Inicialmente, há que se falar o que vem a ser esse processo, denominado pelo legislador, chamado de Revisão Constitucional. A própria Carta Magna, no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, previu a Revisão, nas seguintes palavras “A Revisão Constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral”.
Nesse sentido, o legislador constituinte, previu que após cinco anos da promulgação, se instalaria um poder revisional que seria a “derivação do poder constituinte que o povo faz ao Congresso Nacional, o qual, nessa função, atuará como verdadeira Assembléia Nacional Constituinte”. [1]
Para tanto, havia sido marcado para o dia 05 de outubro de 1993 um plebiscito que veio solicitar à população que escolhesse pelo presidencialismo ou pelo parlamentarismo, assim como pela Monarquia ou pela República.
Considerando, nesse sentido, que houve a aprovação nesse plebiscito pelo presidencialismo e pela república, além da admissão que ocorreram eleições tanto para deputados e para Senadores, esses últimos foram os que ficaram responsáveis pela elaboração da Revisão Constitucional, agindo como poder derivado.
Quando se fala em Poder derivado, cabe invocar que, nas palavras do constitucionalista Alexandre de Moraes, que esse poder
Apresenta as características de derivado, subordinado, condicionado. É derivado porque retira sua força do poder Constituinte originário; subordinado porque se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais não poderá contrariar, sob pena de inconstitucionalidade; e, por fim, condicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição. [2]
Por esse motivo, é possível depreender, que esse poder agirá, de acordo com aquilo que determina o artigo 3º, da ADCT, na nossa Carta Constitucional. E, como previsto, acontecer em um único momento, após cinco anos da promulgação da Constituição.
A propósito, o grande problema que vem sendo debatido pelos constitucionalistas brasileiros é o da admissibilidade ou não da realização de uma nova revisão constitucional. A doutrina é divergente, portanto, ao fim desse texto, o que se quer é comprovar aquilo que o grupo acredita como sendo a mais correta aplicação do dispositivo. De início cabe salientar que para que haja a “ realização de uma revisão constitucional dois requisitos devem ser preenchidos simultaneamente: motivo relevante e impossibilidade de utilização de outra ferramenta legislativa”[3].
POSSIBILIDADE DE UMA NOVA REVISÃO CONSTITUCIONAL
Parte da doutrina constitucionalista brasileira vem admitindo que existe a possibilidade de uma nova Revisão constitucional. A proposta admissão que somente caberia em um único momento, é refutada nas palavras de Nagib Slaibi Filho, quando afirma
Nada impede, contudo, que emenda constitucional ou mesmo a própria revisão constitucional [esse trecho ainda persiste, pois a obra foi escrita antes da primeira Revisão Constitucional] disponha que haja nova revisão constitucional, pois não se interditou, sequer, sequer de emenda tendente a constituir nova revisão constitucional (art. 60, §4º). [4]
Em virtude dessas declarações, para a doutrina defensora da possibilidade, comprova-se que o poder revisional pode ser exercido mais de uma vez, podendo nesse sentido ser solicitado através de Emenda Constitucional.
Porém, não é apenas esse autor que acredita ser possível, vários outros doutrinadores, defendem essa possibilidade, por acreditarem que com o poder Revisional, estar-se-ia possibilitando uma atualização do ordenamento Jurídico, adequando-o às novas realidades que são vislumbradas.
Destaca-se, nesse sentido, as palavras do doutrinador André Luiz Junqueira, quando trata da possibilidade de nova Emenda que traga o Poder Revisional novamente a atuar no âmbito da Carta Magna. Ele afirma que
Rejeitar uma proposta de Revisão Constitucional somente para impedir que haja retrocesso nos direitos e garantias já conquistados é impedir também que a Carta Suprema acompanhe os avanços sociais que ela mesma favorece. Uma nova revisão não contraria nenhum dispositivo constitucional vigente, por conseqüência, uma revisão realizada por assembléia própria instalada mediante emenda constitucional é constitucional. Mesmo cientes da teoria de “cláusulas pétreas implícitas” da mais avançada doutrina constitucionalista que representa a inalterabilidade do Poder de Reforma da Constituição devido às limitações implícitas da própria CF. [5]
Foi observado após a análise de alguns artigos que aproximadamente 6 Propostas de Emenda Constitucional versaram na tentativa de suscitar a Revisão Constitucional, mas não conseguiram lograr êxito. Há ainda muito impedimento nesse sentido, pois não há um consenso convicto se realmente existiria a possibilidade de nova Revisão. Para a doutrina que aqui se enuncia, isso seria absolutamente possível.
É importante também citar aqui o professor, já falecido, Celso Ribeiro Bastos, que, quando falava acerca da Revisão Constitucional, admitia que se pudesse realizar nova Revisão. Este doutrinador afirmava que
Destarte, podemos então simplesmente deixar que a situação piore e vá mais longe, encurtando a vida da nossa Constituição, ou proceder de maneira racional e adaptá-la. Nenhum país vai soçobrar como unidade estatal por apego a um texto constitucional. Sempre que só um puder sobreviver, é o Estado que prevalece, caindo a Constituição.
[...]
É, então, tanto por uma interpretação sistemática da Carta, invocando o princípio da soberania popular, quanto por uma realidade lógica e histórica que não se pode acusar de inconstitucional ou ilegítima a propositura de um novo período revisional fundamentado em consulta popular. [6]
Sem dúvida aqui, se tem as afirmações que serão mais convenientes para a defesa dos pressupostos da doutrina favorável à nova revisão constitucional. Porém, existem argumentos contrários que são mais convincentes. Estes argumentos serão descritos abaixo, pautados também nas argumentações de alguns doutrinadores.
IMPOSSIBILIDADE DE NOVA REVISÃO CONSTITUCIONAL
Destaca-se aqui aquilo que parte da doutrina constitucionalista se pauta, para que afirme que a Revisão Constitucional aconteceu em um único momento, não cabendo, portanto, que venha o Poder de Reforma Constitucional, através das Emendas, reavivem o ideal de que é possível.
Para essa doutrina, fica evidente a constatação que a argumentação de parte da doutrina que é favorável é um tanto falha. Nas palavras do professor Lênio Streck e alguns colegas, seria inadmissível proposta de Emenda que suscitasse esse poder revisional, pois
Se a proposta vingar, seremos a primeira democracia a fazer um haraquiri institucional. Seremos motivo de chacota no mundo todo. Afinal, como explicar à comunidade jurídica mundial que um dos fundamentos da convocação da Assembléia Revisora, para usar as palavras do Relator da Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara Federal, Dep. Michel Temer, é o de que "o poder constituinte é uma ficção"? [7]
Além disso, há um completo equívoco doutrinário ao admitir-se que seria possível abdicar até mesmo das cláusulas pétreas, previstas no §4º da Constituição Federal, por afirmar que não há limitações ao Poder Revisional. O que vale ressaltar é que esse tipo de poder é derivado, como já citado no início, e não como muitos querem defender, como sendo originário. Caso fosse considerado originário, aí sim, poder-se-ia estar falando em abolição de algumas cláusulas pétreas, ou até mesmo inclusão de algumas nesse rol.
Nesse sentido, a parte doutrinária defensora dessa vertente, admite que, por ser derivado deve este estar limitado, portanto, há uma completa inconstitucionalidade aos se defender esse tipo de Revisão.
O professor Lênio, no mesmo artigo, continua enfático, ao delimitar a atuação do Poder reformador da Constituição, em que critica o estabelecimento do poder de Revisão, pois quando trata de uma das propostas que tenta suscitar o Poder de Revisão, afirma que
É preciso deixar claro que a PEC 157, que visa à redução do quorum de três quintos para maioria absoluta, à diminuição dos turnos de votação, bem como à reunião unicameral das Casas Legislativas, enfim, a uma simplificação do processo legislativo de reforma, é inconstitucional, estando sujeita à declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário. Tão inconstitucional que o porteiro do STF deveria declará-la, dispensando-se os Ministros da Corte de apreciar tamanha heresia. [8]
Merece menção, portanto, toda a crítica feita acima, pois há uma identificação ainda maior daquilo que se quer defender como sendo a mais correta aplicação do instituto.
Chama a atenção o poder de crítica desse renomado jurista, pois ele demonstra bem a insatisfação que há por parte dos críticos, com a adoção desse tipo de medida, que fere em muito aquilo que determina o Estado Democrático de Direito. Ele conclui o raciocínio com uma fala que merece ser citada, pois
Numa palavra: não se dissolve um regime democrático porque ser quer fazer outro (como seria esse "outro"?). A Constituição é coisa séria, fruto de uma repactuação ("we the people..."). E nela colocamos cláusulas pétreas e forma especial de elaborar emendas. Portanto, alto lá! Paremos de brincadeiras. Não se pode fazer política e vender falsas ilusões em cima daquilo que é a substância das democracias contemporâneas: o constitucionalismo.
Por isso, os republicanos brasileiros estão convocados para a defesa da Constituição. Se acabarmos com a Constituição – tão festejada como a Constituição cidadã – não poderemos mais falar em direito constitucional. Nunca mais. E, no resto do mundo, quando alguém perguntar a respeito, teremos que ficar calados. E envergonhados. Sim, porque, entre outras coisas, destruímos a tese do poder constituinte. E os estrangeiros dirão: lá vem mais um brasileiro falar de ficções. Afinal, "vêm de país que não é sério". Provavelmente já na alfândega dos aeroportos seremos barrados, para que não contaminemos a teoria constitucional do restante do mundo. Serão construídas barreiras acadêmico-sanitárias para impedir a entrada de juristas brasileiros. E nos restará escrever livros e teses sobre as velhas Ordenações Filipinas ou sobre os decretos leis do regime militar. É o que nos restará a fazer, além de estocar comida. [9]
Por fim, após a análise de todas essas declarações e debate de conceitos acerca do que vem a ser Poder revisional, com todos os apontamentos dados, têm-se por evidente o ideal de posicionar-se contrário a possibilidade de nova revisão.
Existem outros meios mais eficazes de se solucionar os problemas que existem na legislação. Não existe como se deduzir que uma revisão solucionará todos os males que afligem a conjuntura social e econômica brasileira.
Ressuscitar algo que foi apenas delimitado para um lapso temporal, é um equívoco tamanho. Em se tratando de abdicar de direitos fundamentais, seria uma afronta ao Estado Democrático, estar-se-ia privando os cidadãos de seus direitos. Por esse motivo, o legislador ao prever as cláusulas pétreas, o fez por temer subversões de alguns parlamentares ao longo dos anos, que viessem movidos por interesses particulares, prejudicarem a estrutura Estatal.
Portanto, conclui-se por considerar inconstitucional tais medidas, pautadas por análise minuciosas da argumentação de ambas as partes e a constatação que há uma quebra estrutural do ordenamento se admitir-se que é possível uma nova Revisão Constitucional, através de Emenda. Além de tais medias não solucionarem os problemas, seria possível afirmar que estaria o país fadado à instabilidade institucional como um todo. Não é alterando o texto constitucional que as coisas se resolvem. Constituição é questão hermenêutica, de interpretação e não de aplicação da “letra fria” da lei.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Celso Ribeiro. A reforma da constituição: em defesa da revisão constitucional. Jus Navigandi. Teresina, ano 4, n. 36, nov. 1999. Disponível em: <www.jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em: 15. nov. 2007.
JUNQUEIRA, André Luiz. Comentários à proposta de emenda constitucional nº.157 de 2003. 2006. Disponível em: <www.juristas.com.br>. Acesso em: 15. nov. 2007.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à Constituição de 1988: aspectos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989.
STRECK, Lenio Luiz; CATTONI, Marcelo et al. Revisão é golpe! Porque ser contra a proposta de revisão constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 985, 13. mar. 2006.
[1] SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à Constituição de 1988: aspectos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 32.
[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 24
[3] JUNQUEIRA, André Luiz. Comentários à proposta de emenda constitucional nº.157 de 2003. 2006. Disponível em: <www.juristas.com.br>. Acesso em: 15. nov. 2007.
[4] SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à Constituição de 1988: aspectos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 32.
[5] JUNQUEIRA, André Luiz. Comentários à proposta de emenda constitucional nº.157 de 2003. 2006. Disponível em: <www.juristas.com.br>. Acesso em: 15. nov. 2007.
[6] BASTOS, Celso Ribeiro. A reforma da constituição: em defesa da revisão constitucional. Jus Navigandi. Teresina, ano 4, n. 36, nov. 1999. Disponível em: <www.jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em: 15. nov. 2007.
[7] STRECK, Lenio Luiz; CATTONI, Marcelo et al. Revisão é golpe! Porque ser contra a proposta de revisão constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 985, 13. mar. 2006.
[8] STRECK, Lenio Luiz; CATTONI, Marcelo et al. Revisão é golpe! Porque ser contra a proposta de revisão constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 985, 13. mar. 2006.
[9] STRECK, Lenio Luiz; CATTONI, Marcelo et al. Revisão é golpe! Porque ser contra a proposta de revisão constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 985, 13. mar. 2006.
Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Professor-Assistente da Disciplina de Prática Simulada Cível na Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Assessor Jurídico no Ministério Público Federal do Espírito Santo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Marcelo Sant'Anna Vieira. Nova revisão constitucional através de Emenda: (im)possibilidade? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 fev 2009, 09:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16759/nova-revisao-constitucional-atraves-de-emenda-im-possibilidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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