Sumário: 1. Introdução e evolução histórica. 2. Como era o interrogatório na vigência do antigo art. 185 do Código de Processo Penal. 3. Como ficou o novo art. 185 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.900, de 8.1.2009. 4. A utilização da videoconferência para interrogatório policial e colheitas de outras provas. 5. A desnecessidade da formalização dos atos em papel, para instruir a ação penal ou o inquérito policial. 6. Conclusão.
1. Introdução e evolução histórica.
Muito já se discutiu sobre a possibilidade da realização do interrogatório on line no processo penal brasileiro, fato que culminou com a elaboração da Lei n. 11.900 de 8 de janeiro de 2009, objeto de análise no presente trabalho.
A história do interrogatório à distância teve inicio em 1996, quando um magistrado de Campinas/SP, realizou o primeiro interrogatório sem a presença física do réu em sala de audiência, por meio da teleconferência, onde o acusado ficou conectado aos demais atores processuais, ouvindo-se apenas as vozes[1].
Este tipo de teleconferência já era utilizada por inúmeras empresas privadas, tendo em vista a variedade de vantagens que podem trazer, sendo que com a evolução tecnológica, a moda é videoconferência, que pode ser realizada via cabo de rede, via telefone, via telefonia celular, via satélite, via internet (MSN, skype, entre outros), etc.
Apenas para se ter uma idéia da evolução tecnologia nos meios de comunicações, diariamente assistimos noticiários televisivos, cujos repórteres encontram-se em outros países e suas imagens são exibidas ao vivo, demonstrando-se que não nenhuma perda da imagem e da voz, apenas um pequeno retardo, que não influencia na interpretação das palavras ou gestos do interlocutor.
Neste diapasão, com o intuito de suprir a lacuna legislativa, foram editadas leis estaduais, como a Lei n. 11.819/2005, de São Paulo, a Lei n. 4.554/2005, do Rio de Janeiro e a Lei n. 7.177/2002, da Paraíba, que previam a possibilidade de realização de interrogatórios à distância, através de videoconferência.
O ocorre que isso passou a ser alvo de críticas (e ainda é) pelos “operadores do direito” e pelos meios midiáticos. Algumas críticas positivas e outras de cunho negativo.
ROMULO ANDRADE MOREIRA[2], TOURINHO FILHO[3], HELIO TORNAGHI[4], entre outros, são contra o interrogatório a distância sob os seguintes argumentos:
a) Ratificação pelo Brasil do Tratado internacional denominado Pacto Internacional dos direitos Civis e Políticos e Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os quais dispõe sobre a necessidade do contato pessoal do juiz com o réu.
b) Afetaria o devido processo legal, visto que não havia, até então lei processual prevendo o interrogatório por videoconferência.
Com tais argumentos, o , o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça manifestou-se oficialmente contrariamente ao teleinterrogatório no Brasil. A Resolução n. 5, de 30 de setembro de 2002, fundada nos pareceres dos conselheiros Ana Sofia Schmidt de Oliveira e Carlos Weis, rejeitou a proposta de realização de teledepoimentos de réus, consubstanciada na Portaria n. 15/2002, mesmo para a ouvida de presos considerados perigosos[5].
Os que eram favoráveis rebatiam com argumentações no sentido de que o interrogatório on line poderia, entre outras:
a) Evitar deslocamentos de réus, peritos, testemunhas e vítimas a grandes distâncias, com economia de tempo e recursos materiais;
b) Evitar o cancelamento de audiências em função de características particulares (pessoais e profissionais) das testemunhas, como, p.ex., enfermidades;
c) Aumentar a segurança pública, diminuindo o risco de fugas e de resgate de presos perigosos;
d) Economizar recursos públicos hoje empregados na escolta e no transporte de presos;
e) Permitir que policiais civis, militares e federais e também agentes penitenciários atuem em outras missões de segurança pública e de investigação, sem perda de tempo útil em escoltas;
f) Acelera a tramitação dos feitos judiciais, eliminando cartas precatórias, cartas rogatórias e cartas de ordem;
g) Pouparia o trabalho de juízes deprecados e rogados e de seus auxiliares;
h) Facilita a obtenção de prova em tratados de cooperação internacional;
Veja que os argumentos favoráveis são muito mais convincentes do que os contrários ao interrogatório por videoconferência. Ademais, não há na Constituição Federal, dispositivo que venha proibir o interrogatório on line, apenas que ela garante, entre outros:
a) Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV); (negritei)
b) O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial (art. 5º, LXIV). (negritei)
Ressalte-se que o interrogatório através de videoconferência tem ainda o condão de deixar tudo registrado em sistema audiovisual, o que poderia ser utilizado em substituição ao interrogatório escrito, economizando-se papel, tinta, doenças relacionadas à digitação, entre outras economias. Além disso, os depoimentos captados e armazenados em mídia, registra o tom da voz, a forma como a pessoa se expressa, os gestos que podem enfatizar as suas palavras, entre outras manifestações corporais, que não podem ser reproduzidos no interrogatório escrito, especialmente naqueles produzidos através de carta precatória, por autoridade judiciária ou policial estranho ao procedimento criminal.
Segundo Alan e Barbara Pease, autores do livro Desvendando os Segredos da Linguagem Corporal, 93% da comunicação humana é feita através de expressões faciais e movimentos do corpo. O interrogatório on line poderia demonstrar a frieza com que um criminoso narra detalhes do crime, ou mesmo como uma criança, que tem comunicação pobre, relata timidamente que foi vítima de abuso sexual na própria casa. Além disso, pode servir para que uma vítima de estupro, que muitas vezes não consegue enxergar a face do autor do crime, consiga reconhecer o criminoso pela maneira em que fala e gesticula, bem como pelo tom da voz.
O Código de Processo Penal na sua redação original não previu essa possibilidade de interrogatório à distância, pois naquela época não se tinha idéia da crescente criminalidade, da evolução tecnológica, sendo que é sabido que as leis brasileiras sempre são elaboradas após os acontecimentos.
Assim, tenho que mesmo antes da Lei 11.900/09, seria cabível o interrogatório através de videoconferência.
Mas não foi esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal quando decidiu no HC. N. 88.914-SP, (14.08.2007), que através da sua segunda turma, relator Ministro César Peluso, se posicionou pela inadmissibilidade do interrogatório por vídeo conferência, senão vejamos:
AÇÃO PENAL. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu preso, apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório. Forma do ato determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º, LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192, § único, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu.
Observa-se que a decisão acima não se restringiu ao interrogatório por videoconferência, mas também pela falta de motivação para sua realização, bem como a falta de citação do réu, o que por si só ensejaria a nulidade do ato.
O Superior Tribunal de Justiça por sua vez, se manifestou no seguinte sentido:
PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ROUBO CIRCUNSTANCIADO – INTERROGATÓRIO REALIZADO POR MEIO DE VIDEOCONFERÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE – VÍCIO INSANÁVEL – NULIDADE – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – LESÃO PARCIAL AO DIREITO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA – ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR O PROCESSO DESDE O INTERROGATÓRIO, INCLUSIVE, PERMITINDO AO PACIENTE RESPONDER SOLTO À SUA RENOVAÇÃO.
PREJUDICADOS OS DEMAIS PEDIDOS.
1- O interrogatório é a peça mais importante do processo penal, pois constitui a oportunidade que o réu tem de expor àquele que irá julgá-lo a sua versão dos fatos, pessoalmente, se autodefendendo.
Daí, não se poder afastar o homem-acusado dos Tribunais.
2- O interrogatório realizado por meio de videoconferência é um limite à garantia constitucional da ampla defesa.
3- O nosso ordenamento jurídico não contempla a modalidade de interrogatório por meio de videoconferência.
4- Ordem concedida para anular o processo desde o interrogatório, inclusive, permitindo ao paciente responder solto à sua renovação.
Prejudicados os demais pedidos.
(HC 102.440/SP, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2008, DJe 23/06/2008)
Em outra ocasião, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou favorável ao interrogatório, especialmente porque o acusado, no momento do ato, estava acompanhado de um defensor ao seu lado, enquanto que outro defensor estava acompanhando os atos processuais em juízo, senão vejamos:
HABEAS CORPUS. ROUBO TENTADO. INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA.
NULIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
1. A estipulação do sistema de videoconferência para interrogatório do réu não ofende as garantias constitucionais do réu, o qual, na hipótese, conta com o auxílio de dois defensores, um na sala de audiência e outro no presídio.
2. A declaração de nulidade, na presente hipótese, depende da demonstração do efetivo prejuízo, o qual não restou evidenciado.
3. Ordem denegada.
(HC 76.046/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 10/05/2007, DJ 28/05/2007 p. 380)
Dito isso, façamos uma análise dos antigos dispositivos do art. 185, do Código de Processo Penal, comparando-os com as alterações promovidas pela Lei em estudo.
2. Como era o interrogatório na vigência do antigo art. 185 do Código de Processo Penal.
Na redação anterior do art. 185 do CPP, não havia previsão legal para realização do interrogatório por videoconferência, o que tornava alguns casos intermináveis, especialmente nas hipóteses de réus de alta periculosidade.
O legislador previu três formas de interrogatório: a) aquele em que o réu deveria comparecer espontaneamente em juízo, na presença do seu defensor constituído ou nomeado (caput do art. 185), normalmente tratando-se de réu solto; b) aquele em que o interrogatório do réu era feito no estabelecimento prisional onde o réu encontrava-se preso, o qual era realizado em sala própria, assegurando-se as medidas necessárias para garantir a segurança do juiz, auxiliares, defensores, bem como garantindo-se a publicidade dos atos. Essa modalidade raramente era utilizada, por vários motivos, entre eles a dificuldade de deslocamento de todo aparato judicial ao estabelecimento prisional e a falta de estrutura dos estabelecimentos; c) A última forma, que não estava previsto no art. 185, do Código de Processo Penal, e que acabava sendo a regra, era o interrogatório em juízo, no fórum, em que o réu era requisitado e apresentado em uma audiência para essa finalidade. Essa era a forma mais dispendiosa, pois exigia-se do Estado o deslocamento de todo um aparato policial, afim de escoltar o acusado à presença do seu julgador, o quais muitas vezes, faziam uso do seu direito constitucional de permanecer em silêncio. Vejamos o antigo artigo 185 do Código de Processo Penal:
Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.
§ 1º O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal.
§ 2º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.
3. Como ficou o novo art. 185 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº11.900, de 8.1.2009 e suas possíveis conseqüências.
Com a nova redação do art. 185, o legislador disponibiliza expressamente a possibilidade de realização de quatro formas de interrogatório, as três já existente, e o interrogatório por videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o qual nos termos do § 2º, deverá ocorrer somente em situações excepcionais.
Para realização do interrogatório por videoconferência, o legislador exigiu os seguintes requisitos: a) prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; b) viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; c) impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 do CPP[6] e d) responder à gravíssima questão de ordem pública.
Infelizmente não definiu o que venha a ser “gravíssima questão de ordem pública”, sendo que esta será a brecha para se quebrar a excepcionalidade do interrogatório por vide conferência, autorizando os magistrados tornar o interrogatório de réus presos a regra, pois “gravíssima questão de ordem pública” é uma expressão subjetiva, o que pode ser grava para um não é grave para outros.
Por outro lado o § 3º do art. 185, determina que em casos de interrogatório por videoconferência, deverá as partes (acusação e defesa) serem intimadas com 10 (dez) dias de antecedência, garantindo-se, no § 4º, ao preso (acusado) o acompanhamento, pelo sistema tecnológico, da realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os art. 400, 411 e 531, quais sejam:
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 1o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2o As provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 3o Encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 4o As alegações serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez). (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 5o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a acusação e a defesa de cada um deles será individual. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 6o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 7o Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 8o A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 9o Encerrados os debates, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
Qualquer que seja a modalidade de interrogatório adotado, nos termos do § 5º do art. 185, o juiz deverá garantir ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor, sendo que nos casos de interrogatório por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso. ‘
Neste ponto, chamo a atenção para as hipóteses em que os acusados sem advogados estejam fazendo uso da Defensoria Pública. Será que o Estado irá implementar (ou determinar, garantindo-se a segurança necessária, bem como o deslocamento) o atendimento dos defensores públicos nos estabelecimentos prisionais? Sabe-se que a estrutura da Defensoria pública no país é precária, sendo certo que, nestes casos haverá prejuízo, e certamente o aumento de recursos criminais.
Ressalte-se que tanto a sala reservada no estabelecimento para realização dos atos processuais, quanto o próprio sistema de videoconferência, será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pela Ordem dos Advogados do Brasil (art. 185, § 6º, CPP). Isso é importante, porque inibe a possibilidade da entrevista com o advogado ser monitorada de alguma forma.
Segue a integra do art. 185, com suas alterações providas pela Lei nº 11.900/09:
Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)
§ 1o O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato. (Redação dada pela Lei nº 11.900, de 2009)
§ 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: (Redação dada pela Lei nº 11.900, de 2009)
I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
IV - responder à gravíssima questão de ordem pública. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
§ 3o Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
§ 4o Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
§ 5o Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
§ 6o A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
§ 7o Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1o e 2o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
§ 8 º Aplica-se o disposto nos §§ 2o, 3o, 4o e 5o deste artigo, no que couber, à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
§ 9º Na hipótese do § 8o deste artigo, fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
Veja que o legislador, sabiamente, no § 8º, previu a possibilidade da utilização da videoconferência no âmbito policial, quando da colheita da prova (interrogatório policial, acareação, reconhecimento de pessoas, coisas, inquirição de testemunhas e até mesmo a tomada de declarações do ofendido, dos quais passaremos a discorrer.
4. A utilização da videoconferência para interrogatório policial e colheitas de outras provas.
O processo penal comporta duas fases, a investigatória (extrajudicial, em regra reproduzida em um inquérito policial) e postulatória (judicial - reproduzida em uma ação penal).
O interrogatório policial segue a mesma linha de raciocínio do interrogatório judicial, ou seja, o indiciado, será interrogado pela autoridade policial, que fará uso, no que couber, dos dispositivos previstos no art. 185, do Código de Processo Penal. Isto porque o art. 6º do CPP, dispõe que a autoridade policial, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, entre outras, deverá: [...] “V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura.”
Como já sinalizado, o § 8º do art. 185, dispôs expressamente da possibilidade da utilização do sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real durante a investigação policial, ou seja, durante o inquérito policial. Isso foi necessário, visto que o art. 6º do Código de Processo Penal ao tratar da produção de provas (oitiva de testemunhas, reconhecimento de pessoas, acareações) e oitiva do ofendido, não fez remissão ao art. 185 do Código de Processo Penal, o que certamente seria objeto de contestações, caso não houvesse § 8º do art. 185 do mesmo codex.
Ora, se a autoridade policial pode fazer uso do retrato falado, por que não usar uma imagem de videoconferência? Se a autoridade policial pode fazer uso da oitiva de testemunhas, vítimas, participes e co-autores, através de carta precatória, por que não utilizar-se a videoconferência? Assim, não haveria razão para o legislador esquecer os procedimentos policiais que sofrem as mesmas dificuldades enfrentadas pelos procedimentos judiciais.
Ademais, uma oitiva por vídeo conferência trará maiores convicções do que uma oitiva realizada através de Carta Precatória, por outra autoridade policial estranha às investigações. O mesmo se diz em relação ao reconhecimento através da videoconferência, que tem mais força probante do que o reconhecimento por fotografia ou o retrato falado, que é muito comum nos dias atuais.
Chama-nos a atenção o teor do § 9º do art. 185, quando dispõe que: “na hipótese do § 8º deste artigo, fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor”. Primeiramente constata-se um equívoco do legislador ao mencionar “ato processual”, enquanto que o § 8º está se referindo a procedimentos investigatórios, não se tratando de ato processual e sim, ato policial. Em segundo lugar, sabe-se que o inquérito policial é um procedimento inquisitivo, não havendo contraditório, entretanto, o legislador disponibilizou a garantia dos atos realizados por videoconferência, serem acompanhados pelos advogados, com o objetivo exclusivo de garantir a licitude dos atos. O fato de acompanhar o procedimento, não significa que haverá contraditório, não podendo o advogado intervir nos atos privativos da autoridade policial, a exemplo do interrogatório policial acompanhado pelo se defensor.
5. A desnecessidade da formalização dos atos em papel, para instruir a ação penal ou o inquérito policial.
O legislador poderia ter aproveitado a oportunidade e regulamentado a forma em que os atos produzidos através de videoconferência deverão instruir os autos, se deverão ser reduzidos a termo ou se poderão ser armazenados em mídia (CDROM/DVROM e similares).
Parece redundante e improdutivo ter que reproduzir tudo o que foi feito através de vídeo conferência, em papel. Se isso for exigido, estaremos diante de um problema grave, assim como ocorre com as interceptações telefônicas, cujos laudos de degravações levam meses para serem produzidos. Imagine um interrogatório por videoconferência em que o réu resolva confessar com riqueza de detalhes, crimes complexos envolvendo organização criminosa? Certamente serão horas e horas de interrogatório, sendo que a reprodução disso tudo em papel, seria inconveniente, cansativo e dispendioso.
Assim, creio que, apesar do legislador não ter regulamentado o problema, certamente os juízes e as autoridades policiais, deverão optar pela não reprodução dos atos realizados por videoconferência em papel. Até porque que, isso também facilitaria para a defesa. Imagine o advogado ou o defensor público, após ler o interrogatório produzido em papel, ter que confrontar o que está no papel com o que foi gravado na videoconferência?
Felizmente, o Código de Processo Penal sofreu alteração recentemente pela Lei nº 11.719/08, dispondo sobre a gravação em meio magnético, estenotipia, digital ou técnica similar, dos registros ocorridos em audiência, relativo à oitiva de investigado, indiciado, ofendido e testemunhas, a exemplo do § 1º do art. 405, que dispõe:
§ 1o Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 2o No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
Ressalte-se que já existe previsão legal de produção de atos através de meios magnéticos. A Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais, prevê em seu art. 13, § 3º que “ Apenas os atos considerados essenciais serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente, que será inutilizada após o trânsito em julgado da decisão”. (negritei).
Da mesma forma, o procedimento do Tribunal do Júri, art. 475, prevê que:
Art. 475. O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
Parágrafo único. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
Assim, os dispositivos acima mencionados, com exceção do Tribunal do Júri, autorizam que os magistrados ou as autoridades policiais se abstenham –se de determinar a degravação dos interrogatórios e demais oitivas realizadas por videoconferência, juntando-se aos autos, apenas o meio magnético com a gravação do interrogatório, até porque, em processo penal, vige o princípio do prejuízo ( pás de nullité sans grief), reproduzido no art. 563 do CPP, que dispõe: “ nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.
6. Conclusão.
Diante do exposto acima, e em que pese os posicionamentos contrários ao interrogatório por videoconferência, tenho que o legislado foi feliz em regulamentar o instituto, estendendo a sua utilização para outros procedimentos, tais como acareação, oitiva de testemunhas, vítimas, reconhecimento de pessoas etc., visto que os tempos modernos, bem como a evolução da criminalidade, reclamam por tais medidas.
Muito nos alegra, o fato do legislador ter estendido a utilização por videoconferência aos procedimentos policiais, cujas autoridades responsáveis pelas investigações, passam pelos mesmos problemas enfrentados no Judiciário.
Resta agora, não só no âmbito do Poder Judiciário, mas também no Poder Executivo, que o Estado adote as medidas necessárias para a utilização da videoconferência, pois é sabido que em alguns Estados, o sistema prisional, assim como o judicial e o policial encontra-se em precárias condições, não havendo nem papel para reprodução dos atos, quanto mais a implementação de videoconferência.
[1] Edison Aparecido Brandão é juiz criminal em São Paulo e autor do primeiro interrogatório por vídeoconferencia do Brasil. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2004-out-06/videoconferencia_garante_cidadania_populacao_aos_reus. Acesso em: 23 jan 2009.
[2] MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova lei do interrogatório por videoconferência. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 24 jan. 2009. Disponível em: . Acesso em: 24 jan. 2009
[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal, 20ª. ed., São Paulo: Saraiva, vol. 3, 1998, p. 266
[4] Hélio Tornaghi, Compêndio de Processo Penal, Rio de Janeiro: José Konfino, tomo III, 1967, p. 812.
[5] ARAS, Vladimir. Videoconferência no processo penal . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 585, 12 fev. 2005. Disponível em: . Acesso em: 03 fev. 2009
[6] Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. Primeiras linhas sobre a Lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009, que alterou o Código de Processo Penal, possibilitando a realização de interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 mar 2010, 14:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16724/primeiras-linhas-sobre-a-lei-no-11-900-de-8-de-janeiro-de-2009-que-alterou-o-codigo-de-processo-penal-possibilitando-a-realizacao-de-interrogatorio-e-outros-atos-processuais-por-sistema-de-videoconferencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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