem assim provocará, sempre que necessária, a atuação do Tribunal de Contas da União, da Secretaria da Receita Federal, dos órgãos do Sistema Federal de Controle Interno e, quando houver indícios de responsabilidade penal, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive quanto a representações ou denúncias que se afigurarem manifestamente caluniosas (sem grifos no original).
[21] Instituciones de Derecho Constitucional. Primeira reimpressão da 1 edição, Buenos Aires, Ad Hoc, 2000, p. 101/102.
[22] Confronte a obra de Hélio Pereira Bicudo. MEU DEPOIMENTO SOBRE O ESQUADRÃO DA MORTE. 2 edição, São Paulo, Pontifícia Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, onde autor narra suas investidas contra o "Esquadrão da Morte" e, ao mesmo tempo, contra o regime militar que apoiava a ação dos grupos de extermínios. Livro que entre outros fatos mostra a elaboração da Lei Fleury.
[23] O leitor deve consultar na íntegra o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968 onde foram suprimidos direitos e garantias fundamentais.
[24] Dizia Lassalle: "Onde a Constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país". A Essência da Constituição, 4 edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1998, p. 47.
Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, titular do II Tribunal do Júri da Comarca da Capital. Mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professor Adjunto de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Professor Adjunto de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade do Cândido Mendes - Centro. Expositor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Lecionou nos cursos de Especialização e Pós Graduação da Faculdade de Direito de Vitória - ES; Curso de Pós Graduação da Universidade Católica de Petrópolis - UCP. Professor de processo penal do curso de Especialização em Ciências Criminais da Faculdade Jorge Amado- BA e do JuspodiVm. Atualmente é professor do Centro de Estudos, Pesquisa e Atuação em Direito - CEPAD - na cidade do Rio de Janeiro. Autor de diversos artigos de doutrina publicados em sites e revistas jurídicas. Proprietário da home page: www.direitodeliberdade.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RANGEL, Paulo. Ato do príncipe Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2008, 09:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16269/ato-do-principe. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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